Ficha do Proponente
Proponente
- Bruno Maya (PUCRS)
Minicurrículo
- Bruno Maya é doutor em Comunicação Social pela PUCRS e bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela mesma universidade. É realizador audiovisual e tem interesse nos temas do audiovisual (especialmente cinema) política, estética e ubiquidade midiática. Já realizou pesquisa sobre o cinema de Michael Haneke, filme político, cinema brasileiro e história do cinema, sendo que atualmente trabalha a memória audiovisual e a violência dentro do ambiente midiático contemporâneo.
Ficha do Trabalho
Título
- Herança do colonialismo e artificialidade da imagem em Caché (2005)
Formato
- Presencial
Resumo
- O presente trabalho analisa a noção de artificialidade da imagem no filme Caché (2005), do austríaco Michael Haneke, a partir da qual há uma referência a herança do colonialismo e a ubiquidade midiática por meio da figura de Georges, apresentador de um programa literário televisivo. Considera-se, para isso, a estratégia de reenquadramento da intriga de Caché (2005), no sentido de subverter algumas normas clássicas do thriller. Para isso, se fundamenta em Blanchard, Virilo e Rancière.
Resumo expandido
- O objetivo do presente trabalho é analisar a artificialidade da imagem na trama de Caché (2005), que no contexto de ubiquidade midiática busca se referir a um acontecimento histórico “mal resolvido” para a França – a colonização e a questão argelina, especificamente o massacre a uma manifestação da FLN (Frente de Libertação Nacional) ocorrido em 1961 à beira do rio Sena. Tal construção acontece a partir da figura de Georges: apresentador de um programa literário televisivo, e que, junto com sua família, tem sua rotina abalada pela chegada de fitas que contêm, basicamente, imagens da fachada de sua casa ou de locais da infância. Essas imagens que atormentam George, por sua relação com a história da França, são breves flashes, pesadelos, devaneios; tudo se refere a algo que se encontra recalcado, escondido.
Georges passa a investigar a procedência de tais correspondências, o que acaba levando-o a rever coisas da sua história, em especial sua relação com Majid, filho de ex-empregados de seus pais e de origem argelina. Na infância dos personagens, os pais de Georges demitem os de Majid, seus empregados. Acontece, então, que ambos se envolvem na referida manifestação, e são mortos pela polícia francesa. Os pais de Georges adotam Majid, presença que incomoda o então garoto francês de classe média, que presta uma queixa e induz a expulsão também do menino argelino.
É assim que o filme nos apresenta a relação entre Georges e Majid e seu envolvimento.
Ambos os personagens são símbolos e rastros da chamada guerra da Argélia (1954-1962), e mais especificamente do acontecimento referenciado no filme. Como destaca Blachard (2012), a partir de meados dos anos 50, e especialmente 58, diversas estratégias de depauperização da situação dos argelinos, tidos como “indesejáveis”, foram postas em prática pela polícia francesa. A então guerra da Argélia levava a uma série de restrições para os argelinos na França: a de circulação, por exemplo, por meio da utilização da violência, prisões em massa, internações em unidades de polícia, de fichamentos a deportações.
O caráter metafórico da caçada ao responsável pelo envio das gravações no filme acaba por trazer o tema da memória do colonialismo, questionar a mis-en-scène e o papel da imagem como artifício de ilusão e o aspecto manipulatório do cinema. Constitui-se, nesse sentido, em Caché (2005), a utilização de propostas características do thriller, mas que contêm uma ambiguidade ao deixar diversos elementos em suspenso. Constroem-se lacunas, elipses na narrativa, um final em aberto e anticlímax; elementos que, ao serem postos na intriga, são estratégias para buscar esse reenquadramento e subvertem normas clássicas do gênero.
Caché (2005), por meio do jogo com o ponto de vista, problematiza o status da imagem tendo em vista a maneira pelo qual o espectador pode ser manipulado. O filme apresenta ao espectador a mesma cena, de forma misteriosa, por diversos pontos de vista, questiona a procedência dessas imagens e problematiza em que medida elas nos sugestionam a acreditar nelas. Nesse sentido, central para tratar do status da imagem e a ubiquidade midiática, a velocidade e sua dimensão política é tratada por Virilo no contexto de hiperinformação. Destaca-se então como a ubiquidade da mídia afeta a percepção, ou seja, sua presença pode surgir para criar uma espécie de ethos, um ambiente que acaba por influenciar diversas instâncias sociais.
Assim, as abordagens de Caché e suas propostas estéticas, de uma temporalidade estendida do cotidiano, se inserem em um contexto de novas máquinas perceptivas, dentro de uma lógica que tentar eliminar os tempos-mortos, as formas disruptivas do olhar e trazer a produção incessante da sociedade midiática. Para Virilo (2015), foram modulados um arsenal de máquinas da visão que tenderam a canalizar essa breve descontinuidade por meio de velozes efeitos de montagem, tornando cada vez mais obsoletos os exercícios do olhar contemplativo.
Bibliografia
- BLANCHARD, E. “”Eliminar os indesejáveis”: uma lógica de ação para o policiamento dos argelinos em Paris (1944-1962)”. In. Topoi, v.13, n. 25, julho/dezembro 2012. https://www.scielo.br/j/topoi/a/ftjytVvJNrqtn5JtFqnn5Cs/?lang=pt&format=pdf. Último acesso: 07/04/2022.
GRUNDMANN, R. A companion to Michael Haneke. Chichester, West Sussex: Wiley-Blackwell, 2010.
RANCIÈRE, J. A Fábula Cinematográfica. Lisboa: Orfeu Negro, 2014.
ROTHBERG, M. Multidirection Memory: remembering the Holocaust in the age of decolonization. Standford, California: Stanford University Press, 2009.
VIRILO, P. Guerra e cinema. São Paulo: Boitempo, 2005.
________. Estética da desaparição. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.
WHEATLEY, C. Michael Haneke’s cinema: the ethic of the image. Nova Iorque: Berghahn Books, 2009.