Ficha do Proponente
Proponente
- Catarina Andrade (UFPE)
Minicurrículo
- Professora do Departamento de Letras/UFPE. Professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Letras PPGL/UFPE e Comunicação PPGCOM/UFPE e da Pós- graduação Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual, da Unicap. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Laboratório de Experiência, Visualidade e Educação (LEVE). Autora, entre outros, do livro: Corpos e paisagens – construção de memória e identidade em imagens e narrativas do cinema de Claire Denis e Abdellatif Kechiche (Estronho, 2020).
Coautor
- Álvaro Renan José de Brito Alves (UFPE)
Ficha do Trabalho
Título
- Yãmiyhex – a perspectiva ameríndia do fazer fílmico e a re-existência
Seminário
- Cinemas pós-coloniais e periféricos
Formato
- Presencial
Resumo
- Partimos da impossibilidade (ou recusa) de tradução no filme Yãmiyhex – As Mulheres-Espírito (Sueli e Isael Maxakali, 2019), para pensar a perspectiva ameríndia do fazer fílmico – que parece deslocar formas de conhecimento e modos de fazer coloniais e imperialistas – e seus regimes de visualidade e de temporalidade, que propõem uma outra economia de ideias e imagens, constituindo uma ética singular e uma pedagogia do olhar que nos interpela a adotar abordagens de conhecimento não assimilativas.
Resumo expandido
- O mundo contemporâneo ocidentalizado e as formas de sua realidade se organizam em parte pela produção e circulação de imagens. No contexto de disseminação da tecnologia digital e diante de um cenário crítico para a sobrevivência de formas de vida e de pensamento não ocidentais, levantamos o questionamento sobre as apropriações de objetos técnicos por parte de povos originários ameríndios. Se recusamos a ideia de que a tecnologia e seus artefatos se reduzem a máquinas de predação do capitalismo, é preciso se perguntar como suas tecnologias são encarnadas e emancipadas em favor de um uso comum por parte de formas de vida que não apenas resistem à predação, mas militam a favor de outro mundo.
O cinema, neste sentido, é uma dessas tecnologias em disputa por novas formas de apropriação a serem emancipadas em favor de um pensamento decolonial crítico das violências e injustiças residuais do colonialismo, em cujas manifestações se podem vislumbrar perspectivas críticas e de transformação estrutural da sociedade. Pensamos o cinema como ferramenta cosmopoética de invenção do comum, vinculando-o à proposta crítica conduzida pela opção decolonial. Nossa hipótese é que a imagem é o lugar de uma conjugação do sensível e do inteligível e pode, por isso, ser investida de virtualidades imaginárias, de cosmogonias e conhecimentos ancestrais, oriundos daqueles e daquelas que procuram existir e re-existir em meio às investidas do capital. Nesse sentido, questionamos a emergência de uma perspectiva ameríndia do fazer fílmico – que parece deslocar as formas de conhecimento e modos de fazer imperialistas –, seus regimes de visualidade e de temporalidade que desnaturalizam as colonialidades do saber, do poder e do ser (Quijano, 2005), propondo uma outra economia das imagens e, com isso, uma outra pedagogia do olhar.
Quando um povo se apropria de uma ferramenta e o retira de suas dinâmicas naturalizadas, o aparato tecnológico recebe novos sentidos, mas torna-se também parte processual da dinâmica de vida desse povo. As dinâmicas de distribuição de sentido e função dos objetos técno-culturais passam por uma reformulação à medida que deslocamos a perspectiva cultural sob as quais tais objetos são assumidos (CARNEIRO DA CUNHA, 2017). Tais experiências apontam para um desejo de reconhecimento social que tem como horizonte a inserção na experiência da construção de um mundo comum, produzido por uma cosmopoética – ou seja, o conjunto de “formas de invenção (poiesis) do mundo como mundo comum (cosmos)” (RIBEIRO, 206, P.4). Um mundo que não se dá apenas na ordem de suas leis e de sua constituição jurídico-política, mas principalmente como comum investido por regimes de inteligibilidade, de visibilidade e de sensibilidade.
Queremos pensar com o filme Yãmiyhex – As Mulheres-Espírito (2019), de Sueli e Isael Maxakali, e com outros filmes, a noção de identidade em política, “única maneira de pensar descolonialmente” (Mignolo, p.290: 1998), e de que maneira(s) eles contribuem para reorganizar o debate, urgente em nossa sociedade, em torno de uma interculturalidade que coloque em diálogo as diversas cosmologias e as diferentes formas de olhar.
O filme parece encenar as concepções subjacentes às práticas de re-existência, ao re-encenar seus ritos sem, entretanto, explicá-los totalmente. Entendemos que um cinema inserido nas práticas cotidianas desses grupos que fazem da câmera um instrumento para produzir um cinema outro, que se distingue dos moldes ocidentais (ou ocidentalizados), contribui para re-pensar horizontes educacionais, político-existenciais, socioculturais e estéticos baseados em uma outra economia das ideias e das imagens não restritas aos dualismos do regime de pensamento ocidental. Tentamos pensar os circuitos de tradução entre visível e invisível à maneira do que André Brasil (2016) chamou de uma “crítica da economia política da imagem”.
Bibliografia
- ALBÁN, Adolfo. Pedagogías de la re-existencia, artistas indígenas y afrocolombianos. In: WALSH, Catherine. Pedagogías decoloniales: Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo 1. Quito: Abya Yala, 2013.
BRASIL, André. Ver por meio do invisível: o cinema como tradução xamânica. In: Novos estudos, São Paulo, v.35, n.3, p.125-146, 2016.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Cultura com aspas. São Paulo: Ubu Editora, 2017.
RIBEIRO, Marcelo. Cosmopoéticas da descolonização e do comum: inversão do olhar, retorno às origens e formas de relação com a terra nos cinemas africanos. In Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, Rebeca 10, v. 5, n. 2, 2016, p. 1-26.
MIGNOLO, Walter (1998). Postoccidentalismo: el argumento desde América Latina, em CASTRO-GÓMEZ, S. & MENDIETA, E. (coords.). Teorías sin disciplina: latinoamericanismo, poscolonialidad y globalización en debate. México: Miguel Ángel Porrúa, 1998.