Ficha do Proponente
Proponente
- Vinícius Andrade de Oliveira (UNIAESO)
Minicurrículo
- Doutor em comunicação pela UFMG, mestre na mesma área pela UFPE. Professor (UNIAESO, Olinda-PE), curador (Mostra Joel Zito Araújo, Festcurtas BH, Lumiar), tem escrito para diversas publicações nas áreas de cinema e jornalismo (Revista Devires, Revista Continente, Marco Zero Conteúdo) e colaborado com diversos festivais e mostras (Fórumdoc, Mostra Lona, Cineclube comum). Atua na interface entre audiovisual e intervenção social em coletivos de Recife e Belo Horizonte.
Ficha do Trabalho
Título
- Fazeres das imagens, saberes das lutas
Seminário
- Cinema e Educação
Resumo
- Uma das modalidades de participação de filmes em lutas urbanas se refere a capacidade de transmitir um conjunto de saberes apreendidos pelos movimentos sociais no embate com os poderes instituídos. Buscamos demonstrar como tal dimensão pedagógica é engendrada no filme A Revolta do Buzú (2003), de Carlos Pronzato, fazendo dele, num primeiro momento, um agente da gênese do Movimento Passe Livre no Brasil e, anos depois, um valioso material didático nas atividades de base do movimento.
Resumo expandido
- Nos derradeiros meses de 2003, o documentarista Carlos Pronzato recebe o convite para participar, no Rio Grande do Sul, do “Fórum Gaúcho de Juventudes”: Tratava-se de um encontro organizado por uma militância jovem ligada a diferentes movimentos emergentes na região, que ali interessavam-se em escutar a respeito do cinema dedicado à intervenção social. Saído da efervescência de lutas que marcaram Salvador na segunda metade daquele ano, o documentarista decide apresentar trechos do material gravado em meio àquela que veio a ser conhecida, popularmente, como a “Revolta do Buzú;”. O impacto das imagens nos jovens é de tal magnitude que Pronzato se apressa em montá- las, solicitando, para essa tarefa, o apoio da prefeitura de Três de Maio, município onde o evento se desenrolava.
A recepção entusiasmada do público do “Fórum Gaúcho de Juventudes” ao material que comporia o documentário A Revolta do Buzú (2003) é exemplar do forte apelo que o filme revelaria adiante, em círculos militantes envolvidos no debate sobre o tema do transporte e da tarifa zero no país. Não apenas em Salvador e em cidades do Sul, como Porto Alegre e Florianópolis, mas também em Brasília e São Paulo o documentário foi visto e discutido intensamente por jovens em processo de formação política preocupados com os rumos da questão da mobilidade nas cidades brasileiras. Demonstrando, ao canalizar os anseios dessa juventude, uma notável capacidade de se fazer portador e transmissor de aprendizados sobre modos de organização e estratégias de ação possíveis, A Revolta do Buzú, de Carlos Pronzato, tornou-se um verdadeiro agente da gênese do Movimento Passe Livre no Brasil.
Essa capacidade é entendida aqui como uma dimensão pedagógica potencialmente engendrada em alguns filmes realizados em aliança com movimentos sociais e constitui uma das modalidades destacadas de intervenção de documentários em processos de luta social. Tal dimensão se descortina quando os filmes, ao se abrirem a uma documentação solidária aos movimentos e mostrarem-se permeáveis aos acontecimentos filmados, são capazes de transmitir um conjunto de saberes forjados e/ou apreendidos por tais movimentos no embate com os poderes instituídos. São documentários bem-sucedidos em elaborar aquilo que Luciana Tatagiba, Stela Paterniani e Thiago Trindade – na esteira de autores como Charles Tilly e Sidney Tarrow – chamaram de “repertórios de ação”, práticas e discursos (fazeres e saberes) constituídos coletivamente pelos atores envolvidos em um determinado conflito, resultantes da conjuntura que opõe sua “capacidade de agência” aos “constrangimentos do cenário no qual atuam” (2012, p. 401-402).
A pedagogia portada e potencialmente transmitida pelos filmes está articulada à capacidade singular de cada obra de tramar suas imagens em uma relação de “permeabilidade” a cenas e conflitos políticos protagonizadas pelos sujeitos ligados ao movimento social em questão. Encontra-se, nesse sentido, na dependência dos modos específicos pelos quais um filme forja sua tessitura no contato com um “repertório específico”: uma certa maneira de organizar a narrativa em diálogo com as estratégias de ação empregadas pelos militantes, os recursos peculiares mobilizados para aderir a slogans, pautas e cânticos, a abertura para tomadas de palavra dos sujeitos, um ritmo para acompanhar o desenvolvimento da luta, deixando-se atravessar, em maior ou menor medida, por suas vibrações e energias.
Bibliografia
- BRENEZ, Nicole. Political cinema today: the new exigences – For a Republic of the imagens. Melbourne, 28 septembre 2011.
KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Editora Paz e Terra, 1980.
MOVIMENTO PASSE LIVRE (São Paulo). “Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo”. In: MARICATO, Ermínia et al. Cidades Rebeldes: Passe Livre as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial: Carta Maior, 2013.
NASCIMENTO, Manoel. Teses sobre a Revolta do Buzú. Cadernos do CEAS: Revista crítica de humanidades, n. 231, p. 31-45, 2016.
PRONZATO, Carlos. Los Traidores e o cinema combativo de Raymundo Gleizer. Revista O Olho da História. n.18, Salvador, julho de 2012.
TATAGIBA, Luciana; PATERNIANI, Stella Zagatto; TRINDADE, Thiago Aparecido. Ocupar, reivindicar, participar: sobre os repertórios de ação do movimento de moradia de São Paulo. Opinião Pública, v. 18, n. 2, p. 399-426, 2012.