Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Marco Escrivão (ECA – USP)

Minicurrículo

    Mestre pela ECA/USP com a dissertação “Passagens do tempo, entrelaçamento de memórias individuais e a construção de memórias coletivas no cinema de Eduardo Coutinho” sob orientação do Prof. Dr. Henri Gervaiseau. Formado em Rádio e TV pela UNESP, foi bolsista do Observatório de Educação em Direitos Humanos. Coordenou o projeto “Memórias da Resistência”, tendo lançado livro em 2012 pela Outras Expressões. Dirigiu 6 premiados curtas.

Ficha do Trabalho

Título

    Horizonte de expectativas ao final de Cabra marcado e Peões.

Formato

    Presencial

Resumo

    Uma análise sobre os horizontes de expectativas abertos ao final de Cabra marcado para morrer (1984) e Peões (2004), de Eduardo Coutinho, e a escolha do diretor por terminar os filmes não com triunfalismo mas sim em uma anticlímax reflexivo, apontando que apesar da euforia que tomava conta dos momentos históricos em que os filmes foram feitos.

Resumo expandido

    Essa comunicação busca observar os finais de Cabra marcado para morrer (1984) e Peões (2004), de Eduardo Coutinho, por serem obras que fazem balanços de lutas do passado com um olhar a partir do presente, e que ao final abrem horizontes de expectativas (KOSELLECK).
    Quase ao final de Cabra, na sua despedida de Coutinho, Elizabeth Teixeira diz acreditou que não mais encontraria os companheiros. Conta que nunca esmoreceu da luta apesar de ter de ficar escondida. Com a equipe já dentro do carro, Elizabeth faz um discurso que conclama a continuidade da luta, rememorando os tempos de enfrentamento do passado. Somado à esperança de reencontrar a família e ao momento de abertura política, esse discurso ao final do filme poderia ser triunfal, indicando que o presente olhava para o futuro com uma vitória no horizonte.
    Contudo, Coutinho com olhar acurado sobre a realidade, coloca dois elementos que fazem com que o filme termine em anticlímax e se incline mais à reflexão do que à exaltação. Logo após o discurso de Elizabeth, a voz off de Coutinho dá conta de que até junho de 1983, quando o texto da locução havia sido escrito, ou seja, 2 anos e 5 meses após a gravação, Elizabeth só tinha conseguido reencontrar 2 de seus outros 8 filhos. Para fechar, vemos imagem do terreiro da casa de João Virgílio e ele dançando alegremente. Em off, Coutinho anuncia que 10 meses depois da gravação daquelas imagens, Virgílio faleceu de ataque cardíaco. O filme fecha com a morte sempre eminente.
    Em Peões o final se dá com o depoimento de Geraldo. A conversa começa com Coutinho anunciando o dia em que estão, 27 de outubro de 2002 às 12:20h, e pergunta o que Geraldo havia feito pela manhã. O entrevistado com um sorriso responde: “Hoje? Votei. Votei nos 13. Lula e Genuíno aqui em São Paulo.” Geraldo explica que é soldador e que no momento está com um trabalho no Paraná. Afirma que são trabalhos temporários, por empreitadas e que muitas vezes fica desempregado. Um olhar que carrega uma dor, mas não vitimizado pelas contingências. Tem uma serenidade resiliente. Possui dois filhos, um casal. Perguntado se tem saudade do tempo da fábrica, responde: “as vezes eu tenho, eu tenho”, abrindo um sorriso orgulhoso: “Com todos os sofrimentos, eu tenho saudade”. Coutinho não entende e pergunta: “com todo o quê?”, “com todo o sofrimento que tinha na época, né?” Geraldo emenda: “mas eu não gostaria que meu filho seja peão, não.” E solta, dessa vez, um sorriso nervoso como se temesse a reprovação do interlocutor. Como se com essa frase estivesse negando sua identidade. Um silêncio emocionado toma conta da cena. São 15 segundos de Geraldo tentando encontrar uma saída, provavelmente segurando as lágrimas. Enfim, como uma redenção, lança: “você já foi peão?” e abre um sorriso irônico. Coutinho responde que não. A câmera vai fechando lentamente em Geraldo. Entram letreiros finais.
    Aqui, vemos uma opção pela utilização de um tom sóbrio e sereno para o encerramento do filme. Colocado em seus momentos históricos, é possível dizer que Cabra e Peões estão inseridos em uma confluência de fatores que indicavam horizontes positivos para as classes populares, tendo em vista a abertura política e o caminho que se apontava rumo à almejada democracia, em Cabra, e mais tarde a eminência da eleição do primeiro operário como Presidente da República, em Peões. No entanto, a empolgação militante não permeou a realização desses dois filmes assumindo uma linha benjaminiana e reconhecendo que o inimigo não tem cessado de vencer. (BENJAMIN apud LOWY, 2005).
    A análise em perspectiva dos filmes mais que apontar relações teleológicas da história, nos servem como memorando dialético das classes trabalhadoras no Brasil possibilitando não apenas traçar um percurso, como elaborar uma memória a partir do cinema de Eduardo Coutinho e das subjetividades de sujeitos que estão na maior parte do tempo à margem do foco histórico, apesar de possuírem participações significativas em processos de erupção social.

Bibliografia

    ESCOREL, E. Triunfo e tormento. In: Ohata, Milton (org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: CosacNaify, 2013, p. 482-504.
    GERVAISEAU, H. O abrigo do tempo: abordagens cinematográficas da passagem do tempo. São Paulo: Alameda, 2012.
    KOSELLECK, R. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Trad. Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro. Ed. Puc Rio, 2006.
    LINS, C. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004.
    LOPES, J.S.L, CIOCCARI, M. Peões, entre a memória e a história dos trabalhadores. In: Eliska Altmann, Tatiana Bacal. Peões visto por. Rio de Janeiro. Ed. 7 Letras, 2017
    LOWY, M. Walter Benjamin: aviso de incêndio – uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Ed Boitempo, 2005.
    OHATA, M (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: CosacNaify, 2013.
    SCHWARZ, R. O fio da meada. In: Ohata, Milton (org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: CosacNaify, 2013.