Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Eliane Vasconcelos Diógenes (UNIFOR)

Minicurrículo

    Graduação em Psicologia (1990) pela Universidade Federal do Ceará. Mestrado (2002) e Doutorado (2017) em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Desde 1992, atua como professora no curso de Psicologia e, recentemente, no curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza. Desde 2010, desenvolve pesquisas nas áreas de Cinema Documentário, Psicanálise e Cultura Contemporânea.

Coautor

    Edvaldo Siqueira Albuquerque (UNIFOR)

Ficha do Trabalho

Título

    DOCUMENTÁRIOS EM TEMPOS DE PANDEMIA (COVID-19): SABER FAZER COM O REAL

Formato

    Remoto

Resumo

    O mundo foi abalado pela pandemia de Covid-19. Investigamos a imposição do real no ato de fazer documentário, a partir de articulações entre a perspectiva de Comolli sobre o fazer documentário sob o risco do real e o debate da psicanálise, sob o paradigma de Lacan, sobre o saber fazer dos artistas com o real. Abordamos os documentários: In my room (Diop, 2020), Citadel (Smith, 2020), Janelas daqui (Vidigal, Sherman, 2021), Strasbourg 1518 (Glazer, 2020) , Me cuidem-se (Abrantes, Borges, 2021).

Resumo expandido

    O mundo foi abalado pela pandemia de Covid-19, vírus com alto poder de contaminação e de letalidade. Investigamos acerca da imposição do real no ato de fazer documentário, a partir de algumas conexões entre a perspectiva de Jean-Louis Comolli (2008) sobre o fazer documentário sob o risco do real e o debate da psicanálise, sob o paradigma de Jacques Lacan, sobre o saber fazer dos artistas com o real. O real é o irrepresentável, o imprevisto, o incontrolável.
    Abordamos os seguintes documentários: In my room (Mati Diop, 2020), Citadel (John Smith, 2020), Janelas daqui (Luciano Vidigal e Arthur Sherman, 2021), Strasbourg 1518 (Jonathan Glazer, 2020), Me cuidem-se (Bebeto Abrantes e Cavi Borges, 2021).
    “O cinema documentário, ao ceder espaço ao real, que o provoca e o habita, só pode se construir em fricção com o mundo.” (COMOLLI, 2008, p.173). A realização do documentário se faz sob o risco do real, ou seja, se faz na vulnerabilidade às interferências do imprevisto, do acidental. O real é aquilo que escapa ao controle do documentarista e de sua equipe e, ao mesmo tempo, provoca sua criação.
    A psicanálise (versão lacaniana) se aproxima dessas reflexões de Comolli. O real é o irrepresentável, o incontornável. O real, com seu caráter catastrófico, impulsiona o sujeito a cercá-lo com palavras e com imagens na tentativa de algumas significações. As narrativas, baseadas em testemunho de uma catástrofe, funcionam como forma de simbolização do horror. O saber fazer dos documentaristas se expressa no movimento de o sujeito transformar algo intolerável, o real, em criação artística. (JORGE; LIMA, 2009; KEHL, 1998; LACAN, 1985, 1988).
    O documentário In my room é filmado da janela do apartamento da diretora, em Paris. Mati Diop explora a situação de confinamento dos vizinhos em conexão com sua própria vivência. A câmera penetra nos apartamentos, e, ao mesmo tempo, escutamos o registro da voz da avó, que passou longos anos em uma espécie de quarentena devido a uma doença degenerativa.
    No documentário Citadel, o diretor John Smith remete o espectador ao real do isolamento social através de planos estáticos, imagem captada da sua janela, em Londres. O discurso autoritário e cínico de Boris Johnson, primeiro ministro do Reino Unido, no tom “o mundo vai bem” se sobrepõe à imagem da cidade melancólica. O choque entre a realidade filmada desoladora e esse discurso tentando maquiar o caos nos lança para o horror do jogo político.
    No documentário Janelas daqui, os cineastas escutaram depoimentos de nove moradores da favela do Vidigal, Rio de Janeiro, no período ápice da pandemia. Os cineastas nos apontam para o contraste entre a bela vista do Cristo Redentor, horizonte de suas janelas, e suas marcantes dificuldades de se viver, especialmente em um contexto pandêmico. (SANTOS et al, 2021).
    No documentário Strasbourg 1518, Jonathan Glazer apresenta ao espectador experiências sensoriais dos personagens fundadas na dança, em seus específicos confinamentos. Os personagens exibem a limitação imposta ao corpo. A dança se mostra enfermidade e cura, deterioração e terapia, restrição e liberdade.
    O documentário Me cuidem-se se constrói a partir de filmagens feitas à distância por oito pessoas sobre o cotidiano dos seus específicos confinamentos. Pelos seus relatos audiovisuais, o espectador acompanha os dias vividos por eles no ápice do isolamento social.
    Apesar das condições nefastas dos tempos de pandemia (Covid-19), o cinema documentário revela sua potência de criação. Em vez de ser esmagado pelo caráter traumático do real, o documentarista o enfrenta por meio da criação fílmica.

Bibliografia

    COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida (2004). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
    JORGE, Marco A. C.; LIMA, Márcia M. (orgs.). Saber fazer com o real: diálogos entre psicanálise e arte. Rio de Janeiro: Cia. De Freud / PGPSA / IP / UERJ, 2009.
    KEHL, Maria Rita. O irrepresentável existe?. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre: psicanálise e literatura, ano VIII, n. 15, p. 66-74, nov. 1998.
    LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Tradução de M. D. Magno. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985b.
    LACAN, Jacques. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-1960). Tradução de Antônio Quinet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988.
    SANTOS, A. T; COCA, A.P; GONZAGA, A.F.F; HIRT, C.C.L. Dos fait divers ao cinema catástrofe: uma reflexão sobre o streaming, o cinema e a televisão em época de pandemia de Covid-19. In: Covid-19 e a comunicação. Goiânia: Cegraf UFG, 2021.