Ficha do Proponente
Proponente
- Guilherme Carréra Campos Leal (UFRJ)
Minicurrículo
- Pesquisador de pós-doutorado na ECO-UFRJ. Doutor em Cinema pela University of Westminster (2020), com bolsa CAPES. Mestre em Comunicação pela UFPE (2015), com intercâmbio para a University of Westminster. Bacharel em Comunicação Social/Jornalismo pela UFPE (2011), com mobilidade Andifes para a UFRJ. É autor do livro “Brazilian Cinema and the Aesthetics of Ruins” (2021, Bloomsbury Academic), vencedor do Prêmio da Associação de Investigadores da Imagem em Movimento (AIM, Portugal).
Ficha do Trabalho
Título
- No museu e além: o Rio de Janeiro de “Subterrânea”
Formato
- Remoto
Resumo
- Analisamos o filme “Subterrânea” (Pedro Urano, 2021), cuja abertura traz imagens do incêndio no Museu Nacional. Entendemos que a sequência não apenas apresenta o tom apocalíptico adotado pelo filme, mas também aponta para a maneira como a paisagem do Rio de Janeiro vem sendo forjada. Isto é, através de remoções, implosões e destruições, como a do próprio museu. Discutimos as estratégias cinematográficas utilizadas pelo diretor, entremeadas por noções de memória e ruína na cultura contemporânea.
Resumo expandido
- As imagens do incêndio que ocorreu no Museu Nacional, no dia 2 de setembro de 2018, são impactantes. Viralizaram rapidamente na internet, ganharam extensa cobertura da mídia e vêm sendo objeto de atenção de artistas contemporâneos. Interessados em refletir sobre o fato, eles mobilizam estratégias diversas para dar conta do episódio por meio de diferentes linguagens, sendo a audiovisual o foco deste estudo. Fazem isso articulando questões relativas ao museu, atravessadas pelos campos da memória e da ruína. A videoarte “The Clopen Door” (Thiago Rocha Pitta, 2020), a animação “Kanau’kyba” (Gustavo Caboco, 2021) e as apresentações multimídias de Tom Zé no Festival Multiplicidade (2021) e de Emicida no Prêmio Multishow (2021) são exemplos de registros audiovisuais que dialogam com o incêndio.
Nesta comunicação, jogamos luz sobre o longa-metragem “Subterrânea”, dirigido por Pedro Urano e lançado em 2021 na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes. O filme abre com imagens do fogo consumindo a edificação histórica – uma maneira de apresentar o tom apocalíptico que será adotado pela trama. Nela, uma professora de geologia e um estudante, que são também tia e sobrinho, se sentem atraídos a desvendar o mistério de símbolos encontrados em pedras espalhadas pela região do antigo Morro do Castelo, demolido nos anos 1920. Além do Museu Nacional e do Morro do Castelo, a implosão do Elevado da Perimetral durante as obras para os Jogos Olímpicos de 2016 também ganha menção no filme. Entre o solo e o subsolo da cidade, o roteiro de João Paulo Cuenca vai do documentário à ficção científica para explorar o ímpeto destrutivo entranhado na paisagem carioca. Nesse sentido, é o museu em chamas o abre-alas tanto do filme quanto do Rio de Janeiro a ser enquadrado na tela.
A pesquisadora Giselle Beiguelman reflete sobre a imagem do museu em chamas em um dos ensaios publicados em “Memória da Amnésia: Políticas do Esquecimento”. Ela defende que “o incêndio do Museu Nacional revela muito de como lidamos, no Brasil, com o nosso patrimônio” (2019, p.217). Em artigo escrito com Nathalia Lavigne, Beiguelman afirma que “o que parece ter sobrevivido é um museu só de paredes e um arquivo fantasmagórico de imagens digitais circulando sem um referente que já não existe” (2021, p.3), aludindo a postagens nas redes com a #museunacionalvive. Esse museu que não existe mais, ou que não existirá como um dia existira, parece representar o modus operandi da própria cidade no qual ele está inscrito. “Subterrânea” trabalha essa percepção ao construir, a partir do incêndio, uma imagem para a capital fluminense.
Embora fincado no tempo presente, o filme se vale de um entrecruzamento de tempos passados, em um entendimento da História no sentido atribuído por Walter Benjamin (1968). A barbárie que acompanha toda civilização se deixa ver aqui nas remoções, implosões e destruições que marcam o Rio de Janeiro. O progresso que empilha destroços sobre destroços expõe o fracasso do projeto moderno, abordado por Julia Hell e Andreas Schönle (2010) através da noção de ruínas da modernidade. O interesse pelo que passou certamente não é exclusividade do filme – a ideia de retorno ao passado se tornou uma das principais características da cultura contemporânea global, largamente investigada pelo teórico Andreas Huyssen (2010). Na América Latina, a ensaísta Beatriz Sarlo (2007) enfatiza o trabalho da memória não só na rememoração, mas na reelaboração da História. Esta comunicação pretende discutir as estratégias empregadas no filme, para fazer vir à superfície uma História ainda subterrânea.
Bibliografia
- Beiguelman, G. (2019). Memória da amnésia: políticas do esquecimento. São Paulo: Edições Sesc.
Beiguelman, G. e Lavigne, N. C. (2021). Memento mori: Museu Nacional e o arquivo sem museu. Contemporânea, 3 (6), 1-17. Disponível em https://shre.ink/qkC [Acesso em 15 de março de 2022].
Benjamin, W. (1968). Illuminations, trad. Harry Zohn. New York: Harcourt Brace & World.
Carréra, G. (2021). Brazilian cinema and the aesthetics of ruins. London: Bloomsbury Academic.
Hell, J. e Schönle, A. (2010). Ruins of modernity. Durham, NC: Duke Press University.
Huyssen, A. (2000). Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano.
Peixoto, N. B. (1987). Cenários em ruínas: a realidade imaginária contemporânea. São Paulo: Editora Brasiliense.
Sarlo, B. (2007). Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras.