Ficha do Proponente
Proponente
- Elizabeth Motta Jacob (UFRJ)
Minicurrículo
- Professora Associada do Curso de Comunicação visual/Design, EBA/UFRJ, do Programa de Pós-Graduação de Artes da Cena ECO/UFRJ. Implantou o Curso de Pós-Graduação de Direção de Arte, na UNESA, pioneiro no Brasil. Foi professora na Escuela Internacional de Cine e TV, Cuba, trabalhou para The survivors of the Shoah Archives de Stevem Spielberg e atua como cenógrafa e diretora de arte. Trabalha com questões relativas à visualidade háptica, espacialidade e direção de arte na cena contemporanea.
Ficha do Trabalho
Título
- Nos dilemas da visão: o papel da direção de arte na construção da visu
Seminário
- Estética e teoria da direção de arte audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Este estudo tem como objeto o filme Esplendor (2017) da realizadora japonesa Naomi Kawase. Analisaremos como, através de uma câmera que assume o lugar do olhar do espectador e trabalha a partir de uma proximidade participativa com o que vem a ser filmado e do hábil agenciamento dos meios expressivos próprios ao campo da direção de arte, se dá a construção de uma visualidade que desliza do ótico para o háptico capaz de atingir sensorial e sinestésicamente os espectadores.
Resumo expandido
- Um cinema que fala do humano em tempos tão desumanos é o que interessa a Naomi Kawase. Esta cineasta tematiza em suas obras a perda daquilo que é essencial, o papel desestruturante deste acontecimento e as transformações subjetivas à partir daí engendradas. Neste artigo nos interessa analisar o agenciamento dado pelos elementos expressivos da direção de arte na construção de uma imagem háptica no filme Esplendor de 2017.
Neste filme acompanhamos o trabalho de uma transcritora de filmes para cegos que apresenta o andamento do mesmo para um grupo do qual faz parte Nakamori. Ele, um fotografo renomado, enfrenta a perda do que lhe permite se inserir e se relacionar com o mundo: a visão.
O filme avança utilizando frequentemente um discurso metalinguístico dimensões profundas do ver e do dar a ver. Para este fim Kawase aciona a câmera subjetiva que revela a visão do personagem, aproxima a câmera da superfície das coisas até que elas percam totalmente a nitidez buscando com isso a tangibilidade das coisas e transportando o espectador para o mundo da sensação.
Esta proximidade do olhar faz aflorar o sentido do tato, constrói a superposição de estímulos visuais e hápticos apontando para novas dimensões do ver (GONÇALVES, 2012). Através da câmera subjetiva e dos ajustes de enquadramento que simulam o esforço do personagem para focar, o espectador entra em contato com a perda da visão vivenciada por Nakomori, Instaura-se uma nova forma de visualidade onde as texturas se tornam dominantes e a visualidade se torna háptica (MARKS, 2002).
Mas para que este processo se dê de forma efetiva e vigorosa percebemos o rigoroso trabalho da direção de arte. A narrativa se dá num jogo de luz e escuridão e o agenciamento dos objetos e da palheta cromática propostos pela direção de arte são centrais para produção dos efeitos desejados. Nas cenas externas há três tipos de situação: Nas cenas diurnas a cidade é movimentada e tonalidades de cinza azulado dominam. Muitas são as tomadas de céus e nuvens descritas por Masako e que fazem uma ponte para as imagens que revelam o campo. O terceiro tipo de cenas externas são as noturnas ou as noites metafóricas da visão de Nakamori, nestas detalhes e texturas dominam. A câmera fica tão próxima do objeto que nem conseguimos identifica-lo, percebemos suas texturas e nos aproximamos mais de sua materialidade do que de uma forma, não percebemos sua integralidade, mas somos absorvidos pelo desejo de toca-lo.
Os figurinos são simples e a palheta de cor é reduzida. Masako usa cores claras enquanto Nakamori vai reduzindo seu figurino ao preto metaforizando a noite que está a lhe rondar. Tal procedimento além de estabelecer um diálogo cromático entre os dois metaforiza o negro que que dominará seu campo visual.
Nas cenas internas as paredes são brancas e muitos são os detalhes em preto. Poucos elementos adornam os ambientes de trabalho de Misako centrando nossa atenção nos rostos ou nas cenas audiotranscritas. A casa do fotografo é branca repleta de fotografias em preto e branco. As imagens produzidas pelo fotografo são extratos da realidade que ganham materialidade. Os enquadramentos propostos por Kawase reforçam a fragilidade da visão do personagem e apontam, de um lado para os perigos gerados pela cegueira, e por outro para o agenciamento de um olhar táctil compatível com a nova realidade do personagem. Para reforçar esta ideia vemos um prisma que reflete a luz na parede, mas que, na medida que o processo de aceitação subjetiva da cegueira vai se dando, passa a refleti-la no rosto e nos olhos de Nakamori metaforizando a luz que existe além da visão.
Uma câmera analógica ocupa lugar central na casa e aponta para a essência do ato fotográfico. Ela é ainda um eixo de articulação entre diversas temporalidades que o filme enseja e a metalinguagem que oferece ao público. Kawase vem, mais uma vez, nos alertar que a memória se apresenta consolidada em materialidades sensíveis em cada objeto e em cada gesto que funda a essê
Bibliografia
- BARKER, J.. The Tactile Eye. Touch and the cinematic experience.Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2009.
BRUNO, Giuliana. Surface. Matters of aesthetics, materiality, and media, Chicago/Londres: University of Chicago Press, 2014.
DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1997.
DIDI-HUBERMAN. O que vemos, o que nos olha.São Paulo: Editora 34 LTDA, 2014.
GONÇALVES, Osmar. Reconfigurações do olhar: o háptico na cultura visual contemporânea. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/VISUAL/article/viewFile/ 26551/15145.
LÓPEZ, José Manuel (Org.). Naomi Kawase: El cine nel umbral. Madrid: T&B Editores, 2008.
MARKS, Laura. The Skin of Film. Londres/Durham: Duke University Press, 2000.
_______________. Touch. Sensuous theory and multisensory media. University of Minnesota Press, 2002.