Ficha do Proponente
Proponente
- Maria Helena Braga e Vaz da Costa (UFRN)
Minicurrículo
- Professora Titular do Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Pós-doutorado em Cinema pelo International Institute / University of California at Los Angeles (UCLA) – USA; Doutorado e Mestrado em Estudos de Mídia pela University of Sussex – Inglaterra; Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Ficha do Trabalho
Título
- Narrativas de Mundo: Geografias Fílmicas e Imaginário
Formato
- Remoto
Resumo
- Considerando imaginário e as ressignificações do mito, os filmes do gênero de Fantasia oferecem boas oportunidades de interpretação para compreensão do espaço geográfico e dos discursos a respeito dele. Partindo desses pressupostos, este artigo propõe compreender os discursos presentes na obra cinematográfica ‘O Senhor dos Anéis’ (2001-2003). Discute-se aqui sobre os entrelaces entre Geografia e Cinema, enfatizando o conceito de personagem geográfico no contexto da teoria do imaginário.
Resumo expandido
- A Geografia e o Cinema têm dialogado nas últimas décadas. Não obstante os diversos entendimentos sobre o cinema e, por consequência, os diversos modos de analisá-lo, compreende-se que os filmes têm estatuto próprio, fugindo da noção mimética do cinema e reconhecendo-o como produtos de significações e emissores de discursos geográficos. Considerando imaginário e as ressignificações do mito, os filmes do gênero de Fantasia oferecem boas oportunidades de interpretação para compreensão do espaço geográfico e dos discursos a respeito dele. Partindo desses pressupostos, este artigo propõe compreender os discursos presentes na obra cinematográfica ‘O Senhor dos Anéis’ (2001-2003). Para tanto, discute-se sobre os entrelaces entre Geografia e Cinema, enfatizando o conceito de personagem geográfico no contexto da teoria do imaginário. Constata-se que ‘O Senhor dos Anéis’ (2001-2003), ao apresentar relações harmônicas e de submissão com terra, enuncia discursos geográficos de teor antimodernista nos personagens geográficos.
Narrar é um dos elementos centrais da vida. Ao narrarem, permite-se que os seres humanos falem de si mesmos, de seus sonhos, de suas esperanças, de suas angústias e, sobretudo, do mundo que os circunda. O ato de narrar o mundo é próprio da condição humana. E esta última é, essencialmente, espacializada; o ser humano é um ser terrestre, mundano (DARDEL, 2015). Narrar o mundo, dizer o mundo, portanto, é próprio do ser humano; ele é um contador de histórias, o único ser capaz de dizer “era uma vez” (TOLKIEN, 2006). É próprio do ser humano o ato de narrar.
De fato, a narrativa “é um dos elementos mais constitutivos, mais universais da vida cultural e social” (LIPOVETSKY e SERROY, 2009, p. 300). Desde o início da existência com as cosmogonias, com os mitos – que são essencialmente geografias – o ser humano conta, narra o mundo. Com efeito, a oralidade, a epopeia, o teatro, a pintura, a música, os romances literários: tudo isso ao narrar – seja imageticamente ou verbalmente – oferecem à humanidade o relato de seus sonhos e suas angústias, de suas alegrias e esperanças. A narrativa, então, é essa dimensão primeira da vida humana. É impossível dissociar narrativa e existência. E é exatamente por isso que um trabalho de geografia humanista, por priorizar a existência humana, deve pensar nas narrativas. Afinal, a Geografia é sempre um dizer (BESSE, 2014; CHAVEIRO, 2015), um relato, uma narrativa.
Daí a pertinência de se pensar nas obras cinematográficas. O filme oferece uma miríade de narrativas das experiências humanas; é um contador de histórias (FERRAZ, 2012). Para Lipovetsky e Serroy (2009), nenhuma outra arte, seja tradicional ou nova, cumpre de forma tão completa a função de narrar. A trilogia ‘O Senhor dos Anéis’ é uma produção dessa máquina de narrar, de sonhar, pois é um sonho projetado, por técnica e magia. Aqui, argumenta Morin (2014), poetas, acadêmicos e técnicos são unânimes: o filme é sonho! Ele, através da narrativa, nos leva sempre por uma aventura errante, para peripécias do imaginário. As imagens fílmicas, de fato, são portais para o devaneio e o sonho (BULCÃO, 2013). Por isso é importante lembrar que, como mito e sonho, o filme – e aqui dar-se ênfase a trilogia estudada – não só cativa e fascina, levando os seres humanos a uma fuga da realidade. Sendo uma máquina de produzir sonhos, a trilogia também é um vetor de debates, uma motivação para a reflexão sobre a maneira de ser e estar no mundo, da geograficidade e dos discursos relacionados a isso.
Aliás, a atração pelo imaginário, pelas ficções, reside no desejo de compreender o mundo. Os mundos imaginários são, ao mesmo tempo, pontes para a reflexão do mundo e dispositivo para restauração desse mesmo mundo. A narrativa dos filmes imaginários e de potência mítica, como é a trilogia do Anel, são ao mesmo tempo proposta de um futuro e comentários do hoje. Todo filme é um sonho libertador, é um futuro reimaginado, é o imaginar e o dar novas formas ao mundo.
Bibliografia
- BESSE, J. M. Ver a Terra: seis ensaios sobre a paisagem e a Geografia. São Paulo: Perspectiva, 2014.
BULCÃO, M. Luz, câmera, filosofia: mergulho na imagética do cinema. São Paulo: Ideias & Letras, 2013.
CHAVEIRO, E. F. Dizibilidades literárias: a dramaticidade da existência nos espaços contemporâneos. Geograficidade, v.5, n.1, p. 40-51, 2015
DARDEL, E. O homem e a terra: natureza da realidade geográfica. São Paulo: Perspectiva, 2015.
FERRAZ, C. B. O. Imagem e geografia: considerações a partir da linguagem cinematográfica. Espaço & Geografia, Brasília, vol.15, n. 2, p. 357-384, 2012.
LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. A tela global: mídias culturais e cinema na era hipermoderna. Porto Alegre: Sulina 2009.
MORIN, E. O cinema ou o homem imaginário: ensaio de antropologia sociológica. São Paulo: É Realizações, 2014.
TOLKIEN, J.R.R. Sobre histórias de fadas. São Paulo: Conrad Livros, 2006.
WRIGHT, J. K. Terrae Incognitae: o lugar da imaginação na Geografia. Geograficidade, v.4, n.2, 4-18