Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Patricia Cunegundes Guimaraes (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Patrícia Cunegundes Guimarães é doutoranda em Comunicação na PUC-Rio, mestra em Comunicação pela UnB e Bacharel em Comunicação – Habilitação Jornalismo pela UFRJ

Ficha do Trabalho

Título

    Memórias tensionadas: quando arquivos sensíveis se tornam tóxicos

Seminário

    Audiovisual e América Latina: estudos estético-historiográficos comparados

Formato

    Presencial

Resumo

    O artigo analisa sequência do filme Ejercícios de Memoria (Paraguai, 2016), de Paz Encina, em que estão em comunicação arquivos das vidas privada e pública de um dos maiores opositores da ditadura do general Alfredo Stroessner, o médico Agustín Goiburu, com o objetivo de compreender como esses arquivos se tornariam tóxicos, a partir do conceito de Thomas Elsaesser, ao entrarem em contato uns com os outros, ou se a toxidade lhes seria imanente.

Resumo expandido

    O Paraguai é um país com pouca tradição cinematográfica e até o fim da década de 80 do século passado, quando acabou o período ditatorial de 35 anos, os escassos documentários que existiam tinham sido produzidos pelo governo de Alfredo Stroessner. Aos poucos, cineastas daquele país começam a construir uma memória que não existia no cinema de eventos traumáticos que marcaram aquele país. Este processo ganhou força quando arquivos da polícia de Stroessner foram encontrados em uma delegacia nos arredores de Assunção, em 1992.
    Parte desses arquivos foram utilizados pela cineasta Paz Encina em videoinstalações e no documentário Ejercícios de Memoria (Paraguai, 2016), no qual as lembranças de infância dos filhos do médico Agustín Goiburu, um dos opositores da ditadura paraguaia mais perseguido por Stroessner, assassinado em 1977 e cujo corpo jamais foi encontrado, são o ponto de partida para falar deste período. O artigo pretende analisar uma sequência de cerca de sete minutos do filme (50:46 a 57:30) em que a cineasta tensiona as memórias íntimas das fotografias da família Goiburu com documentos dos arquivos do terror: fichas de identificação e fotografias de vigilância, colocando as instâncias da vida privada e pública em comunicação. Como a montagem transforma tais imagens em arquivos tóxicos, na perspectiva de Thomas Elsaesser? A toxidade dos arquivos do terror é imanente ou é preciso que eles passem pelo escrutínio do presente para que se tornem tóxicos? As fotografias de família seriam, na montagem, eivadas desta toxidade?
    Thomas Elsaesser, no artigo “Ethics of appropriation: Found Footage between Archive and Internet”, apresenta brevemente o tema de imagens tóxicas e diz que material tóxico historicamente podem ser arquivos coloniais, imagens sobre o holocausto, imagens que tocam em traumas pessoais e imagens que podem desvelar segredos familiares. Por associação, incluímos neste rol as imagens das ditaduras civis-militares da América Latina. Elsaesser questiona como retomar esse material tóxico historicamente, como olhar para ele e fazer com que ele nos olhe de volta.
    Nenhum dos arquivos com os quais Paz Encina trabalhou em Ejercícios de Memoria foram produzidos para vir a público. As fotografias de família são imagens íntimas, cuja compreensão exige certo conhecimento daquelas pessoas e situações registradas, de circulação restrita; as fichas de identificação e fotografias de espionagem eram documentos policiais, “arquivos sensíveis”, para usar uma expressão da pesquisadora brasileira Ecléia Thiesen, que não foram criados para servirem de prova contra um regime ditatorial, embora, ao passarem à condição de arquivos históricos, tornam-se, “objetos de tensão nas lutas entre a memória e a história” (THIESEN, 2012, p.3).
    As fotografias de identificação, com as digitais, trazem para o presente a prova de um crime ainda sem solução e julgamento ao mesmo tempo em que podem também criminalizar as fotos de família, pois a noção de crime pode variar conforme o momento da História. O Paraguai, por exemplo, tem atualmente entre os ministros de Estado o neto de um dos ministros de Alfredo Stroessner, situação que pode criar um novo desafio para quem intervém em tais arquivos, pois se trata de fazer parte de um movimento de criação de uma memória audiovisual de um trauma político e social não resolvido em um país que ainda vive com os resquícios daquele período.
    Como considerar que essas imagens sejam tóxicas se não há violência explícita nelas, se não há imagens de corpos torturados, por exemplo? Como esse gesto de montagem pode fazer emergir a toxidade histórica desses arquivos? A intervenção da cineasta nos arquivos e o choque com as memórias íntimas contidas nas fotografias de família criam um novo tipo de arquivo, com carga tóxica potencializada, na medida em que evidencia a ausência de Agustín Goiburu, expõem as contradições do regime e denunciam os crimes cometidos durante os 35 anos de ditadura de Alfredo Stroessner.

Bibliografia

    BALTAR, Mariana. Por um cinema de atrações contemporâneo. In: XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho de 2016.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tomam posição. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017.

    ELSAESSER, Thomaz. The Ethics of Appropriation: Found Footage between Archive and Internet. Keynote Recycled Cinema Symposium DOKU.ARTS 2014.

    RUSSO. Eduardo A. Paz Encina: el gesto de recordar. Arkadin (N.° 6), pp. 26-41, agosto 2017. Universidad Nacional de La Plata. http://papelcosido.fba.unlp.edu.ar/arkadin. Acesso em 28 dez 2021.

    THIESEN. Icléia. Documentos “sensíveis, arquivos “sensíveis”: nem tesouros, nem miragens. XIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação – XIII ENANCIB 2012. GT-1 – Estudos Históricos e Epistemológicos da Ciência da Informação. Comunicação Oral.