Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Leonardo Alvares Vidigal (UFMG)

Minicurrículo

    Leonardo Vidigal é professor associado e orientador no Programa de Pós-Graduação em Artes e no curso de graduação de Cinema de Animação e Artes Digitais da Escola de Belas Artes, na Universidade Federal de Minas Gerais. É mestre e doutor em Comunicação Social também pela UFMG e fez pós-doutorado na Goldmiths, University of London, para o qual realizou o filme “Minha Boca, Minha Arma” (2016), com Delmar Mavignier.

Ficha do Trabalho

Título

    Cultura sound-system e obras audiovisuais: teorias em diálogo

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Resumo

    A apresentação irá procurar colocar em diálogo filmes sobre sound systems com a teoria do som no cinema e o aparato teórico mobilizado para se estudar estes grupos. A interrelação entre as três faixas de frequência que compõem a cultura sound system (material, corporal e sociocultural) e a “dominância sonora” exercida por eles na ocupação de espaços públicos serão analisados nos filmes a partir de conceitos como ponto de escuta, para se compreender tais obras e sua dimensão política.

Resumo expandido

    Filmes realizados sobre a experiência da música, seja entre os que a produzem, entre os que a reproduzem, ou os que a vivenciam, oferecem oportunidades bastante interessantes de análise quando confrontados com a teoria do som no cinema. Tais oportunidades se tornam ainda mais frutíferas quando estudamos filmes de sound systems, apresentados em encontros anteriores como os que têm como tema principal os coletivos que tocam predominantemente o gênero musical conhecido como reggae, compostos por selectors (DJs), operadores (engenheiros de som) e MCs (Mestres de Cerimônia), além do público que vive, vibra e dança essa cultura.

    Obras ficcionais como Babylon (Franco Rosso, 1981) e documentários como Sound Business (Molly Dineen, 1981), Dancehall Vibes (Ruppert Gabriel, 1994), Minha Boca, Minha Arma (Leonardo Vidigal e Delmar Mavignier (2016) e Sound System, a voz da quebrada (Fernando Augusto, 2019), podem ser pensados a partir das três faixas de frequência [wavebands] propostas pelo teórico jamaicano Julian Henriques para se analisar os sound systems (podemos abreviar para “sounds”), relacionando-as com a organização das equipes de filmagem e de som. A faixa de frequência material, relacionada aos alto-falantes e outros aparatos técnicos, é personificada pelo engenheiro de som dos sounds e pelo técnico de som, mixador e editor sonoro no filme; a faixa de frequência corporal, ligada à escolha das músicas certas e consequente favorecimento da dança, é personificada pelo selector nos sounds e pelo editor no filme, que seleciona as músicas escolhidas previamente pelo DJ; e faixa de frequência sociocultural, que é a compreensão do contexto cultural e comunicação com o público, personificada pelo MC nos sounds e pelo diretor no filme.

    Dessa maneira, esse esquema também pode ser empregado na análise dos filmes, pensando nas analogias entre as equipes, mas talvez a teoria mais produtiva seja aquela onde Henriques identifica a “dominância sonora” exercida pelos sound systems na ocupação de espaços públicos, onde o som o som em si é tanto uma fonte como uma expressão desse poder, pois está em todo o lugar. Esse poder pode ser colocado em contraste com a atividade do câmera, que organiza as imagens em planos e tomadas de forma separada, de um ponto de vista por vez. Assim, o par ponto de vista/ponto de escuta pode começar a ser empregado em uma análise de como os filmes de sound systems tranformam essa cultura em obras audiovisuais.

    Aqui podemos trabalhar com a diferenciação sonora entre o cinema ficcional e documental. Na seara documental, desde que as equipes de filmagem ganharam total mobilidade e se tornou possível gravar o som direto ao mesmo tempo que as imagens, a inserção de sons não captados in loco ou música pós-sincronizada na montagem se tornou um problema, sendo necessário que a equipe de som geralmente privilegie a captação direta, para satisfazer a expectativa de veracidades desses filmes. Nesse caso, o ponto de escuta subjetivo pode ser associado ao ponto de escuta do técnico de som, que pode se sobrepor a uma das pessoas filmadas, enquanto que, nos filmes estudados, as fontes sonoras geralmente são os enormes alto-falantes customizados dos sound systems. Por outro lado, as equipes de som dos filmes ficcionais conseguem ter uma liberdade muito maior para trabalhar as três camadas de som do filme: vozes, efeitos sonoros e música (não esquecendo do “silêncio” temperado pelo som ambiente). Os pontos de escuta são relacionados a personagens, espaços e aos espectadores, o que abre espaço para pensarmos nas diferenças entre o público de um filme (sentado, contemplativo, seguro, preso à narrativa, com pontos de vista e de escuta direcionados), e o público de um evento real de sound system (de pé, participativo, exposto, livre da narrativa, com pontos de vista e de escuta múltiplos). Dessa maneira, podemos tentar compreender melhor estes filmes e sua dimensão política de modo transversal e interdisciplinar.

Bibliografia

    HENRIQUES, Julian. Sonic bodies: Reggae Sound-systems, performance techniques and ways of knowing. Londres: Continuum Books, 2011.

    ______________. A Dominância Sônica e a Festa de Sound System de Reggae. Revista Eco-Pós, v. 23, n. 1, 2020, pags. 44-80.

    VIDIGAL, Leonardo. Reggae Documentaries in Brazil. In: Carolyn Cooper (Org.) Global Reggae. Kingston: Canoe Press, 2012.

    ______________. Enredando imagens e sons do Brasil, Jamaica e Reino Unido: documentários sobre reggae e a cultura dos sound-systems In: Valente, Antonio Costa e Capucho, Rita (orgs.) Avanca: Cinema 2016. Avanca : Editora Cineclube de Avanca, 2016.

    ___________________. Analisando filmes sobre sound-systems: Sound Business e Babylon. Anais JISMA, RIO DE JANEIRO, 4ª EDIÇÃO, 2019.

    VIDIGAL, Leonardo; MORAIS, Marina de. Ponto de escuta e tridimensionalidade sonora na ficção e no documentário.PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v.10, n.19: mai.2020.