Ficha do Proponente
Proponente
- Rafael de Campos (UFRGS)
Minicurrículo
- Rafael de Campos é graduado em audiovisual pela UNISINOS e mestrando em comunicação pela UFRGS. Tem interesse no estudo de montagem audiovisual, cinema chinês, filme-ensaio e arqueologia das mídias. Já contribuiu com a revista Teorema – Crítica de Cinema e com o site Taste of Cinema. Dirigiu o curta-metragen “Dinossaurite” e co-dirigiu o curta-metragem “Três Cores e Outras Mais”, ambos disponíveis na plataforma de streaming Sulflix.
Ficha do Trabalho
Título
- O Uso de Material de Arquivo em Luz Obscura e Spell Reel
Seminário
- Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências
Formato
- Presencial
Resumo
- Este estudo propõe uma análise sobre do uso de materiais de arquivos nos filmes Luz Obscura, de Susana de Souza Dias, e Spell Reel, de Filipa César, a fim de compreender os modos pelos quais cada filme trabalha com a questão da memória social de eventos traumáticos por meio da montagem. O conceito de working through, de Traverso (2010), e o pensamento de Didi-Huberman (2012) auxiliarão na análise desses filmes como propostas de reflexão do uso de imagens de arquivo de episódios históricos.
Resumo expandido
- Este estudo propõe uma análise a respeito dos modos de articulação de materiais de arquivos públicos nos documentários Luz Obscura (2017), de Susana de Souza Dias, e Spell Reel (2017), de Filipa César. A intenção é compreender as principais diferenças no modo em como cada filme aborda a memória social de eventos traumáticos por meio de suas montagens, entendendo-as como duas propostas distintas de como refletir sobre imagens de arquivo públicas.
A utilização de materiais de arquivo não é uma técnica nova, ainda que possa representar uma tendência crescente nas últimas décadas. Guardiola (2016, pg. 4) destaca que as práticas de apropriação cinematográficas remontam aos primórdios do cinema e perpassam toda sua história, podendo servir como uma ferramenta essencial na análise de muitos fenômenos socioculturais. Porém, no momento em que tais materiais fazem parte dos arquivos oficiais de algum país, a possibilidade de constituírem um meio para auxiliar na compreensão da sociedade que os produziu pode ser ainda maior.
Em relação a isso, destacam-se os trabalhos de Filipa César e Susana de Sousa Dias, cineastas que, ao acessarem os arquivos de dois países – Portugal do Estado Novo e Guiné-Bissau dos anos de independência – realizaram documentários nos quais as imagens incorporadas representam não só um aspecto estético importante, mas, devido a maneira como são articuladas na montagem, apresentam interessantes possibilidades de articulação crítica de imagens de arquivo.
Temas importantes como os tratados por estes filmes engendram muitas questões éticas. Como destaca Nichols (2016, pg. 61), uma vez que podem ser facilmente confundidos com a realidade, documentários necessitam de uma preocupação maior na maneira de abordar a realidade retratada, devido às limitações da imagem. Portanto, parece pertinente trazer dois conceitos desenvolvidos por Traverso (2010, pg. 3-4) para a análise documental: acting out e working through, que parecem adequar-se bem a uma análise sobre como Luz Obscura e Spell Reel tratam a questão da memória:
“Nos estudos da cultura do trauma, um tipo semelhante de oposição tem sido discutido em relação aos textos culturais que buscam representar o trauma histórico. (…) alguns textos (escritos, arte, filmes, performances) tenderiam para a produção de reencenações do trauma – por meio de representações de violência, terror, dor, confusão e fragmentação – enquanto outros tenderiam para o pensamento e mecanismos de distanciamento – por meio do engajamento reflexivo com memórias, fantasias, silêncios e desejos. Muitas vezes isso é referido como a oposição entre acting out e working through”. (TRAVERSO, 2010, pg. 3, tradução minha)
Entendido como um método de investigação sobre processos históricos complexos, o conceito de working out surge como uma ferramenta de análise do caráter da abordagem documental, que ganha novas complexidades quando incluem sons e imagens. Autores como Claude Lanzmann (2001, p. 274) posicionam-se contra utilização de arquivos, considerando-os uma espécie de fetichização gratuita. Já autores como Didi-Huberman pensam que o uso responsável das imagens de arquivo podem contribuir para uma abordagem à altura de um episódio traumático, e destaca a montagem como ferramenta de articulação crítica: “[o arquivo] deve ser sempre elaborado mediante recortes incessantes, mediante uma montagem cruzada com outros arquivos.” (DIDI-HUBERMAN, 2012, pg. 131)
Assim, por meio de um olhar sobre as escolhas técnicas e estéticas das realizadoras na montagem dos materiais de arquivo aos quais tiveram acesso, buscar-se-á uma reflexão a respeito de seus desdobramentos no sentido de uma contribuição para a construção do imaginário e memória social do período ditatorial português e das lutas de libertação em Guiné-Bissau.
Bibliografia
- BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru: Ed. EDUSC, 2004
DIDI-HUBERMAN, Georges. Cuando Las Imágenes Toman Posición: El Ojo de La Historia 1. Madrid: Antonio Machado, 2008.
_______________________Imagens Apesar de Tudo. Lisboa: KKYM, 2012.
FAROCKI, Harun. Desconfiar De Las Imágenes. Buenos Aires: Caja Negra, 2013.
GUARDIOLA, Ingrid. El Found Footage Audiovisual como Interfaz Dialéctica y Alegórica. Em Politics Interface, 2016.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: ed. UNICAMP, 2008.
NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus, 2016.
PIMENTEL, Irene. A História da PIDE. Lisboa: Círculo de Leitores, 2007.
RANCIÉRE, Jacques. O Espectador Emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
TOMÁS, António. Amilcar Cabral: The Life of a Reluctant Nationalist. Londres: C. Hurst & Co, 2021.
TRAVERSO, Antonio. Dictatorship memories: Working through trauma in Chilean postdictatorship documentary. Em Continuum: Journal of Media & Cultural Studies, 2010.