Ficha do Proponente
Proponente
- João Victor de Sousa Cavalcante (UFPE)
Minicurrículo
- João Victor de Sousa Cavalcante é cientista social, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde desenvolve pesquisa sobre as figurações políticas da monstruosidade na literatura e na cultura visual. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do grupo Narrativas Contemporâneas (PPGCOM/UFPE). E-mail: joaosc88@gmail.com.
Ficha do Trabalho
Título
- Notas sobre monstro e multidão em Béla Tarr e Vladimir Herzog
Resumo
- A partir das figuras do monstro e da multidão, o trabalho elabora reflexões sobre os filmes As Harmonias de Werckmeister (Béla Tarr e Ágnes Hranitzky, 2000) e Nosferatu – o Vampiro da Noite (Werner Herzog, 1979). O objetivo é pensar como, nas duas obras, as imagens da monstruosidade são mobilizadas na proposição de formas outras de pensar o sensível e o comum. Interessa pensar como monstro e multidão propõem modos insurgentes de pensar a política, como desvios à figura unívoca do estado.
Resumo expandido
- O trabalho propõe uma leitura comparada entre os filmes As Harmonias de Werckmeister (Béla Tarr e Ágnes Hranitzky, 2000) e Nosferatu – o Vampiro da Noite (Werner Herzog, 1979). O objetivo é pensar a figura do monstro como um elemento de ruptura com a ordem e que propõe modos não antropocêntricos de pensar o político. A partir do monstro e da multidão, figuras correlatas nos dois filmes, interessa pensar a proposição de formas outras de sensível e de comum que não as baseadas na representação e na figura unívoca do estado.
Interessa pensar a figuração política da monstruosidade nas duas obras como aberturas do sensível a um tipo de confronto com a ideia de poder. Os dois filmes, distintos em procedimentos e em contextos, partem de um disparador comum: a irrupção do elemento monstruoso na cidade e a insurgência de um caos político que tensiona monstro, sociedade e multidão. No filme de Tarr, trata-se da chegada de um circo com duas atrações, uma baleia empalhada e o Príncipe, figura disforme, mistura de pregador e líder populista que incita uma horda de homens à destruição da cidade. Em Herzog, trata-se de uma releitura da figura do vampiro, um trânsito entre Stoker e Murnau, que, por meio da doença, desmonta a ordem vigente na cidade.
Em ambos os filmes o monstro é arauto e agente de um tipo de catástrofe ligada ao contágio (de ideias, de doenças) e que arregimenta uma pulsão que desafia a relação entre poder estatal e monopólio da violência (WEBER, 2015). O monstro torna possível um outro modo de pensar o político, seja como algo que se volta contra o poder, ou pela suspensão mesma das relações de dominação, como um elemento cosmopolítico (STENGERS, 2020), que desacelera o movimento da ordem, e que é capaz de propor um desvio ao pensamento e à ação. Por meio de figuras heterogêneas, o animal, a doença, o estrangeiro, os dois filmes tornam evidente a existência de outros mundos e de outros modos de organizar o comum. Com o monstro, e a partir dele, toda uma sorte de diplomacias entre figuras não antropocêntricas são convocadas para a política, em divergência com a noção de estado, máquina territorialista (DELEUZE E GUATTARI, 2010), que organiza os sujeitos em corpos homogêneos (BATTAILLE, 1979).
O trabalho concentra-se na imagem da multidão como uma força biopolítica, multiplicidade anárquica, informe, que se esquiva à transcendência de um poder totalizante (GIORGI & RODRÍGUEZ, 2007). Tarr e Herzog, em movimentos distintos, posicionam uma série de imagens antiestatais, formas de vida inassimiláveis, que se recusam à unificação entre forma e sentido. Trata-se de filmes que trazem forças sensíveis que deslocam e desviam a relação entre imagem e política. O monstro não é tomado neste trabalho como metáfora ou símbolo de forças transcendentes, mas como modo de existência, vida sensível capaz de agência, entendido como máquina de guerra (DELEUZE E GUATTARI, 1996).
O monstro como forma de vida sensível mostra-se um dispositivo político dinâmico e que atravessa os dois filmes. Trata-se de um operador de conceituação difícil, cuja porosidade capitaliza um vasto acervo de referências do cinema, da literatura, das artes plásticas, do mito e da política. Cotejar esses filmes implica em um arranjo no qual estas imagens são capazes ampliar o escopo de inquietações do trabalho. Pensar o monstro comparativamente não implica uma busca por equivalências, mas em torções e distorções que dilatam o escopo de análise. Nesse sentido, o trabalho se debruça sobre os dois filmes de modo transversal, com o objetivo de pensar as categorias comparativas a partir do que Bataille (2018) propõe como informe, como uma categoria que pensa as imagens a partir da dessemelhança e da montagem (BATAILLE, 2018; DIDI-HUBERMAN, 2015).
Bibliografia
- BATAILLE, Georges. Documents. Florianópolis: Editora Cultura e Barbárie, 2018
_________________. The Psychological Structure of Fascism. New German Critique, New York, v. 1, n. 16, p. 64-87, jun. 1979.
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs (vol.3). São Paulo: Editora 34, 1996.
________________________________. Anti Édipo. São Paulo: Editora 34, 2010.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A semelhança informe: ou o gaio saber visual segundo Georges Bataille. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.
NEGRI, Antonio. El monstruo político: vida desnuda y potencia. In: GIORGI, Gabriel; RODRÍGUEZ, Fermín (org.). Ensayos sobre hiopolítica: excesos de vida. Buenos Aires: Paidós, 2007. p. 93-140.
STENGERS, Isabelle. A proposição cosmopolítica. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 69, p. 442-464, abr. 2020.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2015.