Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Giancarlo Casellato Gozzi (USP)

Minicurrículo

    Atualmente é doutorando na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde pesquisa séries televisivas contemporâneas e a interseção nelas do modo melodramático e representação histórica. Mestre pela mesma instituição, sua dissertação versou sobre as diferentes formas com que a série televisiva americana “House of Cards” interage e se comunica com seu público e sua época, na intersecção entre modalidades de manter a atenção do espectador e a produção de um comentário político.

Ficha do Trabalho

Título

    Modo e gênero melodramático em “Mad Men”: serialidade e alusão

Resumo

    Esta apresentação consiste em analisar como a série televisiva “Mad Men” se apropria do modo melodramático, ao mesmo tempo aludindo a um gênero específico, o melodrama familiar doméstico dos anos 1950, e fazendo pleno uso das potencialidades melodramáticas da serialidade. A partir da análise das primeiras três temporadas da série, pretendo analisar como o retorno irônico do gênero passado e o pathos acumulado de “Mad Men” produzem uma visão crítica da década de 1960 e dos dias de hoje.

Resumo expandido

    “Mad Men” (Matthew Weiner, AMC, 2007-15) é uma aclamada série televisiva conhecida por seu retrato cínico e crítico da década de 1960, centrada em uma agência publicitária e seu misterioso e ambíguo diretor de Criação, Don Draper. A série se utiliza de diversos elementos para dar verossimilhança ao seu universo diegético e localizá-lo nos anos 1960: a construção dos sets, o uso de roupas e objetos da época, músicas, filmes e programas de televisão do momento, grandes eventos históricos que marcaram o período. Mas esse material, que informa visualmente a presença da trama naquele período, é apenas parte da relação que a série cria com o tempo histórico que retrata. Sua exploração das grandes mudanças sociais e culturais do período, e como elas são sentidas pela classe média daquele momento, dependem de uma estrutura melodramática seriada que envolve os espectadores na trama e permite que eles compreendam, emocionalmente, as turbulências daquele momento.
    Central aqui é a articulação entre emocionalismo melodramático e a extensão temporal permitida pela serialidade, que afeta os espectadores e nutre sua fidelidade à série e seu investimento temporal nela (WILLIAMS, 2018). O pathos experimentado pelos personagens se acumula pelos episódios e temporadas, os projetando a agirem como agem. Dessa forma, a serialidade televisiva permite uma manipulação do tempo diegético, que serve aos propósitos do melodrama de geração de suspense e clarificação simbólica (PRIBRAM, 2018). Da análise desse acúmulo de pathos dos personagens, podemos delinear os principais temas da série, em especial as fragilidades e os limites da ideia de auto-invenção pessoal (o self-made man americano).
    Nenhum dos personagens de “Mad Men” simboliza tanto as limitações e contradições do “American Way of Life” quanto seu protagonista, Don Draper. Draper na realidade se chama Dick Whitman, filho bastardo de um pobre fazendeiro que assume uma nova identidade e forja a si mesmo, no melhor estilo do “self-made man”. O que percebemos, na medida em que a série revela a história de como Dick vira Don, é que esse protagonista é em si um produto, o que explica também seu sucesso como publicitário. Toda sua identidade é construída em torno da imagem de um homem bem-sucedido do período; Dick Whitman cria o seu Don Draper do zero, produzindo com isso uma personalidade que ele quer ser, mas que nunca consegue emular de fato. Ele simboliza tanto o otimismo do pós-guerra em promover uma vida afluente suburbana quanto seu contraponto de infelicidade e vazio material. Sua construção identitária por meios de bens de consumo não-duráveis espelha também a ênfase no consumo conspícuo característico do Sonho Americano, e simboliza seu vazio material e constante frustração.
    Essa construção por meio de produtos também se aproxima de um gênero específico do melodrama: o melodrama familiar dos anos 50, em sua pressão dramática exercida nos personagens por meio da “função da decoração e a simbolização dos objetos: o cenário do melodrama familiar quase que por definição é a casa de classe média, cheia de objetos”, de abundância sufocante para os que nela vivem (ELSAESSER, 1987, p. 61). É só nos lembrarmos da cena em Palavras ao Vento (Douglas Sirk, 1956) em que Robert Stack presenteia Lauren Bacall com um quarto de hotel cheio de roupas glamourosas, perfumes, sapatos e chapéus, para o horror dela.
    A partir da análise tanto desse retorno irônico ao gênero do melodrama familiar doméstico, com sua hiper simbolização de elementos cênicos, quanto do uso das potencialidades melodramáticas da serialidade, com seus acúmulos emocionais que impulsionam a ação, pretendo nessa apresentação analisar como “Mad Men” produz uma visão crítica dos anos 1960. Ao mesmo tempo, pretendo indagar o quanto que essa visão crítica da gestação de uma sociedade centrada no consumo não seria também um processo arqueológico, procurando entender uma crise atual do esgotamento deste modelo de sociedade.

Bibliografia

    ELSAESSER, Thomas. “Tales of Sound and Fury: Observations on the Family Melodrama”. In: GLEDHILL, Christine. (ed.) ​Home Is Where the Heart Is​: Studies in Melodrama and the Woman’s Film. Londres: BFI Publishing, 1987 [1972], p. 43-69.
    PRIBRAM, E. Deirdre. “Melodrama and the Aesthetics of Emotion”. In: WILLIAMS, Linda; GLEDHILL, Christine (ed). ​Melodrama Unbound:​ Across History, Media, and National Cultures. Nova York: Columbia University Press, 2018, p. 237-251.
    SPRENGLER, Christine. “Complicating Camelot: Surface Realism and Deliberate Archaism”. In: STODDART, Scott. (ed.) ​Analyzing Mad Men: critical essays on the television series.​ Jefferson: McFarland & Company, Inc, 2011, p. 234-252.
    WILLIAMS, Linda. “World and Time: Serial Television Melodrama in America”. In: WILLIAMS, Linda; GLEDHILL, Christine (ed). ​Melodrama Unbound:​ Across History, Media, and National Cultures. Nova York: Columbia University Press, 2018, p. 169-183.