Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Edileuza Penha de Souza (IFB / UnB)

Minicurrículo

    Professora, Documentarista e Pesquisadora. Pós doutora em Comunicação (2018) e doutora em Educação (2013) pela Universidade de Brasília (unB). Mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB, 2005), graduada em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES, 1994). Desde 2006 desenvolve pesquisas na área de cinema, com ênfase no Cinema Negro no Brasil, Cinema africano e diaspórico.

Ficha do Trabalho

Título

    “Mãe dos netos” Afeto, memória e identidade no cinema

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Resumo

    A proposta é discutir o doc Mãe dos Netos, 2008 Isabel Noronha e Vivian Altman como possibilidade de reconstruir histórias de afetos, ancestralidade, memória e identidade. O filme é uma história resultante do HIV em Moçambique, que, inexoravelmente, rasga o tecido familiar, criando um vazio de figuras adultas e deixando nas mãos dos idosos o cuidado de crianças. O objetivo é discutir o cinema negro de animação e edificar categorias como afeto, corporalidade, ancestralidade, identidade e memória.

Resumo expandido

    Ouça no vento / O soluço do arbusto:
    É o sopro dos antepassados. / Nossos mortos não partiram.
    Estão na densa sombra. / Os mortos não estão sobre a terra.
    Estão na árvore que se agita, / Na madeira que geme,
    Estão na água que flui, / Na água que dorme,
    Estão na cabana, na multidão; / Os mortos não morreram…
    ANCESTRALIDADE – BIRAGO DIOP

    Produzido em Moçambique pela FDC – Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade, realizado por Isabel Noronha e Vivian Altman, o curta-metragem “Mãe dos Netos”, 2008, é um documentário com duração de seis minutos, narrado por Vovó Elisa, personagem central. Ela conta a história de Francisco, seu único filho e herdeiro, de como ele e suas oito mulheres morreram em decorrência do HIV/Aids, ficando sob sua responsabilidade 14 netos. “É uma história que simboliza um pouco a desestruturação de todo um tecido nacional e da noção quase mítica da família alargada”, disse a realizadora Isabel Noronha em entrevista à Rádio Voz da América, no CINEPORT – Festival de Cinema de Língua Portuguesa, ocorrido em maio de 2009, em João Pessoa, onde pela primeira vez o filme foi exibido no Brasil.
    O documentário retrata uma história real, um problema social, cultural, econômico e político. Descreve a morte e a desintegração familiar, ao mesmo tempo em que traça o apoio mútuo e os afetos que operam na família Muchanga. A naturalidade e a leveza das crianças na tela trazem a necessidade de se pensar sobre a continuidade das famílias, uma vez que, afetadas pela doença e consequente morte decorrentes do vírus da Aids, são forçadas radicalmente a romper com as tradições comunitárias, segundo as quais as famílias são constituídas dentro de uma construção coletiva e ampliada. As crianças são a representação do futuro, são elas que possibilitam a continuidade de cada comunidade, portanto, a responsabilidade sobre elas é de todos e não se limita na figura da família nuclear (Somé, 2003).
    A comunidade é também o cenário do filme; embaixo de um Baobá , na medida em que Vovó Elisa narra a morte do filho e suas esposas, ela vai recebendo seus netos e netas como quem recebe uma oferenda. O local onde mora ressoa vida. Uma das câmeras parece captar impremeditadamente as galinhas ciscando no quintal e as pessoas que transitam tranquilamente nos fundos da cena principal.
    Inicialmente o filme nos apresenta seus personagens como num desenho animado, modelados em massinha de biscuit, nos envolvendo na história de Vovó Elisa sem muita interação, até que, como num passe de mágica, marcado por uma expressão em um idioma africano, as imagens se transportam para o mundo real. “Produzindo uma estrutura mais complexa, dotada de maior poder de explicação” (Pinto, 1976, p. 8), o cenário, as roupas e os personagens antes modelados são agora seres e objetos reais, de uma realidade dura e cruel em que somos chamados a compartilhar da morte das mães das crianças e, por que não dizer, da responsabilidade por cada uma das 14 crianças.
    A proposta desta apresentação é elencar algumas das narrativas do documentário moçambicano, como possibilidade de discutir o cinema negro de animação e reconstruir histórias de afetos, ancestralidade, memória e identidade. Busco na narrativa da personagem Vovó Elisa enfatizar as representações e significados culturais que as narrativas visual e auditiva possibilitam. Parto da premissa de que o desejo de Vovó Elisa de ver seus netos crescerem e perpetuarem os valores de sua comunidade é o que constitui o princípio da sua narrativa. As glórias comuns do passado, o desejo comum no presente: este é o capital social no qual se baseia a ideia do afeto em sua comunidade.

Bibliografia

    BARTHES, R e outros. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 1976.
    BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.
    GAUDREAULT, A. e JOST, F. A narrativa cinematográfica. Brasília: UnB, 2009.
    MOTTA, L. G.. Narratologia: teoria e análise da narrativa jornalística. Brasília: Casa das Musas, 2005.
    OLIVEIRA, E. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma filosofia afrodescendente. Fortaleza: Ibeca, 2003.
    RICOEUR, P. Tempo e Narrativa. São Paulo: Papirus, 1994. Tomo III.
    SIMMEL, G. Filosofia do Amor. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
    SOME, S. O espírito da intimidade. São Paulo: Odysseus, 2003.
    SOUSA, A.M. A epidemia pelo HIV/Aids: repercussões na saúde sexual da mulher moçambicana. In: Fazendo Gênero 8: corpo, violência e poder. Florianópolis, 25-28 ago. 2008.
    SOUZA, E. P. (Org.). Negritude, cinema e educação: caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003. Belo Horizonte: Mazza, 2007. v. 2.