Ficha do Proponente
Proponente
- Juliana Froehlich (Autônomo)
Minicurrículo
- Juliana Froehlich é psicóloga, psicanalista, Doutora em Cinema pela Universiteit Antwerpen (Bélgica), onde foi bolsista CAPES. Publicou sobre métodos de pesquisa em arte contemporânea e apresentou trabalhos sobre as relações entre artes visuais e cinema. Atua como psicóloga e psicanalista em consultório particular. É professora palestrante no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. É mestre em Estética e História da Arte pela USP (2013) e psicóloga formada pela USP (2010).
Ficha do Trabalho
Título
- O horror no feminino: histeria, abjeção e dança em Suspiria (2018).
Formato
- Presencial
Resumo
- Em muitos filmes de horror, as mulheres e o feminino aparecem como algo repulsivo e amedrontador em monstros, possessões e bruxas. O filme Suspiria (2018) parece combinar essas figuras com a abjeção e gestos da conversão histérica como potência. A dança teria um papel fundamental em expressar gestualmente a ambiguidade entre dor e desejo. Nesse sentido, essa apresentação se dedica a analisar os gestos, a abjeção e a dança no filme à luz da psicanálise, do grotesco e de outras obras visuais.
Resumo expandido
- O corpo invertido, contorcido e do avesso convoca o olhar a interpretar o enigma de seus gestos ao mesmo tempo que pode ser assustador, uma vez que se mostra como algo disforme ou em (de)formação. O arco histérico, o corpo tensionado e arqueado, é um dos gestos corporais sistematizados e documentados no século 19 no hospital de Salpetriere como sintoma das histéricas (Braun, 2020; Didi-Huberman, 2004). Era uma das contorções produzidas pelo afeto recalcado deslocado no corpo, uma combinação ambígua de dor e desejo (Freud, 2012). Tal gestual do corpo o coloca em uma posição que se oferece do interior ao exterior.
Alguns filmes de horror que abordam a possessão, como O Exorcista (1977), apresentam a imagem do corpo arqueado como um dos indícios que há uma possessão em curso. Essa associação entre o arco corporal e a possessão não é fortuita. O gesto que fora assumido pela medicina entre os séculos 18 e 19 era, até este período, passível de ser compreendido como uma possessão, momento de um exorcismo ou um êxtase religioso (Braun, 2020). Em filmes de possessão e bruxaria, o arco entre outros gestos associados aos sintomas histéricos, fabula o horror que se aproxima. O sujeito, em sua maioria mulheres, são acometidos pelo “mal”, de um modo passivo; posição esta que a psicanálise colocara em questão a partir dos estudos de Freud.
Nesse sentido, a refilmagem Suspiria (2018), que aborda os temas de possessão e bruxaria em uma companhia de dança na Berlim de 1977, parece propor um reposicionamento da mulher frente aos seus desejos. Experimentando com a ambiguidade do desejo e da dor a partir dos movimentos e gestos das bailarinas e da abjeção em corpos desfeitos e abertos. Como na cena em que Sara dança a coreografia de Folk explorando os limites do seu corpo. Ao mesmo tempo que a respiração traz um esforço doloroso, o primeiro plano aponta uma expressão de prazer. A abjeção percorre momentos mais violentos do filme e que causam um estranhamento fascinante, como o corpo abjeto da Mãe Markus.
A dança sugestionaria a possibilidade de circulação da expressão do horror, o qual levaria algumas mulheres à dor e à morte e a outras ao prazer e à vida.
Connelly (2012) destaca dentro do grotesco as figuras e monstros femininos ou mulheres na cultura ocidental, como a Medusa, a bruxa e a prostituta. A autora aponta a figuração de um horror no jogo com o masculino, que rompe ou problematiza as regras sociais de gênero e do corpo da mulher. Portanto, o grotesco na histeria e na bruxaria ou no demoníaco seria aquilo que garante o jogo desse feminino que rompe com regras sociais e de gênero. A escultura O arco da histeria (1993) de Louise Bourgeois aborda o gesto histérico em um corpo não-binário e sem cabeça, que rompe um limite do próprio gesto, deformando-o. Sugerindo, portanto, um rompimento com associações de gênero à histeria e repropondo o enigma do corpo que sofre e deseja. A escultura de Bourgeois também sugestiona esse interior prostrado ao exterior, apontando para um possível rompimento do corpo e para a abjeção. Para Kristeva (1982), a abjeção seria o nojo e a repulsa ao encontrar o corpo desfeito, onde o interior se prostra ao exterior, por vezes sem forma definida. O simbólico materno tem centralidade na teoria de Kristeva, como esse corpo que é rejeitado e desejado. Connelly (2012) destaca que o abjeto é fundamentado no corpo e na experiência material desse corpo e que muitas artistas mulheres na arte moderna e contemporânea se apropriam da abjeção como forma de “repelir o olhar objetificante …]” (CONNELLY, 2012, p. 144). Portanto, há na abjeção associada ao feminino e ao corpo da mulher o rompimento de fronteiras e a subversão da objetificação em sua base.
Considerando essas possíveis aproximações entre arco histérico e abjeção através dos gestos da dança e do corpo desfeito presentes em Suspiria, essa comunicação pretende propor uma análise do filme à luz da psicanálise, do grotesco e de outras obras visuais.
Bibliografia
- BRAUN, J. (Ed.). Performing Hysteria: Contemporary Images and Imaginations of Hysteria. Leuven: Leuven University Press, 2020.
CÁNEPA, L. L. Pornochanchada do avesso: o caso das mulheres monstruosas em filmes de horror da Boca do Lixo. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.12, n.1, jan./abr. 2009, pp.1-14.
CONNELLY. F. S. The grotesque in Western art and culture the image at play. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.
DIDI-HUBERMAN, G. Invention of hysteria: Charcot and the photographic iconography of the Salpêtrière. London, Cambrigde: MIT Press, 2003.
FREUD, S. Estudos sobre a histeria (1893-1895) em coautoria com Josef Breuer. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
HAARINGTON, E. Women, Monstrosity and Horror: Gynaehorror. Londres e Nova Iorque: Routledge, 2018
HOWARD, A.; MURPHET, J. Transferring Suspiria: Historicism and Philosophies of Psychoanalytic Transference. Film-Philosophy, v. 26, n. 1, 2022, pp. 63-85.