Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Guilherme Farkas (UFF)

Minicurrículo

    Graduado em Cinema e Audiovisual pela UFF, mestrando pelo PPGCine/UFF. Trabalha com captação e pós-produção de som. Como diretor de som foi selecionado para Buenos Aires Talents e Berlinale Talents. Realizou som de filmes exibidos em festivais como Berlinale, Rotterdam, Locarno, entre outros. Por alguns de seus trabalhos recebeu prêmios de melhor som, melhor direção de som, e melhor concepção sonora. Foi curador da mostra Sonoridade Cinema (Caixa Cultural/RJ) sobre som no cinema contemporâneo.

Ficha do Trabalho

Título

    Gravação de campo em Río Turbio (2020) e Quem de Direito (2022)

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir da prática da gravação de campo e do tensionamento entre montagem, som e memória, são analisados os filmes Río Turbio (2020) e Quem de Direito (2022). Tendo como metodologia a interdisciplinaridade que vai da arte sonora à ecologia acústica, a gravação de campo é convocada como possibilidade de criação de um espaço virtual em que passado e presente se contaminam na construção de significado em dois filmes documentários que utilizam material de arquivo em seu corpo fílmico.

Resumo expandido

    Os filmes Río Turbio (2020) e Quem de Direito (2022) são dois documentários latino-americanos contemporâneos que fazem uso de material de arquivo como parte constituinte de seus corpos fílmicos. Algumas características aproximam os filmes em dois aspectos distintos e complementares, sendo eles formais e temáticos. Formalmente os documentários lidam com a dificuldade de acesso ao tema que se relacionam. Ambos se utilizam de materiais de arquivo muito difusos: imagens de arquivo (fixas e em movimento), sons de arquivo, fotografias fixas, mapas e ilustrações. Aliado à utilização de materiais de arquivo, os filmes lançam mão de práticas de gravação de campo (o que inclusive se torna visível quando em Río Turbio os equipamentos de gravação de som são filmados frontalmente) construindo um desenho de som em que sons ambientes ocupam o primeiro plano narrativo. Tematicamente os filmes abordam tanto o contexto histórico das ditaduras militares argentina e brasileira como o presente das comunidades retratadas. São filmes que, a partir de seus discursos, articulam passado e presente. Nosso objetivo é investigar a utilização da gravação de campo e a valorização do som ambiente no desenho sonoro das obras.
    Em Río Turbio (2020), logo nos créditos iniciais, através de uma cartela, somos informados que a equipe de filmagem foi impossibilitada de acessar a principal locação: uma mina de carvão na cidade de Río Turbio, extremo sul da Argentina. A partir daí o filme lança mão de uma série de estratégias para contornar esse obstáculo que se impõe como condicionante de produção. Entre várias ações, a prática da gravação de campo se coloca como possibilidade narrativa. O filme então vai articular material de arquivo e material filmado atualmente para abordar o tema do conflito de gênero e classe nas minas de carvão na localidade de Río Turbio. O esforço do filme, passa a ser, então, o de ilustrar aquilo que não pode ser filmado.
    Em Quem de Direito (2022) uma ameaça invisível paira sobre o terceiro distrito de Cachoeiras de Macacu, município localizado a pouco mais de 100 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro. A região vive desde os anos 1960 sob a ameaça da construção de uma barragem de armazenamento para distribuição de água para o leste metropolitano do estado do RJ. Assim como em Río Turbio, Quem de Direito organiza uma série de materiais audiovisuais sobre algo que não se pode filmar. O filme brasileiro vai resgatar também o passado de luta por reforma agrária na região rural fluminense, da era Vargas à ditadura civil-militar. Uma encenação é proposta aos habitantes da região assim como a filmagem e gravação de som de paisagens locais, articulando passado e presente através da montagem e da banda sonora.
    Em artigo recente sobre o trabalho com gravação de campo dos artistas Thelmo Cristovam e Alexandre Fenerich, o pesquisador Paulo Dantas define a gravação de campo como “qualquer gravação sonora feita fora de um estúdio” (DANTAS, 2019, p. 153, tradução nossa). A prática da gravação de campo está presente tanto nas artes como é o caso da arte sonora e música concreta, como em práticas científicas como a ornitologia, etnomusicologia, primatologia, ecologia acústica, entre outros. A ideia da gravação de campo enquanto mediação poética como desenvolvida por Rui Chaves (CHAVES, 2016) serve como importante agente mobilizador na análise fílmica pretendida aqui. Segundo Chaves, a gravação de campo tem o potencial de ser um processo de mediação subjetiva entre o objeto gravado, a pessoa que realiza a gravação e a pessoa que escuta tal gravação. Posição essa que ecoa também na produção bibliográfica de Cathy Lane e Angus Carlyle. Nos interessa agenciar esse debate interdisciplinar na produção técnica/artística de Chris Watson, da bibliografia oriunda da ecologia acústica em Gordon Hempton e Bernie Krause e na ideia de acustemologia proposta por Steven Feld.

Bibliografia

    CARLYLE, Angus e LANE, Cathy. e In the field: the art of field recording. Devon. Uniformbooks. Londres, 2013.
    DANTAS, Paulo. Being in the Field; Process, Narrativity, and Discovery in the Field-Recording Work of Thelmo Cristovam and Alexandre Fenerich. In CHAVES, Rui; IAZZETTA, Fernando (org). Making it Heard – A history of Brazilian Sound Art. Bloomsbury Academic, Nova Iorque, 2019.
    FELD, Steven. A Rainforest Acustemology. In. BULL, Michael; Back, Les. The Auditory Culture Reader. (Ed). Berg. Oxford e Nova Iorque, 2003. p. 223-239. 1999.
    HEMPTON, Gordon. Earth is a solar powered jukebox, A Complete Guide to Listening, Recording and Sound Designing with Nature. Quiet Planet LLC. Port Townsend, 2016.
    KRAUSE, Bernie. A grande orquestra da natureza – descobrindo as origens da música no mundo selvagem. Zahar Editora. Rio de Janeiro, 2013.
    STERNE, Jonathan. The Sound Studies Reader. Routledge. Oxon e Nova Iorque, 2012.