Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Afrânio Mendes Catani (USP/UERJ)

Minicurrículo

    Afrânio M. Catani: mestre, doutor e livre-docente em sociologia (USP), sócio fundador e ex-presidente da SOCINE, é professor titular na FEUSP e na UERJ (Campus: Duque de Caxias). Pesquisador do CNPq. Autor de A chanchada no cinema brasileiro (c/ J. I. M. Souza); A sombra da outra: a Cinematográfica Maristela e o cinema industrial paulista nos anos 50; História do cinema brasileiro: 4 ensaios; A revista de cultura Anhembi (1950-62): um projeto elitista para elevar o nível cultural do Brasil.

Ficha do Trabalho

Título

    Mapeando Grande Otelo por 70 anos: na tela, no palco, no disco

Formato

    Presencial

Resumo

    Sebastião Bernardes de Souza Prata, Grande Otelo (1917-1993), trabalhou nas telas grandes e pequenas, palcos, estúdios de gravações musicais e rádios em 70 anos de carreira, caracterizada por altos e baixos, enfrentando manifestações de racismo,
    alcoolismo, afetividade conturbada e constantes dificuldades financeiras. Seu inegável talento lhe permitiu fazer 120 filmes em várias fases do cinema nacional, 150 peças, shows e revistas, 50 registros em vinil, além de dezenas de composições musicais.

Resumo expandido

    Ao longo de sua trajetória Sebastião Bernardes de Souza Prata (1917-1993), Grande Otelo, mudou de nome ao menos sete vezes de 1917 a 1937 (Hirano, p. 114). Nascido em Uberabinha, hoje Uberlândia (MG), nunca soube a data exata de seu nascimento, fixando-a arbitrariamente em 18 de outubro. Quanto ao ano, cravou 1915, para atingir a maioridade e poder trabalhar em casas noturnas. Foi adotado mais de uma vez, fugiu e debutou no mundo artístico aos 7 anos, em espetáculo de circo.
    Em seguida ingressou em companhias teatrais, excursionou, fugiu novamente, tornou-se morador de rua, foi adotado por família abastada, estudou no Liceu Coração de Jesus (São Paulo), como bolsista e aluno interno. Voltou a fazer teatro, abandonou a troupe e ingressou na companhia de Jardel Jércolis como avisador: “aquele cara que compra café e sanduíches para os artistas” (Cabral, p. 57). Ganhava 300 mil-réis por mês, casa e comida e “uns trocados a mais”. Estreou com Jércolis em 31/05/1935, com 17 anos, no espetáculo Gol, tendo participação.
    Dotado de grande talento e versatilidade, Otelo trabalhou intensamente, em tudo o que estivesse a seu alcance para sobreviver: atuou em uma centena e meia de peças e revistas teatrais, comédias e alguns dramas; apresentou-se diariamente em shows em cassinos, boates e em outras casas noturnas; forneceu suas obras musicais, e a de seus parceiros, para quase 50 registros em vinil, além de também gravar composições suas e de outros intérpretes; no rádio, assinou contratos com várias emissoras do Rio de Janeiro; participou de 120 produções cinematográficas, inicialmente aparecendo em pontas e em números musicais; durante anos manteve vínculo com a Rede Globo, onde trabalhou em 5 novelas, 2 programas humorísticos e em outras atrações; fez anúncios publicitários…
    Devido a seu trabalho ininterrupto em vários domínios artísticos, Otelo ganhou muito dinheiro, embora quase sempre tenha sido pior remunerado do que seus colegas que não eram negros. Nos livros de Sérgio Cabral e de Luiz Felipe Hirano há várias referências aos valores dos cachês e dos contratos recebidos pelo ator. Tais escritos assinalam, ainda, um conjunto de problemas que atuaram de forma efetiva para que a vida pessoal de Otelo formasse um círculo vicioso altamente destrutivo para a sua carreira.
    Foi obrigado a aceitar os papéis disponíveis, com cenas ou personagens estereotipadas, em filmes e peças em que era o único ator negro. Boêmio, namorador, pai de 5 filhos, ao perceber que sua carreira se resumia a representar os mesmos tipos e situações, recebendo menos que os colegas brancos, tornou-se alcoólatra, faltou a ensaios e gravações, foi alvo de punições e teve contratos rescindidos. Internou-se várias vezes para se recuperar do alcoolismo e sofreu infartos.
    O trabalho acerca da carreira de Otelo integra a pesquisa que desenvolvo há mais de uma década sobre atores e comediantes brasileiros e portugueses atuantes nos anos de 1930, 40, 50 e 60 – todos, sem exceção, participaram das chanchadas brasileiras, das comédias portuguesas e do teatro de revista nos dois países. Tenho apresentado os resultados parciais das investigações nos encontros anuais da SOCINE e da AIM.
    No que se refere à participação de Grande Otelo no cinema, procurarei mostrar que ele, tendo iniciado sua carreira nas comédias musicais e nas chanchadas (consagrando-se nos filmes da Atlântida), passou por dramas sociais, representando o malandro, o sambista explorado, foi Macunaíma, transitou pelas bordas do Cinema Novo, apareceu em meia dúzia de produções internacionais, atuou no Cinema Marginal, em comédias eróticas que se aproximaram das pornochanchadas, em filmes históricos e em documentários. Ou seja, ele esteve presente em quase todas as fases, movimentos e gêneros do cinema brasileiro. Entretanto, não é supérfluo acrescentar, jamais pode se manter materialmente apenas com o seu trabalho que aparecia nas telas grandes obrigando-o, até o fim da vida, a continuar fazendo um pouco de tudo

Bibliografia

    AUGUSTO, S. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
    BARRO, M. José Carlos Burle: drama na chanchada. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007.
    BRITO, D. S. Um ator de fronteira: uma análise de trajetória do ator Grande Otelo no teatro de revista brasileiro entre as décadas de 20 e 40, dissertação (mestrado). São Paulo, ECA/USP, 2011.
    CABRAL, S. Grande Otelo: uma biografia. São Paulo: Ed. 34, 2007.
    CATANI, A, M.; SOUZA, J. I. M. A chanchada no cinema brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1983.
    DOURADO, A. K. M. Fazer rir, fazer chorar: a arte de Grande Otelo, dissertação (mestrado, História). São Paulo: FFLCH/USP, 2005.
    HIRANO, L. F. K. Grande Otelo: um intérprete do cinema e do racismo no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2019.
    MOURA, R. Grande Otelo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996.
    VIEIRA, J. L. A chanchada e o cinema carioca. In: RAMOS, F. P.; SCHVARZMAN, S. (Orgs.)
    Nova história do cinema brasileiro. São Paulo: Ed. SESC/SP, 2018