Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Juliano Vasconcelos Magalhães Tavares (Cefet-MG)

Minicurrículo

    Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC Minas, sendo a dissertação selecionada pelo programa para concorrer ao Prêmio Compós de Teses e Dissertações (2016). Especialista em Produção em Mídia Eletrônica pela UNI-BH (2010) e graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Unesp (2001).

Ficha do Trabalho

Título

    A construção da personagem Dilma Rousseff em Democracia em Vertigem

Seminário

    Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências

Formato

    Presencial

Resumo

    A proposta deste artigo é identificar e analisar sequências do filme Democracia em Vertigem, de Petra Costa, protagonizadas pela ex-presidente Dilma Rousseff. Embora a cineasta se utilize dos métodos observacional e interativo na fase da filmagem, a personagem chega ao público por meio de elementos do documentário tradicional. Isso ocorre em função do uso de recursos de montagem, entre eles, a narração. Com isso, Petra não permite que a mise-en-scène da ex-presidente apareça em primeiro plano.

Resumo expandido

    De acordo com Coutinho (1997), o diálogo entre cineasta e personagem é assimétrico, afinal, a câmera é um instrumento de poder. Para diminuir essa assimetria, ele costumeiramente fazia uso do que chamava de “verdade da filmagem”, uma verdade que envolve revelar aspectos aleatórios relativos à situação em que a filmagem ocorreu. Por sua vez, Salles (2015, p.277) explica que “potencialmente, os personagens são muitos, mas a pessoa filmada, não obstante suas contradições, é uma só. Aqui – precisamente aqui – reside para mim a verdadeira questão do documentário. Sua natureza não é estética, nem epistemológica, é ética”. Já para Comolli (2008), é o que as pessoas filmadas vão fazer durante o projeto do filme que fará com que elas façam parte desse cinema. “Isso demonstra o quanto estamos, de saída, sem condições de lhes dar ordens (podemos oferecer, no máximo, indicações), de “avacalhar” sua própria mise-en-scène (ao contrário, trata-se de deixá-la aparecer em primeiro plano) […]” (COMOLLLI, 2008, p.176).
    Considerando as colocações dos autores acima, trazemos algumas observações sobre a construção da personagem Dilma Rousseff no filme Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa. Entre filmes pesquisados que tratam do impeachment da então presidente, a produção é a única que consegue trazer entrevistas com Rousseff (mérito da cineasta). Além desse método, Petra também se utilizou do processo observacional para representá-la. No entanto, apesar de ter feito uso de procedimentos modernos que surgiram no final da década de 1950 e que revolucionaram os caminhos da representação no cinema documental (LINS; MESQUITA, 2008), queremos mostrar como características que remetem ao documentário tradicional (imagens indiciais da realidade, associações poéticas, características narrativas e persuasão retórica) foram adotadas na montagem que dá vida à personagem. Para explicitar tal informação, pretendemos analisar sequências protagonizadas pela ex-presidente. Nesse sentido, de acordo com nossas primeiras observações, foram encontradas 11 sequências em que ela protagoniza as ações. Dessas, pelo menos três são bastante significativas e farão parte da análise, tendo sido selecionadas considerando os procedimentos de representação utilizados pela cineasta (interativo e observacional), bem como a utilização de variados recursos de montagem. A partir desses critérios, em um primeiro momento, foram selecionadas a sequência em que parte da trajetória da ex-presidente é apresentada ao espectador; uma das entrevistas com Rousseff e o momento em que ela se apresenta ao Senado, para se defender, na etapa final do processo. Nas três, é possível observar a utilização de recursos de montagem como locução, música e arquivos. Para ficar apenas no primeiro, Bernardet (2003) expõe como uma locução, ou “voz do saber” interpretava situações sociais em filmes do que chamou de “modelo sociológico”, entre outros. No caso de Democracia em Vertigem, a voz de Petra parece querer interpretar até mesmo personagens.
    Posto isso, acreditamos que a cineasta tinha suas razões para adotar tais procedimentos de montagem em sua produção (o filme foi lançado no primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro. O ex-presidente Lula, então preferido nas pesquisas de opinião, não pode participar do pleito pois havia sido preso pelo então juiz Sérgio Moro, que depois foi considerado parcial pelo STF). No entanto, parece-nos que, ao fazer uso desses procedimentos, Petra acaba não permitindo que a mise-en-scène de Rousseff apareça em primeiro plano. Como resultado, a personagem chega ao público preponderantemente pelo olhar da cineasta e não propriamente pela sua própria mise-en-scène. Além disso, esses procedimentos acabam por dar ares de espetáculo a momentos significativos da vida de Rousseff, mas que também envolvem a história do Brasil – e certamente nada têm de espetaculares.

Bibliografia

    BALTAR, Mariana. Realidade lacrimosa: diálogos entre o universo do documentário e a imaginação melodramática [tese]. Niterói: Pós-graduação em Comunicação da UFF; 2007. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=93429. Acesso em: 30 abr. 2022.

    BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 318p.

    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder – A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: UFMG, 2008. 373p.

    COUTINHO, Eduardo. O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade. Ética e história oral, São Paulo, v. 15, p. 165-171, jul./dez. 2020. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/11228. Acesso em: 01 abr. 2022.

    LINS, Consuelo; MESQUITA, Claudia. Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 92p.

    NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 6. ed. Campinas: Papirus, 2016.