Ficha do Proponente
Proponente
- LUÍS FELIPE DUARTE FLORES (UFMG)
Minicurrículo
- Doutor em Comunicação Social no PPGCOM-UFMG, com tese sobre o cineasta alemão Harun Farocki. Mestre em Cinema na EBA-UFMG, com dissertação sobre o cineasta franco-alemão Max Ophuls. Ensaísta, crítico e pesquisador de cinema, colaborou para diversas revistas e catálogos de mostras. Co-organizou as retrospectivas de Rithy Panh e Trinh T. Minh-ha no Brasil. Curador do CineCipó e da Lona. Foi curador do Festcurtas BH (2015, 2016 e 2017) e do forumdoc.bh (2015). Atua também como professor e tradutor.
Ficha do Trabalho
Título
- Elaborações da história alemã em Harun Farocki e Straub-Huillet
Seminário
- Cinema Comparado
Resumo
- Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, junto a Harun Farocki, estão entre os cineastas mais combativos e metódicos da segunda metade do século XX. Em diversas ocasiões, eles teceram elaborações críticas pungentes de aspectos da realidade social alemã e elementos históricos a ela latentes. Dessas duas matrizes de cinema, cotejaremos três filmes que lidam com o período nazista: Machorka-Muff (1962) e Não-reconciliados (1965), de Straub-Huillet, e Entre duas guerras (1978), de Farocki.
Resumo expandido
- Situados entre os principais cineastas que atuaram na Alemanha na segunda metade do século XX, Danièle Huillet, Jean-Marie Straub e Harun Farocki realizaram análises pungentes de aspectos econômicos e sociais do mundo contemporâneo. Frequentemente, em seus filmes, os elementos da realidade são articulados a fenômenos históricos variados, de modo a elaborar uma compreensão renovada do presente e do passado. Não obstante as diferenças estéticas entre essas duas matrizes de cinema, podemos reconhecer entres elas pontos de contato decisivos, em particular a herança brechtiana e o pertencimento a uma tradição insubmissa de cinema de esquerda na Europa.
Straub-Huillet produziram obras de elevado valor estético e político, seja pelo rigor de seus procedimentos expressivos ou pela valorização de posições de mundo contestadoras. Seus dois primeiros filmes, Machorka-Muff (1962) e Não-reconciliados (1965), baseados no escritor antinazista Heinrich Böll (Cf. BRADY, 1995/2008), abordam diretamente a remilitarização da Alemanha no pós-guerra e a persistência de elementos nazistas no país. De maneira geral, o casal desenvolve em sua filmografia um enfrentamento metódico do capitalismo e do totalitarismo, lançando mão, a cada filme, de formas peculiares. De modo similar, Farocki se orientou pela luta anticapitalista e pelo pensamento de esquerda, sobretudo marxista, participando ativamente das lutas sociais em Berlim Ocidental nos anos 1960. Embora tenha se especializado na vertente documental, podemos identificar, em filmes como Narrar (Erzählen, 1975) e Entre duas guerras (Zwischen Zwei Kriegen, 1978), afinidades importantes com Straub-Huillet. Ao longo de sua carreira, destaca-se uma postura crítica na avaliação do presente, fincada na construção de conhecimento combativo e na luta concreta contra a opressão capitalista.
Entre os projetos de Straub-Huillet e de Farocki, existe uma premissa comum de resistência anticapitalista, que se expressa na própria escritura fílmica, em divergência com os modelos hegemônicos de cinema. Há também indícios factuais que corroboram a influência do casal nas investigações estéticas de Farocki, em especial no projeto de Entre duas guerras (Cf. FAROCKI, ELSAESSER, 2004; FAROCKI, 2013; FAROCKI, 2017; EHMANN, ESHUN, 2013). Queremos observar, com base nessas afinidades, a correspondência de temas e formas em três obras desses cineastas que lidam criticamente com o passado nazista, remetendo-o aos perigos do presente. Do casal, tomaremos Machorka-Muff (1962) e Não-reconciliados (1965), e de Farocki tomaremos Entre duas guerras (1978). Além de motivos e personagens afins, os três filmes comungam na tentativa de compreender as condições de emergência do fascismo, sem perder de vista suas reconfigurações históricas.
Se esse gesto não é, no âmbito do Novo Cinema Alemão, exclusividade deles, é preciso dizer que as abordagens de Farocki e Straub-Huillet são, no mínimo, singulares, encontrando poucos paralelos nas produções de então — valendo mencionar, ao menos, Alexander Kluge. Em movimentos dialéticos certeiros, eles reordenam a história alemã recente de suas épocas, de modo que o período nazista seja entendido não como um episódio isolado, delimitado no tempo e no espaço, mas sim como a manifestação extrema de horrores sistemáticos que se proliferam no presente capitalista. Eles reverberam, vale dizer, uma conhecida formulação de Brecht (1935/1964), segundo a qual o fascismo é uma etapa histórica do capitalismo, representando ao mesmo tempo o velho e o novo. Enquanto Farocki apresenta uma sensibilidade acentuada para os fatores econômico-industriais, Straub-Huillet evidenciam os traumas alemães e a continuidade da ideologia nazista. Nesse sentido, os três artistas estabelecem uma relação crítica com a realidade da Alemanha nas décadas de 1960 e 1970, período marcado pela crescente remilitarização do país e pelo avanço neoliberal, sob o mando de um governo servil, em conluio com o imperialismo estadunidense.
Bibliografia
- ASPAHAN, Pedro Cardoso. Composição musical e pensamento cinematográfico (tese sobre Straub-Huillet). Belo Horizonte: UFMG, 2017.
ARAÚJO, Mateus; DUMANS, João. Dossiê Straub-Huillet. Revista Devires, v.10, n.1, 2013.
BRECHT, Bertolt. “Writing the truth: Five difficulties”. In: Civil liberties and the arts. New York: Syracuse University Press, 1935/1964, p. 292-305.
BRADY, Martin. Documentation and fiction in Straub and Huillet’s adaptations of Böll’s Hauptstädtisches Journal and Billard und halbzehn (tese). Londres: King’s College London, 1995/2008.
EHMANN, Antje; ESHUN, Kodwo. “A to Z of HF or: 26 introductions to HF”. In: Harun Farocki. Londres: Koenig Books, 2009, p. 204-216.
FAROCKI, Harun. Zehn, zwanzig, dreißig, vierzig. (Fragmentos autobiográficos). Berlim: n.b.k, 2017.
___. Desconfiar de las imágenes. Buenos Aires: Caja Negra, 2013.
___; ELSAESSER, Thomas. “Making the World Superfluous” (entrevista). In: Harun Farocki: Working on sightlines. Amsterdam: AUP, 2004, p. 177-189.