Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiz Ancona (FFLCH-USP)

Minicurrículo

    Graduado em História e mestre em História Social pela USP com dissertação sobre a recepção brasileira do cinema de Godard nos anos 1960. Atualmente, doutorando no mesmo programa e instituição e bolsista FAPESP, com pesquisa sobre o filme O homem do pau-brasil (Joaquim Pedro de Andrade, 1981) e orientação de Marcos Napolitano. Integra o grupo de pesquisa CNPq História e audiovisual: circularidades e formas de comunicação, coordenado por Eduardo Morettin (ECA-USP) e Marcos Napolitano (FFLCH-USP).

Ficha do Trabalho

Título

    Oswald de Andrade no cinema brasileiro da Abertura: história e memória

Seminário

    Cinema Comparado

Formato

    Presencial

Resumo

    O trabalho analisará três filmes brasileiros do início dos anos 1980: O homem do pau-brasil (Joaquim Pedro de Andrade, 81), Tabu (Júlio Bressane, 82) e O rei da vela (José Celso Corrêa e Noilton Nunes, 82). Além da proximidade temporal, os filmes adaptam, cada qual a sua maneira, vida e obra do escritor brasileiro Oswald de Andrade. A comunicação identificará e contrastará as representações e memórias construídas por cada filme acerca do legado oswaldiano e da história do modernismo brasileiro.

Resumo expandido

    Em 2022 o debate cultural brasileiro tem sido fortemente marcado pelo centenário da Semana de Arte Moderna. Eventos, cursos, mostras, exposições e publicações têm proposto releituras sobre o modernismo brasileiro. As avaliações variam em grau de adesão ou recusa a uma narrativa supostamente hegemônica que concederia demasiada importância à mitológica Semana e a artistas paulistas. Tais debates não são novidade. Ao menos desde 42, a cada década as efemérides reatualizam as discussões. Esta comunicação abordará um momento chave dessa constelação de debates: o início da década de 80, mais precisamente o ano de 82, quando o Brasil vivia o final da ditadura e a Semana fazia 60 anos. O contexto será interrogado a partir da análise comparativa de três filmes concluídos entre 81-82: O homem do pau-brasil (Joaquim Pedro de Andrade, 81), Tabu (Júlio Bressane, 82) e O rei da vela (José Celso Martinez Corrêa e Noilton Nunes, 82). Além da proximidade temporal, os filmes adaptam, cada qual a sua maneira, vida e obra do escritor Oswald de Andrade.
    Cada filme empreendeu uma releitura distinta do legado oswaldiano, em particular, e do modernismo em geral. Com isso, revisitaram eventos, personagens e obras da primeira metade do Século XX e se posicionaram num conjunto de debates que se desenrolavam desde a década de 60 e eram redimensionados no Brasil da Abertura. O momento era de balanços e revisões, produção e embate de memórias sobre a ditadura, inclusive sobre as lutas culturais travadas em seu interior. E isso passava pela rediscussão do legado modernista, especialmente de Oswald, dado o destaque que sua obra assumiu a partir de meados de 60.
    Um marco nessa guinada foi a encenação de O rei da vela pelo Oficina em 67. O filme concluído em 82 parte de filmagens realizadas em 71 durante os ensaios para uma montagem carioca. Peça e filme foram interrompidos pela ditadura e o diretor Zé Celso exilou-se com os negativos. De volta ao Brasil em 78, o material foi editado, somado a novos registros, imagens de família de Zé Celso e diversas referências iconográficas e musicais numa colagem frenética e nada linear. Assim como na montagem de 67, o filme empregou a dramaturgia oswaldiana para uma leitura trágica e fatalista, embora festiva, do Brasil e um ataque à esquerda nacionalista e comunista. O filme construiu ainda uma memória celebratória de Oswald e do Oficina, cujo retorno era anunciado como prolongação do legado oswaldiano no novo período que se esboçava no horizonte.
    Em Tabu Oswald é personagem ao lado do compositor de marchinhas de carnaval Lamartine Babo. A escolha de atores é sugestiva: Oswald é interpretado por Colé, nome clássico das chanchadas, e Babo por Caetano Veloso, astro tropicalista comumente associado à antropofagia oswaldiana. Nesse jogo de aproximações entre atores e personagens, permeado por diversas referências numa colagem altamente experimental, o filme propõe uma espécie de memória alternativa do legado oswaldiano, que é deslocado de narrativas excessivamente paulistas e vinculado a elementos da cultura popular e de massas carioca. Assim, compõe-se uma história-mosaico da cultura brasileira, da qual o filme se apresenta como herdeiro e veículo.
    O homem do pau-brasil também tem Oswald como personagem, interpretado por dois atores, um homem (Flávio Galvão) e uma mulher (Ítala Nandi). Em clima pornochanchadesco, o filme traz uma biografia bastante peculiar, que recusa qualquer noção de fidelidade histórica e mescla radicalmente vida e obra do escritor. O longa não só incorpora como endossa a palavra oswaldiana e diferentes releituras de seu legado. Mas o faz a fim de expor os limites e contradições da atuação do escritor – e também de seus desdobramentos ao longo do tempo, aí incluído o próprio cinema moderno, do qual Joaquim Pedro foi um importante protagonista. Em tom também autocrítico, a memória construída é a uma só vez monumentalizante e crítica, consciente das tensões e limitações da tradição modernista.

Bibliografia

    AGUILAR, Gonzalo. Os herdeiros da antropofagia. In: ANDRADE, Gênese (org.). Modernismos 1922-2022. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. p. 723-753.
    ANCONA, Luiz. O homem do pau-brasil (1981) de Joaquim Pedro de Andrade: releitura oswaldiana no Brasil da Abertura. Anais eletrônicos do XXV Encontro Estadual de História ANPUH-SP, 2020. Disponível em: https://www.encontro2020.sp.anpuh.org/anais/trabalhos/trabalhosaprovados
    COELHO, Fred. A semana de cem anos. Ars, São Paulo, v. 19, n. 41, p. 26-52, 2021. DOI https://doi.org/10.11606/issn.2178-0447.ars.2021.184567
    CORRÊA, José Celso Martinez. “O rei da vela”: manifesto do Oficina. In: O rei da vela. Programa da peça. São Paulo, 1967. p. 7-13.
    NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: a vida cultural brasileira sob o regime militar (1964-1985). São Paulo: Intermeios, 2017.
    VOROBOW, Bernardo; ADRIANO, Carlos (org.). Júlio Bressane: cinepoética. São Paulo: Massao Ohno, 1995.
    XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2