Ficha do Proponente
Proponente
- Tomyo Costa Ito (UFMG)
Minicurrículo
- Doutor em Comunicação (PPGCOM-UFMG, 2021) com pesquisa sobre a estética da elaboração do passado em Rithy Panh. Mestre em Comunicação (PPGCOM-UFJF, 2013). Graduado em Comunicação (UFJF, 2009). Participou do programa sanduíche no exterior da Capes (out/2018-jul/2019), na Université Paris 1 e na American University of Phnom Penh. No Camboja, conduziu pesquisa com os arquivos do Centro Bophana e realizou os curtas de documentário Sob a sombra da palmeira (2020) e Poemas do Camboja (2020).
Ficha do Trabalho
Título
- Repetição dos arquivos das guerras em Irradiés (2020), de Rithy Panh
Seminário
- Teoria de Cineastas
Formato
- Presencial
Resumo
- Propomos analisar o filme Irradiés (2020), do cineasta cambojano Rithy Panh, à luz de seu comentário em voz over e de passagens do livro La paix avec les morts (2020), ambos escritos por Panh e Bataille. Neles está presente uma reflexão sobre a repetição como forma de aprendizagem do olhar e como pedagogia do cinema. O filme constrói coleções de imagens de arquivo: propaganda bélica, armas de destruição em massa, campos de concentração, a violência sobre os corpos, a mise-en-scène do genocídio.
Resumo expandido
- Irradiés (2020) se constitui como um filme de montagem, no qual Rithy Panh constrói associações entre imagens de contextos distintos das guerras, dos genocídios, das armas de destruição em massa, dos campos de concentração e da desumanização dos corpos, no decorrer do século XX. As cenas das imagens de arquivo provocam no espectador uma experiência vertiginosa e exigem a sustentação do olhar. “Olhar uma vez. Olhar cem vezes.”, assinala o comentário em voz over do filme como um gesto indispensável.
No livro La paix avec les morts (PANH; BATAILLE, 2020), Rithy Panh narra seu percurso pelo Camboja, seu retorno às paisagens que filmou em 30 anos de trabalho, e discorre sobre sua cinematografia e reflete sobre os principais procedimentos que utilizou. Um deles é a repetição, um gesto amplo que abarca palavra e imagem. Ele acredita que é preciso dizer, redizer, mostrar, enunciar, diferentemente a cada vez, para “renovar as palavras”. Numa extensão de seu argumento, repete-se uma imagem para, também, renovar o olhar. Olhar uma vez o retrato da jovem Hout Bophana não é suficiente para lutar contra o crime dos khmers vermelhos, afirma Panh.
Tomamos como pontos de partidas o comentário do filme e o livro para refletir sobre a repetição como procedimento cinematográfico e a maneira como ela transforma nosso olhar sobre a mise-en-scène da guerra e do genocídio.
Em Irradiés, Panh faz uso de um acervo de imagens de arquivo que ele nunca havia utilizado, expandindo o contexto de sua pedagogia cinematográfica da guerra e do genocídio para além do Camboja. O filme constrói associações de imagens de três momentos da história: o regime do Khmer Vermelho, a Segunda Guerra Mundial e a bomba atômica no Japão. A retomada desses dois últimos conjuntos de imagens já constitui um procedimento de repetição.
Um segundo procedimento de repetição, singular à Irradiés, é seu formato que divide a tela em três quadros, de mesmo tamanho, alinhados horizontalmente, ocupando o centro e os dois cantos da imagem, separados por linhas verticais (ocasionalmente, essas três imagens se tornam uma só, alongada). Panh joga com variações sutis. O filme apresenta a mesma cena sincrônica nos três quadros. Ou, produz uma ligeira assincronia entre as três imagens. Também insere uma imagem distinta em um ou dois quadros, criando conexões que se apresentam simultaneamente na tela. Além de utilizar o ralentir.
O filme nos situa, mas não dá explicações sobre o contexto das imagens. A justaposição dos planos, promovida pela montagem, constitui diversas coleções: da experiência da deportação que associa imagens do campo de trânsito de Westerbork e de um trem percorrendo o Camboja oriundas de filmes de propaganda do Khmer Vermelho; dos campos de extermínio que justapõe imagens do interior do campo de Auschwitz, filmadas por Alain Resnais para o filme Noite e Neblina (1955) e as celas solitárias da prisão S-21, filmadas por Rithy Panh para seus documentários; e da desumanização que reúne imagens dos sobreviventes e dos cadáveres dos campos de Bergen-Belsen e dos corpos queimados e dos doentes que agonizam com ferimentos terríveis em consequência da bomba atômica. As coleções não se constituem como homogeneização da iconografia da deportação, dos centros de extermínio e da desumanização dos corpos. Ao contrário, a repetição de imagens análogas intensifica a mise-en-scène particular, cada imagem permanece singular, impregnada no olhar do espectador.
Rithy Panh renova e amplia o alerta de Alain Resnais do final de Noite e Neblina, ao trazer o espectador diante dessas coleções: a diferença produzida pelo procedimento da repetição de mise-en-scènes análogas assinala o horror da reprodução da violência e da desumanização dos corpos que ocorre(u) em muitos outros lugares (e em muitos outros tempos). Seu filme e seu livro apontam para uma pedagogia do olhar, fornecendo material de reflexão sobre as maneiras de olharmos para as imagens contemporâneas da violência e do autoritarismo.
Bibliografia
- PANH, Rithy Panh; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020.