Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Camilla Vidal Shinoda (USP)

Minicurrículo

    Doutoranda no PPG Meios e Processos Audiovisuais da ECA/USP, na linha Cultura Audiovisual e Comunicação. Mestra (2017) na linha de Imagem, Som e Escrita; do PPG da FAC/UnB. Integra o Conselho Editorial da Revista Movimento, da ECA/USP (2022). Foi professora substituta no IFB, no curso técnico de Produção em Áudio e Vídeo (2021). Dirigiu os curtas “Luta pela Terra” (2022), em parceria com Tiago de Aragão; “Parte do que Parte Fica” (2019) e “Não é pressa, é saudade” (2016). É bolsista Capes.

Ficha do Trabalho

Título

    Ensaísmo, subalternização e subjetivação política no cinema periférico

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Formato

    Presencial

Resumo

    O artigo realiza uma análise fílmica do curta “História de Ceilândia contada por pioneiros”, de Gu da Cei, de modo a caracterizá-lo como um ensaio fílmico, explicitando a subjetividade periférica que elabora um pensamento sobre a história oficial de Brasília, e a buscar a compreensão de como uma leitura não subalternizada de um acervo faz emergir as subjetividades dos pioneiros. O diálogo entre as duas subjetividades subalternizadas presente no filme produz um processo de subjetivação política.

Resumo expandido

    O artigo proposto tem como objeto analisar o processo de subjetivação política (RANCIÈRE, 2014) no curta “História de Ceilândia contada por pioneiros” (2021), de Gu da Cei, filme que elabora uma contra-argumentação à versão oficial da história de Brasília e Ceilândia. Gu é um cineasta nascido na Ceilândia, região administrativa (RA) do Distrito Federal originada a partir da expulsão dos pioneiros – aqueles que construíram a Capital do país – para o local distante que herdou em seu nome as iniciais da sigla da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI). A subjetivação política é um processo de desidentificação com um comum que está posto (RANCIÈRE, 2014, p.71) e isto acontece no filme de Gu a partir de dois movimentos principais: a construção de uma subjetividade periférica autora da contra-argumentação e a emergência das subjetividades dos pioneiros do material de arquivo que é matéria-prima do filme.
    Caracterizar o documentário como um ensaio fílmico, a partir do conceito elaborado por Mateus Araújo (2013), é importante para descortinar o eu periférico que conduz a argumentação. Segundo Araújo, um ensaio fílmico possui uma organização argumentativa dos fluxos de imagem e som e a presença de um sujeito mediador da elaboração desse pensamento dentro da obra. Considerar essas duas premissas na análise fílmica ajudará a identificar esse sujeito periférico que não se revela em uma primeira pessoa, mas sim na condução do fluxo das imagens e sons que estruturam o pensamento desenvolvido pela obra.
    O segundo movimento busca compreender como esse sujeito periférico mergulha nos arquivos oficiais e reencontra as subjetividades dos pioneiros, personagens subalternizados (SPIVAK, 2010) nessa versão da história. O documentário é realizado a partir do acervo do “Programa História Oral” do Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF). Para análise do manejo fílmico desse material, dialogaremos com a compreensão de que os arquivos não são repositórios de fatos, mas que eles podem ser lidos e interpretados, como defende Spivak (1985, p. 248). Assim, será possível compreender como a montagem denuncia a plasticidade hegemônica (SPIVAK, 2010) presente na leitura oficial do acervo público. O uso recorrente da expressão “invasão” para nomear a Vila do IAPI (primeira morada dos pioneiros) e a insistente tentativa de reafirmar Brasília como a capital do futuro são alguns dos elementos presentes nos relatos que confirmam a versão oficial da história. Há, no entanto, momentos em que os pioneiros reconhecem o seu próprio protagonismo na construção da cidade ou que denunciam as condições precárias presentes no processo de expulsão. A montagem do filme reconhece e pincela esses lampejos transgressores, transformando-os no motor propulsor da camada sonora do documentário. A camada imagética – também constituída de material do acervo do ArPDF – potencializa o ato transgressor, por meio de enquadramentos, movimentos de câmera e pelo próprio simbolismo das imagens que compõem o plano. O documentário faz emergir as subjetividades dos pioneiros, que haviam sido expulsas da história oficial.
    Este artigo evidencia, por fim, o diálogo entre pioneiros e o sujeito periférico que conduz o argumento, isto é, duas subjetividades subalternizadas que se reconhecem e elaboram juntos uma outra versão da história. Essas subjetividades subalternizadas são as autoras desse pensamento, outro ato transgressor proposto pelo documentário ensaístico. Por meio desse conjunto de atos transgressores, o filme produz uma desidentificação (RANCIÈRE, 2014) em relação à versão oficial da história dos dois territórios do Distrito Federal. Dessa forma, além de propor uma outra relação com arquivos, que permite a elaboração de uma contra-argumentação ao discurso oficial, protagonizada pelas subjetividades até então subalternizadas, o filme se entende também enquanto um modo de subjetivação política, pois permite a atualização da igualdade entre Brasília e Ceilândia.

Bibliografia

    ADORNO, Theodor. O ensaio como forma [1958]. In: Notas de Literatura I. Trad. e apresentação de Jorge de Almeida. São Paulo: Livraria Duas Cidades / Ed. 34, 2003. p. 15-45.
    ARAÚJO, Mateus. Straub, Huillet e o ensaísmo dos outros. Devires, V. 10, n.1, jan/jun 2013, p.108-137.
    MACHADO, Arlindo. O filme-ensaio. In: SAMPAIO, Rafael; MOURÃO, Maria D. (Org.). Chris Marker: bricoleur multimidia. São Paulo: CCBB, 2009. p. 20-33.
    MACIEL, Lucas da Costa. Spivak, pós-colonialismo e antropologia: pensar o pensamento e o colonialismo-em-branco dos nossos conceitos. São Paulo. Revista Antropologia, v.64, nº 2, 2021, p. 1-27.
    RANCIERE, Jacques. Nas margens do político. Trad. Vanessa Brito e João Pedro Cachopo. KKYM, Lisboa, 2014.
    RANCIÈRE, Jacques. 2018. O desentendimento. São Paulo, Editora 34.
    SPIVAK, Gayatri C. 1985. The Rani of Sirmur: An Essay in Reading the Archives. History and Theory, vol. 24, n. 3: 247–272.
    SPIVAK, Gayatri C. 2014. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, Editora UFMG.