Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    CAROLINA OLIVEIRA DO AMARAL (UFF)

Minicurrículo

    Professora, pesquisadora e roteirista, formada em 2011 em Cinema pela UFF, doutora e mestre pelo PPGCOM-UFF. Atualmente, desenvolve pelo PPGCINE-UFF a pesquisa de pós-doutorado “Conforto Narrativo: melodrama, crise e catarses de ficções seriadas televisivas” (Faperj, PDR10 2019).

Ficha do Trabalho

Título

    A construção de um “espaço íntimo” em narrativas audiovisuais

Seminário

    Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta comunicação analisa a criação do “espaço íntimo”: quando a trama de romance, através da intimidade do casal, cria um espaço outro na história, por meio de elementos cênicos e dramáticos. Enfatizarei, sobretudo, a construção de espaço, em termos de roteiro, a partir do desenho de cena. Como a cena, enquanto unidade espaço-temporal da trama, cria um espaço protegido para o casal principal através de ações, endereçamento de olhares, movimentação de corpos e viradas narrativas.

Resumo expandido

    No filme Guerra Fria, o casal Victor e Zula se reencontra depois de anos em que Victor passou no exílio sem poder voltar à Polônia. Zula aparece de surpresa enquanto Victor grava com uma orquestra e os dois caminham juntos até o apartamento dele. O reencontro é retratado numa sequência de cenas curtas com o mesmo beat, ou uma mesma cena dramática: caminhada na rua, sexo no apartamento, passeio de barco no Rio Sena, os dois dançam juntos num night club. Corresponde a um momento de felicidade, cobrindo matizes distintas como o êxtase e a tranquilidade. Mesmo em lugares públicos, o casal constrói uma atmosfera, um espaço só deles a partir do que olham, como agem, e da forma como aquele lugar parece existir apenas para eles. Uma espécie de alteridade espacial ressaltada também por elementos cênicos, compondo esse pedaço de mundo que os dois carregam sozinhos.
    Num artigo recente (Amaral, 2021b), apresentei brevemente o conceito de “espaço íntimo”, a ideia de uma trama de romance, através da intimidade do casal, ser capaz de criar um espaço outro na história. Em duas oportunidades anteriores, também já refleti sobre a criação de “um outro espaço” dentro da diegese: quando a performance musical cria um palco num filme não-musical (2021a), e o surgimento de um espaço protegido para o amor do casal principal florescer numa comédia romântica, o “espaço cômico” (2018). Nos exemplos citados, tendemos para a análise de elementos performáticos, no primeiro caso, e narrativos no segundo. Mas para a formulação do “espaço íntimo” gostaria de reunir elementos dramáticos e cênicos que dotam determinados momentos de “uma outra natureza” que por vezes podem ser traduzidos em termos de excesso ou afeto, mas que aqui estará alinhada à criação espacial audiovisual. Nesta comunicação, enfatizo, sobretudo, a construção de espaço, em termos de roteiro, a partir da construção da cena. De que forma a cena, enquanto unidade espaço-temporal, alinhada à ideia de intimidade, cria um espaço protegido para o casal principal aproveitar e como estes momentos se relacionam com outras cenas na história.
    Se o “espaço cômico”, conforme pensado por Deleyto (2009), é um espaço construído narrativamente a partir das ações das personagens que acabam por mudar todo ambiente ao redor, o espaço íntimo também pode ser formado da mesma maneira. Mas enquanto o “espaço cômico” é muito voltado para a comédia, que traria um otimismo intrínseco, no espaço íntimo a criação deste lugar “mágico” está mais associado à intimidade e à utopia romântica (Ilouz, 1997), ou seja, à ideia de que o amor é uma utopia coletiva que usa símbolos e metáforas de forte apelo na nossa sociedade, criando fantasias ou falsas expectativas de romance. Para a autora (idem, p.77), o significado de romântico foi se aproximando de uma ideia de atmosfera e um cenário propícios a certos sentimentos, além de uma mise-en-scène correta, capaz de criar “ilhas de intimidade” na esfera pública (p.56). As cenas que desenvolvem o “espaço íntimo” também criam ilhas de intimidade na história. E como bem observou Deleyto (2003) sobre comédias românticas dos anos 2000, a intimidade pode ser fruto de amizade, e o espaço mágico se formar da mesma maneira. É o caso de Frances Ha (Noah Baumbach, 2012).
    Uma outra diferença é que o espaço cômico está ligado à transformação dos personagens, enquanto o espaço íntimo tende a ser construído no “agora”, frágil, dando pouca importância à causalidade de ações, ou ao final da história. Há uma sensação de urgência; como na performance musical, há espontaneidade. Lembrando o que disse Ilouz, trata-se de uma atmosfera, um cenário e uma mise-en-scène que podem ser traduzidos em ações, endereçamento de olhares, movimentação de corpos e também viradas narrativas.

Bibliografia

    Amaral, C. 2021. A Canção e os engajamentos extramusicais. MusiMid 2, n° 1, 144-159.

    ________. 2018. O espaço-tempo da comédia romântica. Tese (Doutorado em Comunicação). Orientador: Maurício de Bragança e Coorientador: Celestino Deleyto. UFF, Niterói.

    Deleyto, C. 2009. The secret life of romantic comedy. Manchester and New York: Manchester University Press.

    _________. 2003. Between Friends: Love and Friendship in Contemporary Hollywood Romantic Comedy, Screen 44: no. 2, 167–82.

    GUERRA fria. Direção: Pawel Pawlikowski.Produção: Ewa Puszczynska Tanya Seghatchian. Polônia, França, Reino Unido: Apocalypso Pictures, etc, 2018. Online (89min), widescreen, pb.

    Ilouz, E. 1997. Consuming the romantic utopia. Berkeley and Los Angeles: University of California Press.