Ficha do Proponente
Proponente
- Jamer Guterres de Mello (UAM)
Minicurrículo
- Docente no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi (PPGCOM-UAM), onde desenvolve pesquisa sobre as dimensões micropolíticas no documentário. Doutor em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM-UFRGS), com estágio doutoral pela Universitat Autònoma de Barcelona e Pós-Doutorado (PNPD-CAPES) pelo PPGCOM-UAM. Autor dos livros “Semiótica crítica e as materialidades da comunicação” (UFRGS, 2020) e “A(na)rqueologias das Mídias” (Appris, 2017).
Ficha do Trabalho
Título
- Negro Léo, o último anjo da história
Seminário
- Teoria de Cineastas
Resumo
- Este trabalho procura examinar, segundo uma especulação imaginativa, a performance do músico Negro Léo no documentário “É Rocha e Rio, Negro Léo” (2020), de Paula Gaitán. O personagem conduz o discurso cinematográfico a partir de um pensamento teórico sobre sua música e sobre o cotidiano social e político do país, operando enquanto uma espécie de viajante do tempo, como os personagens de “Branco Sai, Preto Fica” (2015), de Adirley Queirós, e “O Último Anjo da História” (1996), de John Akomfrah.
Resumo expandido
- O filme “Branco Sai, Preto Fica” (2015), de Adirley Queirós, retoma um episódio real de violência policial que aconteceu em 1986 em um baile de “black music” em Ceilândia. O filme cria uma fabulação entre passado, presente e futuro no borramento das fronteiras entre documentário e ficção quando o personagem Dimas viaja no tempo em uma nave-espacial-contêiner partindo de 2073 para 2014, quase 30 anos após o incidente no baile. Sua missão é coletar provas sobre a repressão policial para incriminar o Estado pela ação truculenta. É possível dizer que a narrativa acompanha a ideia central de Samuel Delany (1994), de que a ficção científica não tenta prever o futuro, mas antes oferece uma distorção significativa do presente. A narrativa apresentada por Adirley Queirós aponta que o elemento distópico nada mais é que o desvelo dos códigos de segregação em nossas relações sociais no presente.
Em “O Último Anjo da História” (1996), o cineasta John Akomfrah se apropria do imaginário da obra “Angelus Novus” (Paul Klee, 1920) e da figura do anjo da história de Benjamin (2012), aquele que volta ao passado catastrófico e encara o processo histórico como um incessante ciclo de desespero, para criar um filme ensaístico e especulativo que discute e teoriza o movimento afrofuturista. Um viajante do tempo conhecido como “ladrão de dados” passa por um processo diaspórico e empreende uma busca arqueológica por fragmentos da história e artefatos das tecnologias negras do século XX que seriam capazes de revelar a chave para o seu futuro. Akomfrah cria uma fabulação no cruzamento entre passado, presente e futuro, intercalando o arquivo de imagens que correspondem aos dados roubados pelo personagem com entrevistas com teóricos e artistas negros construindo uma reconfiguração do termo afrofuturismo, cunhado por Mark Dery (1994) alguns anos antes.
Negro Léo, músico multi-instrumentista e cientista social formado pela UFRJ a partir das políticas de cotas sociais, costuma definir sua obra como “música de resistência”, condizente à realidade social de suas origens. Seus discos são estruturados a partir de temas específicos que refletem o momento político e social em que vivemos. Esta é uma das tônicas de “É Rocha e Rio, Negro Léo” (2020), documentário de Paula Gaitán no qual o músico é o personagem central. A partir de uma teorização especulativa e imaginativa, procuro analisar a atuação performativa de Negro Léo no filme, um personagem imerso em um pensamento teórico que conduz o discurso cinematográfico.
Adotando a ideia de Kodwo Eshun (1998, 2003), quando diz que a existência negra e a ficção científica são, na prática, a mesma coisa, assumo a hipótese de que Negro Léo opera no filme como um vetor de pensamento sobre sua música e sobre o cotidiano social e político do país. A um só tempo o músico encarna os personagens de “Branco Sai, Preto Fica” e “O Último Anjo da História”, adotando uma ação performática consciente de sua posição de resistência estética e política no mundo e assumindo o papel de uma espécie de viajante do tempo, assim como Dimas e o ladrão de dados.
Segundo Samuel Delany (1996), a população negra foi sistematicamente impedida de ter contato com seu passado. Quando os negros chegavam da África, todo e qualquer registro era destruído e os escravos eram impedidos de se comunicar em suas línguas originárias (DERY, 1994). Há, portanto, um duplo objetivo nessa viagem cósmica de Negro Léo: procurar os vestígios das tecnologias negras que permitiram a sua existência a partir de escavações arqueológicas na música brasileira (nos moldes do ladrão de dados de Akomfrah) e perpetrar uma vingança fabulativa a partir de seu discurso poético em uma dimensão estética de resistência calcada no cotidiano político e cultural brasileiro (nos moldes dos personagens afro-terroristas de Adirley Queirós).
Bibliografia
- BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
DELANY, Samuel. Longer views: extended essays. Middletown: Wesleyan University Press, 1996.
DERY, Mark. Flame Wars: the discourse of cyberculture. Durham: Duke University Press, 1994.
ESHUN, Kodwo. Further Considerations of Afrofuturism. In: CR: The New Centennial Review, v. 3, n. 2, Baltimore, 2003, pp. 287–302.
ESHUN, Kodwo. More Brilliant Than the Sun: Adventures in Sonic Fiction. Londres: Quartet Books, 1998.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. São Paulo: UBU, 2020.
FOSTER, Hal. O retorno do real: a vanguarda no final do século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
LOPES, Denilson. Estéticas do artifício, estéticas do real. In: MARGATO, I.; GOMES, R. (Orgs.). Novos realismos. Belo Horizonte: UFMG, 2012.
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1, 2018.
MURARI, Lucas; SOMBRA, Rodrigo (Orgs.). O Cinema de Akomfrah: espectros da diáspora. Rio de Janeiro: LDC, 2017.