Ficha do Proponente
Proponente
- Álvaro André Zeini Cruz (SENAC; FIB)
Minicurrículo
- ÁLVARO ANDRÉ ZEINI CRUZ é mestre e doutor em Multimeios pela
Unicamp, com doutorado-sanduíche pela University of Leeds; especialista em Roteiro pela FAAP; bacharel em Cinema pela Unespar. Atuou como roteirista curta-metragista. É crítico na revista Pós-créditos e professor universitário no Centro Universitário Senac e nas Faculdades Integradas de Bauru.
Ficha do Trabalho
Título
- Cinema Lascado: uma estratégia em Encontros
Seminário
- Cinema e Educação
Formato
- Presencial
Resumo
- Esta comunicação apresenta uma estratégia de ensino de cinema baseada na inevitabilidade do fragmento – ou melhor, da lasca – na relação de ensino-aprendizagem. Encontros do Cinema Lascado visa criar “mostrações” através de lascas cinematográficas recriadas em convergências denotativas. Dessas lascas escolhidas e organizadas pelo professor-mostrador, o trajeto pedagógico passa à partilha descritiva das experiências estéticas, buscando a autonomia e a afetividade dos alunos para com o cinema.
Resumo expandido
- Em um mundo de telas, a palavra streaming tem sobreposto vocábulos anteriores – audiovisual, televisão, cinema – e delimitado acervos rasos e restritos. As narrativas feitas em imagens e sons tornam-se prisioneiras da convergência, menos por uma necessidade diegética do que por uma imposição pelo consumo. O speed watching se revela uma prática entre o público ávido por dar conta da infinidade de conteúdos à disposição das digitais; e, mesmo na cinefilia, o quantitativo se impõe, transformando-a numa cinefagia (MENDONÇA, 2016).
Nesse cenário – aqui resumido e recortado (e, por isso mesmo, incompleto) –, proliferam cursos superiores destinados a formar profissionais para produzir/pensar imagens, sons e telas. No Brasil, esse ensino tem sido posto sob o guarda-chuva amplo do audiovisual, o que certamente expande possibilidades de mercados a esses futuros profissionais, mas tende a reduzir e homogeneizar a um denominador comum as várias áreas desse campo. Nesse contexto de assimilações imediatistas, a fruição cinematográfica e o cinema como arte complexa acabam restritos à assimilação conteudística – muitas vezes desinteressada – ou acumulativa. A partir desse cenário – que reverbera de diferentes formas nas salas de aula –, a pergunta que guia esta proposta é: como repensar o ensino do cinema para uma experiência de ensino-aprendizagem que priorize e parta da experiência estética?
Encontros do Cinema Lascado formula uma hipótese para esse problema propondo uma estratégia de ensino de cinema a partir da inevitabilidade do fragmento fílmico (AUMONT, 1995; BERGALA, 2008) como uma “provocação do desejo de ver o filme inteiro” (BERGALA, 2008, p. 121). Trazendo para a relação de ensino-aprendizagem as analogias da escavação (ELSAESSER, 2018) e da navegação (DANEY, 1989), o fragmento, então, torna-se lasca, que surge não de forma isolada, mas numa “Pedagogia da Articulação e da Combinação” (BERGALA, 2008), que tem a superfície fílmica – isto é, a camada denotativa do estilo (BORDWELL, 2008) – como critério para a curadoria e montagem do material de cada encontro.
O que se efetiva ao aluno é a exibição de um material audiovisual criado a partir dessas lascas fílmicas que têm ações em comum. Nesse processo, o professor posterga sua sobreposição ao filme, assumindo antes a função de um curador que garimpa e organiza as lascas para, em sala, exercer, principalmente, o papel de “mostrador”. Da “mostração” do material, surge a pergunta que busca disparar essa partilha horizontal de experiências, e que reitera a alteridade cinematográfica: como foi a experiência de assistir?
O viés fenomenológico busca na descrição das experiências uma confrontação com o “brilho da obra” sem protetor solar (ARASSE, 2013, p. 3); ou, como coloca Sontag, “em vez de uma hermenêutica, […] uma erótica da arte” (2020, p. 46). Nessa partilha descritiva, Encontros do Cinema Lascado quer estimular os participantes a uma autonomia (FREIRE, 1996) iniciada por “um movimento que consiste em nos pôr para fora” e que vai efetivar “um tipo de conhecimento sensível e de transformação ativa de nosso mundo” (DIDI-HUBERMAN, 2016, p. 26). Propõe, portando, uma partilha das lascas vistas e, consequentemente, das lascas do eu, fazendo dos Encontros uma experiência afetiva, que costura um vínculo entre a alteridade cinematográfica e as dimensões da afetividade e suas respectivas ativações – emoção, sentimento, paixão; ativação fisiológica, representacional e do autocontrole (MAHONEY; ALMEIDA, 2005).
É preciso sublinhar que esta não é uma estratégia excludente, ou seja, não inviabiliza outras contribuições para além da fenomenologia, mas propõe uma inversão das rotas costumeiras (a partir da linguagem, por exemplo) através de uma restituição à fruição. Como bem coloca Sontag (2020), “precisamos aprender a ver mais, ouvir mais, sentir mais” (1964, p. 23). Um caminho para isso, é vendo, ouvindo, sentindo as lascas nossas, dos filmes e daqueles que os assistem junto a nós.
Bibliografia
- ARASSE, D. Nada se vê: seis ensaios sobre pintura. São Paulo: Editora 34, 2019.
AUMONT, J. Meu caríssimo objeto. Imagens, São Paulo: Editora da Unicamp, n. 5, p. 18-27, 1995.
BERGALA, A. A hipótese-cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Booklink, 2008.
BORDWELL, D. Figuras traçadas na luz: a encenação no cinema. Campinas: Papirus, 2008.
DIDI-HUBERMAN, G. Que emoção! Que emoção?. São Paulo: Editora 34, 2016.
ELSAESSER, T. Cinema como arqueologia das mídias. São Paulo: Edições Sesc, 2018
MAHONEY, A. A; ALMEIDA, L. R. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Psicologia da educação, São Paulo, n. 20, p. 11-30, jun. 2005.
MENDONÇA, L., 2016. Crítica e cinefilia – dos Cahiers amarelos à nova democracia digital. Camões, (24), pp.79-81.
SOBCHACK, V. The address of the eye: A phenomenology of film experience. Princeton University Press, 1992.
SONTAG, S. Contra a interpretação: e outros ensaios. Companhia da