Ficha do Proponente
Proponente
- Carla Ludmila Maia Martins (Una)
Minicurrículo
- Carla Maia é pesquisadora, curadora e professora. Tem doutorado em Comunicação Social pela FAFICH/UFMG, com período sanduíche na Tulane University/New Orleans. Atualmente, leciona no curso de Cinema e Audiovisual do Centro Universitário Una e participa do grupo de pesquisa “Poéticas Femininas, Políticas Feministas” da UFMG. Integra o coletivo Filmes de Quintal, que organiza o forumdoc.bh – Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte.
Ficha do Trabalho
Título
- A cena é outra: rasuras e afetos para pensar um cinema com mulheres.
Seminário
- Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva
Resumo
- Propomos seguir com a investigação acerca das formas de encenação de relações afetivas entre mulheres no documentário brasileiro contemporâneo, a partir de análise comparada de filmes como Kbela (Yasmin Thayná, 2015), Minha história é outra (Mariana Campos, 2020), A felicidade delas (Carol Rodrigues, 2018) e Quebramar (Crys Lira, 2019), tendo como premissa a afirmação da existência lésbica (Rich, 2010), para elaboração de um pensamento sobre a amizade feminina potencialmente transformador.
Resumo expandido
- Buscamos retomar o pensamento já esboçado em outras ocasiões (MAIA, 2015; MAIA, 2018), para seguir com a investigação acerca das formas de encenação de relações afetivas entre mulheres no documentário brasileiro contemporâneo. No arco que separa a escrita da tese defendida em 2015 e a apresentação que agora propomos, acompanhamos com entusiasmo a proliferação de filmes realizados por mulheres e com mulheres como personagens, recorte outrora proposto na pesquisa de doutorado, ao passo que também avançamos apenas o suficiente para perceber os limites do pensamento exposto naquele momento da pesquisa.
Já dizíamos que Lillian Faderman e Carrol Smith Rosenberg constataram a exsitência de uma “subcultura da amizade feminina”, que sofreu deslocamentos do Renascimento até o nosso século. Os estudos das autoras revelam que relações afetivas, sejam sexuais ou não, não eram problematizadas antigamente, sendo toleradas, inclusive, práticas sexuais pré-maritais entre mulheres durante o Renascimento. Com o desenrolar da história, contudo, surge uma noção de amizade feminina que coloca o intercâmbio afetivo sob suspeita de lesbianismo, de patologia, desvalorizando e condenando essas práticas.
Sistematicamente excluídas dos discursos e das narrativas da Grande História, a amizade feminina já adquiria em nossa pesquisa de doutorado um caráter político, ético e estético. Contudo, documentários brasileiros que encenavam o amor ou a experiência sexual entre mulheres eram desconhecidos por nós e nos limitamos a considerar encenações de amizade sem conotação sexual ou erótica (ou assim julgávamos), em filmes como A falta que me faz (Marília Rocha, 2009), Vida (Paula Gaitán, 2008) e Desi (Maria Augusta Ramos, 2000). Observávamos, à guisa de conclusão: “É digno de nota que o documentário brasileiro realizado por mulheres ainda não tenha se voltado (ou ao menos não o suficiente) para experiências homossexuais. O amor figura, na maior parte dos filmes, dentro da matriz heteronormativa (…) Há muito a ser feito, pois, se o que buscamos são formas de produção do gênero pelo cinema que contribuam para afirmar os múltiplos e variados modos de existência e de relações. Em outros termos, resta um vasto “fora-de-campo” que tensiona o campo de nosso estudo” (MAIA, 2015, p.268).
O objetivo dessa apresentação é duplo: observar como esse tensionamento finalmente “entrou em campo” em filmes realizados nesse intervalo de seis anos, de Kbela (Yasmin Thayná, 2015) a Minha história é outra (Mariana Campos, 2020), passando por A felicidade delas (Carol Rodrigues, 2018) e Quebramar (Crys Lira, 2019), e mobilizar para análise outro conceito que nos parece correlato, embora não correspondente, ao de amizade, e que só viemos a conhecer posteriormente: o de “continuum lésbico” tal qual proposto por Adrienne Rich. Queremos, assim, fazer avançar a ideia de amizade, ou de relação afetiva entre mulhres, a partir da afirmação da existência lésbica enquanto uma forma de “perceber a história da resistência feminina que ainda não foi totalmente compreendida por si só, porque tem sido fragmentada, incompreendida e apagada.” (RICH, 2010, p. 44)
Bibliografia
- MAIA, Carla. Sob o risco do gênero: clausuras, rasuras e afetos de um cinema com mulheres. Tese de Doutorado. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2015.
MAIA, Carla. Baronesa: : por uma política da amizade feminina. Anais Digitais XXII Socine, 2018. Disponível em: https://associado.socine.org.br/anais/2018/17515/carla_maia/baronesa_por_uma_politica_da_amizade_feminina (última visita em 03/05/2021)
RICH, Adrienne. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Trad. Carlos Guilherme do Valle. Revista Bagoas, n.05, 2010, p. 17-44
SMITH-ROSENBERG, Carroll. Disordely conduct. Visions of gender in Victorian America. New York, Oxford: Oxford Univesity Press, 1986, p. 53-76
FADERMAN, Lillian. Surpassing the love of men. Romantic friendship and love between women from Renaissance to the present. New York: Quill-William Morrow, 1981.