Ficha do Proponente
Proponente
- ana rosa marques (UFRB)
Minicurrículo
- Ana Rosa Marques é professora do curso de cinema da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Bacharel em Comunicação pela UFBA, Mestre em Comunicação pela UFF e Doutora pela UFBA.
Ficha do Trabalho
Título
- O sentido do precário na montagem
Seminário
- Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências
Resumo
- Em alguns filmes do documentário brasileiro contemporâneo observamos o uso de uma linguagem caracterizada pela precariedade ou improviso que parece ir contra os manuais mais convencionais de edição. Nossa proposta é, a partir da análise dos filmes, observar quais efeitos estéticos e políticos produzem e que experiência propõem ao espectador. Buscamos assim pensar o papel da montagem e do montador no documentário e em relação com as diversas narrativas que usam o real como matéria prima.
Resumo expandido
- Em Pacific (2009), de Marcelo Pedroso, obra realizada com material filmado e cedido por turistas de um cruzeiro, as imagens tremem, hesitam no enquadramento ou saem de foco. No longa Os Dias com Ele (2013), de Maria Clara Escobar, imagens subexpostas ou que se detém em objetos e espaços permeiam a narrativa. Já em Diários de Classe (2017), de Maria Carolina da Silva e Igor Souza, vemos uma cena numa sala de aula filmada com duas câmeras. A cada troca de plano, chama a atenção a diferença de exposição entre uma câmera e outra. São exemplos de práticas de montagem no documentário brasileiro contemporâneo que parecem ir contra os manuais mais convencionais de edição que preconizam como primeira etapa do trabalho o descarte dos planos com problemas técnicos.
Para além desses aspectos que, num primeiro momento, possam parecer defeitos, o que possuem essas imagens que as fazem permanecer no corte final? Quais as razões que motivam os montadores as irrelevá-las ou até mesmo destacá-las na narrativa? Que efeitos estéticos e políticos produzem nas obras individualmente e o que podem dizer a respeito do documentário? Que experiência propõem ao espectador? A partir da análise de alguns filmes que possuem as características acima citadas buscaremos refletir sobre essas questões articulando-as também ao contexto do atual regime de visibilidade gerado pela proliferação e imediaticidade de dispositivos e plataformas de registro e difusão de imagens.
Os manuais trazem regras para formatar um certo tipo de visualidade exigida aos padrões industriais. Padrões que desconsideram ou dificultam o que muitos documentaristas e pensadores do campo vem valorizando: a liberdade, a singularidade, a partilha. Para tanto o documentário procura e experimenta uma cena com menor controle sobre as pessoas e os acontecimentos. De diferentes maneiras, frequentemente destacam a experiência da filmagem e as características citadas acima podem trazer os vestígios da relação com o outro, com o espaço e o tempo filmados e com a tecnologia. A tarefa do montador, portanto, é ser permeável ao que foi vivido na cena e tentar mantê-lo na montagem.
Por outro lado, como já identificou Ilana Feldman (2008), os aspectos de precariedade, improviso ou amadorismo foram apropriados e transformaram-se em procedimentos de linguagem também das narrativas do espetáculo, a exemplo do cinema hollywoodiano, das novelas e reality shows como forma de intensificar os efeitos de real e reivindicação de autenticidade para suas narrativas. Sendo assim, de que maneira as narrativas documentais podem diferenciar-se dessas narrativas que tem no real a sua matéria-prima? Que outras relações com as imagens e entre as imagens a montagem pode estabelecer?
Bibliografia
- BRASIL, André. A montagem no cinema brasileiro. 2011. Disponível em: http://gabrielmascaro.com/wp-content/uploads/2010/07/ .
_________. Modulação/Montagem: ensaio sobre biopolítica e experiência estética. 2008. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura Contemporânea) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
GAUTHIER, Guy. “A montagem, ou o olhar revisitado”. In: GAUTHIER, Guy. O documentário: um outro cinema. Campinas: Papirus, 2011.
FELDMAN, Ilana. O apelo realista. Revista Famecos – Dossiê Menções de destaque – Compós. Porto Alegre, n. 36, ago. 2008. Disponível em: hhtp://revcom2.portcom.intercom.org.br/index.php/famecos/article/viewfile/5472/4970
NINEY, François. Le documentaire et ses faux-semblants. Paris: Klincksieck, 2009.
XAVIER, Ismail. O Discurso cinematográfico – a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.