Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Raphaela Benetello (UFMG)

Minicurrículo

    Doutoranda em Artes, na linha de Cinema, pelo Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestra em Artes, Cultura e Linguagens pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Desde 2017 é Técnica em Audiovisual na UFMG.

Ficha do Trabalho

Título

    Trilhas, vozes e construção sonora em Vidas Secas (1963)

Formato

    Presencial

Resumo

    Análise das sonoridades presentes em Vidas Secas, por meio da interação entre trilha musical, ruídos, vozes e efeitos sonoros. O trabalho de Geraldo José, responsável pela criação sonora, é analisado no sentido de como o som do carro de boi aparece como trilha musical e como efeito sonoro. A conclusão é que a construção sonora do filme foi crucial na caracterização de um meio opressivo e letal, assim como a fotografia superexposta, o enredo cíclico e a direção de Nelson Pereira dos Santos.

Resumo expandido

    As construções sonoras presentes no filme Vidas Secas (1963, 100 min), dirigido por Nelson Pereira dos Santos, tem sua composição narrativa permeada entre trilha musical, trilha de ruídos, vozes e efeitos sonoros. Baseado no romance homônimo de Graciliano Ramos, a história se passa na década de 1940, especificamente no período entre 1940 e 1942, em que aconteceram duas grandes secas no nordeste brasileiro.

    Para analisar a construção sonora do filme, partiremos da divisão do que chamamos de trilha de áudio, uma forma de evitar a expressão “trilha sonora”, que pode ser confundida com a seleção de faixas musicais que compõem a trilha musical de um filme. Para a trilha de voz, o silêncio autoimposto (CHATTERJI, 1999) das personagens após sofrerem violências de agentes do Estado e opressões sociais. Na trilha de ruídos e trilha musical, a análise será concentrada nas cenas em que é possível ouvir o som do carro de boi, seja de forma diegética ou extradiegética, dentro ou fora de quadro. Para essa caracterização, serão utilizados os conceitos contidos no livro Hearing the Movies (2010), de James Buhler e David Neumeyer.

    A história em Vidas Secas é marcada pela trilha de ruídos e efeitos sonoros, sem presença de música externa à narrativa (extradiegética) e com poucas falas. “Chape-chape. As alpercatas batiam no chão rachado” (RAMOS, [1938] 2013, p. 9) é uma das indicações sonoras de Graciliano Ramos no livro. Os diálogos do filme são compostos por vozes dubladas, algumas vezes em atraso com relação à imagem ou com os personagens de costas para a câmera para driblar o problema de sincronia, mas também por falas gravadas em som direto, principalmente nas cenas na sede da fazenda, uma novidade para a época.

    A construção sonora é assinada por Geraldo José de Paula, sonoplasta, técnico de som e foley para rádio, TV e cinema. No documentário O Som sem barreiras (2003), Geraldo José fala que na época não existia o profissional de fazer ruído no cinema, portanto sua experiência no rádio e na TV trouxe para a tela grande essa habilidade. Em Vidas Secas, o sonoplasta constrói o ruído do carro do boi, crucial para a narrativa, pois representa mais que do que apenas um som agudo e alto, mas intensifica o lamento do retirante nordestino que precisa abandonar suas terras em meio à seca para não sucumbir à fome. Segundo Santos no vídeo “Nelson Fala Sobre Vidas Secas”, Geraldo José “fez mil gravações em vários pontos de captação”, deixando claro que o som que ouvimos foi gravado diretamente de um carro de boi, não sabemos se aquele que vemos no filme. A sonoridade do carro de boi pode ser entendida de duas maneiras: como trilha musical, marcando a transitoriedade forçada das personagens, seus momentos conflitantes e demarcando a letalidade animal; e como efeito sonoro de composição das cenas e localização da ação.

    A trilha de áudio no filme pode ser entendida como uma fusão entre o que comumente se diferencia como trilha musical e trilha de ruídos. Em Vidas Secas o som do carro de boi age como trilha musical extradiegética nas cenas de abertura e encerramento, mas também compõe a trilha de ruídos em cenas diegéticas, ou seja, aquelas as quais o meio de transporte integra a narrativa. A não utilização de trilha musical extradiegética típica, como orquestras ou músicas originais, demonstra uma busca por um estilo próprio pelo diretor concentrando-se principalmente no que se adequa ao filme, no caso a construção de paisagens sonoras que conversam com a obra literária e complementam a realidade explicitada pela história.

    Conclui-se que a construção sonora de Vidas Secas foi crucial para a caracterização das personagens e de um ambiente opressivo e possivelmente letal, tanto quanto a fotografia superexposta de Luiz Carlos Barreto e José Rosa, o enredo cíclico e explícito que segue o livro de Graciliano Ramos, além das atuações do par central e a direção minimalista de Nelson Pereira do Santos.

Bibliografia

    BUHLER, J.; NEUMEYER, David. Hearing the movies: music and sound in film history. Primeira Edição. Oxford: Oxford University Press, 2010.
    CINEBRASIL. Nelson Pereira dos Santos fala sobre Vidas Secas. Disponível em: Acesso em: 12/03/2022.
    CHATTERJI, S. A. The Culturespecific use of sound in India cinema. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON SOUND IN CINEMA. 1999, London. Disponível em: . Acesso em: 09/03/2022.
    GERALDO José: O som sem barreira. André Sampaio (Dir.). 53 min, sonoro, colorido. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, 2003. Disponível em: . Acesso em: 25/08/2021.
    RAMOS, G. Vidas Secas. 120ª edição. Rio de Janeiro: Record, [1938] 2013.
    VIDAS Secas. Nelson Pereira dos Santos (Dir.). 100 min, sonoro, preto e branco. Rio de Janeiro: Herbert Richards, 1963. Disponível em: . Acesso em: 23/08/2021.