Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Cezar Migliorin (UFF)

Minicurrículo

    Cezar Migliorin é professor de cinema na Universidade Federal Fluminense e psicanalista.
    Doutor em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ e Cinema pela Sorbonne Nouvelle, Pós-doutorado na Roehampton University – Inglaterra. Coordenador do projeto de cinema, educação e direitos humanos: Inventar com a Diferença. Escreveu Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá (2015), Cinema de Brincar (2019), com Isaac Pipano, e A menina (2014), entre outros. Foi presidente da Socine.

Ficha do Trabalho

Título

    Montagem e agenciamento, passagens entre cinema e esquizoanálise

Seminário

    Cinema e Educação

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir dos trabalhos com Cinema de Grupo e com a prática clínica, procuro pensar como o cinema inventou meios que se colocam disponíveis para que possamos operar nesses campos. Trago a esquizoanálise como um pensamento entre processos subjetivos, estéticos e políticos que nos ajuda a manejar as práticas de cuidado que se efetivam na educação e na clínica. Nessa comunicação me concentro nas aproximações e efetivações das noções operadoras: montagem e agenciamento.

Resumo expandido

    A cena que é narrada no sonho ou na arte não representa um objeto ausente, ela não é substituta de algo. Ela deve ser pensada, vista e desdobrada em sua intensidade criativa. Ela não deve ser interpretada, mas maquinada, ou seja, ela é uma montagem de elementos, coisas, afetos, poderes: um agenciamento. A cena de um sujeito ou de um grupo pode ser colocada em movimento. Não se trata de dizer o que ela significa, mas nos perguntarmos como os agenciamentos atuais operam aberturas para outras paisagens existenciais. Ou, ao inverso, nos perguntamos: que montagem é necessária para desviar de agenciamentos que interrompem qualquer potência conectiva e de transformação? Como em Antonioni ou Godard, rarefação ou excesso de signos são duas formas de desfazer os clichês, duas formas de colocar um corpo para sentir, perceber, ser afetado para além do que já é conhecido.
    Essa comunicação é um desdobramento dos trabalhos e pesquisas sobre as relações do cinema com a clínica e com a educação, ou, como temos correntemente utilizado, com as práticas de cuidado.
    Se nos últimos anos atuamos e pesquisamos sobre a prática cinematográfica de grupos – Cinema de Grupo – em espaço educativos e clínicos, colocando a criação como fundamental para processos artísticos e subjetivos, gostaria aqui de abrir uma outra faceta dessa relação entre cinema e práticas de cuidado.
    Para Deleuze e Guattari, a noção de agenciamento cumpre importante papel, esbarrando e se desdobrando em conceitos como máquina, cartografia e multiplicidade. Nesses conceitos, uma lógica de não-isolamento do que existe e nos afeta nos distancia de todo pensamento transcendente e estrutural. Uma lógica imanente de ligações e vizinhanças se impõe quando pensamos práticas atravessadas pelo o que os autores chamaram de esquizoanálise. Se até aqui não há nenhuma novidade, o que nos mobiliza agora é pensar os instrumentos que nos chegam com o cinema e que ajudam a atuar na lógica dos agenciamentos sem fundamentos, como nos instiga a esquizoanálise. É nesse ponto bastante pragmático que uma disponibilidade ao cinematográfico é convocada.
    Em outras palavras, entendemos que o cinema não cessou de criar formas de agenciar – e aqui a noção se confunde com a noção de montagem – sons, afetos, espaços, tempos, imagens. Imagens essas que, no cinema ou na clínica, podem ser pensadas como participantes de uma circularidade sem dentro ou fora da representação. Como em uma fita de Möbius, as imagens e cenas que nos chegam, ao mesmo tempo que se aproximam da representação, já dela se distanciam, se voltando para fora, explodindo em agenciamentos e convocando novas imagens. Não é assim que operam ensaístas como Agnés Varda, Jonas Mekas, Ignácio Agüero ou Johan Van der Keuken?
    Tais agenciamentos não se apresentam apenas como um saber do cinema, mas como um modo de circular entre as coisas do mundo. Uma circulação que adensa a prática esquizoanalítica intelectual e sensivelmente.
    Nossa hipótese é simples. O cinema está disponível para nos dar meios de estarmos, nós, disponíveis para transitarmos entre os agenciamentos necessários para práticas de cuidado.
    Esta comunicação está ainda inserida em uma pesquisa mais ampla em que os deslocamentos entre o cinema e a esquizoanálise passam por noções caras a ambos os campos: escuta, ritmo, espera, fora de quadro, enquadre, desvio, corte, acaso e fabulação. Trata-se assim de pensar não apenas a articulação entre técnicas e criações, mas também a própria formação de trabalhadores que transitam entre cinema, educação e clínica. Gostaria de pensar e ver o cinema como potência inventiva sobre os modos de agenciamento que se desprendem dos filmes e dos gestos criativos com imagens e sons e nos ensinam, sem que nenhum discurso seja necessário, a ver, ouvir e montar na escuta de um paciente, no consultório, na rua, em um Cinema de Grupo ou em uma oficina de criação ligada à educação.

Bibliografia

    ARAÚJO, Fabio. Um passeio esquizo pelo acompanhamento terapêutico: dos especialismos à política da amizade. Niterói: Fábio Araújo, 2006.
    DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.
    GUATTARI, Félix. O divã do pobre: cinema e psicanálise. In: Revista Contracampo. 05 jul. 2006, Disponível em: http://www.contracampo.com.br/15/odivadopobre.htm. Acesso em: 10 jul. 2021.
    GUATTARI, Félix. Qu’est-ce que l’écosophie? Paris : Nouvelles Éditions Lignes, 2013.
    GUATTARI, Félix. L’inconscient machinique. Essai de schizo-analyse, Paris : Recherches, 1979.
    PASSOS Eduardo; BENEVIDES DE BARROS, Regina. A Construção do Plano da Clínica e o Conceito de Transdisciplinaridade In: Psic.: Teor. e Pesq. Brasília, v. 16, n. 1, jan.-abr. 2000.
    POLACK, Jean-Claude; SIVADON, Danielle. A Íntima Utopia: Trabalho Analítico Processos Psicóticos. São Paulo: N-1 edições, 2013.