Ficha do Proponente
Proponente
- Juliana Garzillo Cavalcanti (USP)
Minicurrículo
- Doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais na ECA-USP sob orientação da Prof. Dra. Patricia Moran. Pesquisa videoarte e as novas possibilidades do vídeo nas plataformas sociais. É mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com bolsa Cnpq. Participa do Coletivo Quarta Pessoa do Singular.
Ficha do Trabalho
Título
- Pensar o intolerável: videoperformance do Portapack ao Facebook
Seminário
- Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas
Formato
- Presencial
Resumo
- Esta reflexão parte da videoperformance sem título (2017) de Vera Holtz, publicada no Facebook oficial da atriz. Pensa-se a proximidade dela com as obras da primeira geração de videoartistas brasileiros da década de 1970 e sua atitude de resistência à repressão, apesar da distância cronológica e tecno midiática entre elas. O corpo que performa para a câmera em tempo real caracteriza tais vídeos, que pensam o intolerável (PARENTE, 2009) de suas respectivas épocas.
Resumo expandido
- Refletiremos a respeito das similaridades entre sem título (2017), de Vera Holtz e aspectos da videoarte brasileira da década de 1970, aproximando-nos de Estômago Embrulhado – Jejum (1975), de Paulo Herkenhoff. Apesar da distância cronológica e tecno midiática existente entre Holtz e a primeira geração de videoartistas, similaridades entre ambos se revelam quando colocados lado a lado. A relação entre corpo e câmera emergida nas décadas passadas ainda aparece como construção de pensamento crítico.
Desde 2016, Holtz publica vídeos e fotografias com cunho artístico nas mídias sociais. A atriz é conhecida principalmente por seus trabalhos em novelas na TV Globo. O início de suas ações nas mídias sociais coincidiu com uma época conturbada, com aceleração da crise política no Brasil e no mundo. Em sua página de Facebook, a artista criou uma série de videoperformances e fotografias formalmente pensadas para a plataforma social, como obras site specific.
Publicada em setembro de 2017, a videoperformance sem título , tem 24 segundos de duração. No Facebook de Holtz, atingiu 2,1 milhões de visualizações. Enquadrada no centro de um plano médio, a atriz se apresenta sentada em um ambiente cinza, com os cotovelos apoiados sobre uma superfície branca. Como um Saturno que devora os filhos, a artista encara a câmera enquanto come faixas de tecido colorido, mastigando as cores da bandeira do orgulho LGBTQIA+. Com os cabelos soltos, olha para o espectador com os olhos arregalados de quem sente fome. No último instante da performance, com a boca cheia, Holtz balbucia “uhum!”, fazendo sinal de positivo com a cabeça, animada e incisiva.
A pauta discutida na grande mídia no momento em questão era a permissão legal para psicólogos tratarem pacientes visando uma suposta mudança de orientação sexual: “o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, concedeu uma liminar que, na prática, torna legalmente possível que psicólogos ofereçam pseudoterapias de reversão sexual, popularmente chamadas de cura gay” . Muitos políticos conservadores e religiosos, com cada vez mais participação no governo após o golpe de 2016, vem adotando uma agenda homofóbica e machista com apoio de parcela da população. Em resposta a tais acontecimentos, Holtz declara em seu vídeo que o orgulho gay teria que ser engolido, sim.
Assim como os pioneiros da videoarte da década de 1970, Holtz performa para a câmera, em um plano-sequência e em tempo real. O corpo age como elemento do pensar em tais vídeos, reflete sobre o inaceitável. Similarmente a sem título, em Estômago Embrulhado – Jejum (1975), Paulo Herkenhoff mastiga e engole notícias de jornal que relatam a censura no Brasil durante a ditadura. Durante 8 minutos, a narrativa do vídeo se divide em três partes: em Fartura o artista come uma notícia de jornal e retransmite ela às pessoas; em Jejum ele enche-se com notícias sobre censura; em Sobremesa ele come arte feita com jornal, no caso, uma obra de Antônio Manuel. O ato de engolir remete a falta de escolha, à aceitação forçada de algo, à imposição de censura sobre os discursos e corpos.
Com enfoque na performance da artista frente à câmera, os vídeos de Holtz e Herkenhoff comentam criticamente situações de repressão, sejam sobre a liberdade de expressão e sexual, a violência do Estado, e a política nacional problemática. Aqui, os corpos censurados pela sociedade atuam como instrumento central das ações, dedicando seus esforços à câmera e evidenciado sua capacidade de resistir. Refletem e criticam a conjuntura na qual estão inseridos, gerando sentidos na interação com materiais inanimados que se tornam também personagens em suas ações alegóricas.
Bibliografia
- BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: Understanding new media. MIT Press, 2000.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
MACHADO, Arlindo. Made in Brasil: Três décadas de vídeo brasileiro. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2007a.
MELLO, Christine. Extremidades do Vídeo. São Paulo: Senac, 2008.
MORAN, Patricia. Ao Vivo: entre técnicas, scripts e banco de dados. P. 110-127. Teccogs n.6, 307 p, jan-jun, 2012.
PARENTE, André. Tudo Gira. Catálogo do Dança em Foco (2009) do Oi Futuro. p. 18-27, 2009. Disponível em: http://dancaemfoco.com.br/wp-content/uploads/2020/12/livro_2009.pdf
SPIELMANN, Yvonne. Video: From technology to medium. Art Journal; Fall 2006; 65, 3; Academic Research Library pg. 55-10
ZANINI, Walter, JESUS, Eduardo de (org.). Walter Zanini: vanguardas, desmaterialização, tecnologias na arte. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2018.