Ficha do Proponente
Proponente
- Milton do Prado Franco Neto (PUCRS)
Minicurrículo
- Doutorando do PPGCOM da PUCRS, Milton do Prado é graduado em Jornalismo pela UFRGS (1998) e mestre em Film Studies pela Concordia University de Montreal (2011). É coordenador e professor do Curso de Realização Audiovisual da Unisinos desde 2012 e um dos editores da revista de cinema Teorema – Crítica de Cinema. Atua também como montador e produtor de cinema e TV.
Ficha do Trabalho
Título
- Melancolia e nostalgia em Twin Peaks – O Retorno (2017)
Resumo
- A proposta deste trabalho é promover uma reflexão sobre a presença da melancolia e da nostalgia na série Twin Peaks – O Retorno, de David Lynch, através de uma análise que combina aspectos narrativos e estéticos. Para este fim, além de recorrer a ferramentas de análise fílmica, utilizaremos algumas obras que analisam a evolução destes conceitos dentro da história da medicina e psicologia, assim como sua aparição na literatura e nas artes.
Resumo expandido
- O cinema e a televisão americanos do século XXI são prodígios em transformar a nostalgia em um produto através de infindáveis franquias, remakes e incursões em universos afetivamente identificáveis (caso do filme Super-8 e da série Stranger Things, por exemplo). Um bom antídoto para esse melancólico mercado de lembranças fabricadas é ofertado por um cineasta reconhecidamente autoral através da “continuação” de uma obra feita para a televisão.
Mais de 25 anos após marcar a história da TV mundial, o diretor David Lynch e o roteirista Mark Frost retornam em 2017 a Twin Peaks. Frustrando expectativas de quem esperava uma simples terceira temporada da série, os autores propõem uma revisitação através de outra proposta estético-narrativa. Twin Peaks – O Retorno não somente nega o apelo nostálgico que tal revisitação potencialmente teria, mas revela-se uma obra cinematográfica (independente do formato e suporte) sobre a melancolia de nossa época justamente pelo encontro com elementos do passado.
A trama continua diretamente depois de uma deixa do último episódio da segunda temporada da série original, em 1991: “Eu vejo você de novo daqui a 25 anos”, é o que diz Laura Palmer ao agente Dale Cooper. Como é revisitar aquele lugar, aqueles personagens, rever os rostos e corpos envelhecidos reencontrando o mesmo trauma original?
A palavra nostalgia, neologismo criado a partir dos termos gregos nóstos (retorno) e álgos (dor), foi pensada inicialmente pela medicina para designar a dor sentida pelo espírito do “doente” que insiste em querer retornar para o lugar de origem (STAROBINSKI, 2016), para depois sedimentar-se na língua comum com um sentido mais abrangente. A proposta de Lynch/Frost parte do entendimento original do termo: Twin Peaks, além de um objeto cultural televisivo – passível, logo, de revisitações nostálgicas comercialmente atraentes – é um local imaginário, criado com certas características físicas próprias, sejam naturais (a cachoeira, a floresta), construídas (o café, a delegacia), ou mesmo sobrenaturais (o black lodge). Revisitar esses lugares, na nova série, significa também enfrentar esse profundo estranhamento em habitar, em pleno século XXI, espaços que pertencem a um imaginário de uma outra época. Ainda que isso aconteça em grande parte com personagens já conhecidos, em Twin Peaks – O Retorno, todos parecem deslocados. Para além do envelhecimento natural que contrapõe imagens tornada anteriormente icônicas, todos parecem sofrer deste “transtorno íntimo ligado a um fenômeno de memória” (Idem).
Como um reflexo de tempos atuais bem mais sombrios que os do início da década de 1990, a nova série é apresentada através de um ritmo extremamente lento, como se os personagens vagassem por este mundo como o agente Dale vaga pelo além-mundo, tentando retornar para um universo que não existe mais. Se outras dimensões são estranhas e violentas, assim é a nossa. Twin Peaks não cabe mais na cidadezinha mostrada há um quarto de século: ela se expande por todos os Estados Unidos, e mesmo além (México, Buenos Aires). Nela não habitam mais somente aquele grupo identificável de personagens – eles se multiplicam e se confundem. Mesmo personagens canônicos se fragmentam: Dale Cooper não é um, nem dois, mas vários deles, existindo ao mesmo tempo – e lidar com a miríade muitas vezes desnorteante de estímulos não deixa de ser uma das características dos nossos tempos.
Este acesso a “memória das coisas passadas”, repensadas e retrabalhadas “diante do estado presente do mundo”, funcionaria como fonte de utopia, como aponta Marcuse (apud LÖWY e SAYRE, p. 207)? Ou seria um simples sintoma de nossa época, para ficarmos com uma ideia cara a Krakauer (1988)? Em todo caso, esse retorno doloroso a um lugar conhecido parece expressar muito sobre a melancolia dos dias em que vivemos.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. Que reste-t-il du cinéma? Paris: Vrin, 2013.
CIMENT, Michel. The State of Cinema. Página original do catálogo do 46th San Francisco International Film Festival (2003) fora do ar; texto original reproduzido em https://unspokencinema.blogspot.com/2006/10/state-of-cinema-m-ciment.html, consultado em 03/05/2021.
CRARY, Jonathan. Suspensões da Percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2013
FLANAGAN, Matthew. Towards an Aesthetic of Slow in Contemporary Cinema. Em 16:9 http://www.16-9.dk/2008-11/side11_inenglish.htm, consultado em 03/05/2021.
GINZBURG, Jaime. Literatura, Violência e Melancolia. São Paulo: Editores Associados, 20013
KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler uma História Psicológica do Cinema Alemão. São Paulo: Jorge Zahar, 1988.
LÖWY, Michael; SAYRE, Robert. Revolta e Melancolia. São Paulo: Boitempo, 2015.
STAROBINSKI, Jean. A tinta da melancolia – Uma história cultural da tristeza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.