Ficha do Proponente
Proponente
- Ana Carolina de Castro Galizia (UFRJ)
Minicurrículo
- Mestranda em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possui graduação em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense. Dirigiu os filmes “Inconfissões” (2018) e “Quem de direito” (2022). Colabora como diretora de fotografia em projetos audiovisuais.
Ficha do Trabalho
Título
- A montagem dos arquivos em Apiyemiyekî?
Seminário
- Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências
Formato
- Presencial
Resumo
- Essa proposta de comunicação pretende investigar as estratégias de montagem de um arquivo de desenhos feitos por indígenas da etnia Waimiri-Atroari no filme Apiyemiyekî? (Ana Vaz, 2019). O filme, cuja matriz poética busca redimensionar a história de expropriação de um território e extermínio de seu povo, utiliza imagens pré-existentes, imagens recentes e um desenho de som sensorial, dispondo os arquivos em um fluxo de camadas espaço-temporais.
Resumo expandido
- Essa proposta de comunicação pretende investigar as estratégias de montagem de um arquivo de desenhos feitos por indígenas da etnia Waimiri-Atroari no filme Apiyemiyekî? (Ana Vaz, 2019).
O extermínio de aproximadamente 2 mil indígenas dessa etnia, durante a construção da BR-174, rodovia que corta o território originário desse povo na ligação entre Manaus – AM e Boa Vista – RR, foi um dos mais violentos massacres cometidos pelo Estado brasileiro no contexto da ditadura empresarial-militar. A interrogação que dá nome ao filme, “porquê?”, na língua nativa Waimiri-Atroari, remete à pergunta que era constantemente dirigida a Egydio e Doroti Schwade, integrantes do Conselho Indigenista Missionário, pelos sobreviventes desse massacre: “porquê kamña (civilizado) matou kiña (Waimiri-Atroari)?”. Ao longo do processo de alfabetização desse grupo, desenhos e relatos de assassinatos, desaparecimentos, mortes e bombardeamento químico sobre as aldeias, chegavam ao casal indigenista, que passou a guardar e registrar tudo aquilo que os indígenas lhes relatavam.
É a partir do encontro com Egydio e seu acervo pessoal que Ana Vaz inicia o processo de realização de Apiyemiyekî?. O filme, cuja matriz poética busca redimensionar a história de expropriação de um território e extermínio de seu povo, utiliza imagens pré-existentes, imagens recentes e um desenho de som sensorial, dispondo os arquivos em um fluxo de camadas espaço-temporais. Os desenhos feitos pelos indígenas testemunham o encontro violento com o “homem civilizado” e a maneira como Ana Vaz incorpora esses arquivos às imagens que produz, realça os traços de sua evidência gráfica e da presença dos corpos que os produziram. Sua abordagem, no entanto, não enfatiza a revelação deste arquivo como uma descoberta, mas sim como um apelo.
Três aspectos do filme serão analisados para pensarmos como a montagem os articula: o reemprego dos desenhos feitos pelos Waimiri-Atroari, as imagens em movimento feitas por Ana Vaz e a camada sonora com depoimentos de Egydio e trilha musical composta por Guilherme Vaz. Ao mesmo tempo em que localiza os arquivos em seu contexto histórico de produção, o gesto de montagem os posiciona enquanto agentes de uma narrativa própria, descobrindo, neles, múltiplas camadas de sentido e deixando espaço para que o/a espectador/a possa estabelecer uma relação direta com o material de arquivo.
Os primeiros desenhos aparecem no filme de maneira sobreposta à imagens de monumentos da cidade de Brasília, a partir de planos filmados pela realizadora. O movimento que os posiciona sobre às imagens contrasta com a fixidez da folha de papel, como se os desenhos sobressaíssem das páginas. Sobre planos do rio Urubuí, vemos as figuras dos desenhos navegarem suas águas, de maneira que possam intervir na paisagem do presente. Essa mesma paisagem é colocada em justaposição às imagens da BR-174, contrastando o rio diretamente com a rodovia. Na faixa sonora, os ruídos da estrada se impõem como algo incômodo, enquanto cantos de povos indígenas vão se sobrepondo ao som ambiente. A técnica de sobreposição de imagens e sons é explorada de diversas maneiras ao longo do filme, evocando densas relações de sentido que vão, aos poucos, suscitando interrogações a respeito das tensas relações entre os indígenas e os brancos.
As violências cometidas contra os povos indígenas não geravam, necessariamente, documentos oficiais, pois, diferentemente das áreas urbanas onde as formas de contestação do regime eram mais evidentes, os povos do campo e das florestas não chegavam a serem presos, eram mesmo mortos em seus próprios territórios. O acervo sob a guarda de Egydio é, portanto, fundamental para a construção dessa memória. Ao reposicionar o material do passado junto a elementos do presente, sobrepondo-os à um espaço e tempo comum pela montagem, o trabalho com os arquivos em Apiyemiyekî?, possibilita a apreensão e problematização de uma história que continua a se repetir.
Bibliografia
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VAZ, Ana. “The camera is the body” “Kamña’s Fire, Kiña’s Calling ”. Non-fiction Journal. Acessado em: https://opencitylondon.com/non-fiction/issue-3-space/the-camera-is-the-body e https://opencitylondon.com/non-fiction/issue-3-space/kamnas-fire-kinas-calling , Open City Documentary Festival, 2022.
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