Ficha do Proponente
Proponente
- Roberta Veiga (UFMG)
Minicurrículo
- Professora Dra. do Dep. Comunicação e do PPGCOM (UFMG); editora da Devires – Cinema e Humanidades; coordenadora do Poéticas Femininas, Políticas Feminista (UFMG-Cnpq). Introduziu e leciona Cinema e Feminismo (graduação) e Estéticas Feministas (pós); traduziu o livro Nothing Happens: Chantal Akerman’s Hyperrealist Everyday, de I. Margulies, escreve artigos sobre “cinema e escritas de si no feminino”, e capítulos de livros (Feminismo e Plural: mulheres no cinema brasileiro e Mulheres de Cinema).
Ficha do Trabalho
Título
- Filmar a mãe: exercícios-fílmicos no confinamento do ensino remoto
Seminário
- Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva
Resumo
- Retomo aqui minha pesquisa – formas insubordinadas de maternidade no cinema – partindo agora de exercícios-fílmicos realizados por alunas de Cinema e Feminismo (UFMG-2020/2), durante ensino remoto, no contexto da pandemia. Busco entender como e porque essas jovens escolhem voltar a câmera para suas próprias mães procurando engajá-las em alguma luta feminista. Interessa as implicações políticas e estéticas, que se amparam na intimidade, quando é o olhar para mãe como mulher que institui o filme.
Resumo expandido
- Essa proposta dá continuidade a duas outras apresentações dos encontros da Socine (2019) e do Fazendo Gênero (2020-21) que, a partir da pesquisa que venho desenvolvendo no grupo Poéticas Femininas, Políticas Feministas (UFMG), abordavam o que chamei “formas de insubordinação cinematográficas ao mito do amor materno”. Em ambos os contextos, o interesse foi mapear e elaborar acerca de figurações cinematográficas do maternar – principalmente, a relação mãe e filha – que de alguma maneira tensionam ou resistem ao padrão heteronormativo e hegemônico de maternidade construído pelos dispositivos de controle machistas, biopolíticos e capitalistas. Tais dispositivos institucionais, discursivos, mediáticos, em suas forças constritoras, que, muitas vezes anulam a subjetividade feminina, criaram historicamente um modo de ser mulher que só se define em relação ao ser mãe, acompanhando, nesse sentido, um padrão mitificado, estereotipado, entorno da mãe sagrada, sacrificial e perfeita.
Num primeiro momento, então, tratamos de filmes ficcionais que fazem oscilar as versões mitificadas da mulher-mãe, evocando subjetividades femininas que escampam ao modelo de reprodutoras e cuidadora integrais. Ao cinema caberia responder pela ficção como produtora de mundos possíveis do ser mãe, criados a partir de suas narrativas e mise-en-scènes. Em seguida, o cinema foi chamado a nos dar a ver a complexidade do vínculo entre mães e filhas, a partir de documentários no quais elas mesmas empunham as câmeras para filmar suas mães, de modo a tornar cada experiencia singular. Por serem elaborações cinematográficas processuais – incapazes de uma lida inteira com a relação -, tais experiencias se mostram lacunar e transbordam modelos rígidos (citamos filmes de Chantal Akerman, Naomi Kawase, Su Friederich, entre outras).
Para essa apresentação da XXIV Socine, o tema das formas insubordinadas de maternidade no cinema permanece, porém, partindo para uma terceira abordagem que preserva a dimensão documental. Trata-se de figurações maternas que interessam menos no sentido de portarem disrupções do padrão mitificado, mas de complexificarem o contexto da maternagem por uma perspectiva feminista interseccional, que carregam as representações entorno das lidas sociais, de classe e raça, que se mostram duras no exercício de maternar durante o período da pandemia.
Trago essa perspectiva através de exercícios-fílmicos elaborados por alunas do curso de Comunicação da UFMG, para a disciplina Cinema e Feminismo (2020/2), por mim ministrada no contexto do ERE (ensino remoto emergencial). Em pequenos curtas (os quais mostraremos trechos), essas jovens universitárias escolheram a própria mãe como personagem, amparadas na relação de intimidade, com intuito de manifestar a força das questões que implicam as mulheres política e socialmente de modo estético num momento de angustia próprio ao desamparo das trabalhadoras brasileiras no contexto da pandemia do Covid-19. A questão, enfim, que se coloca para essa comunicação passa pela proposta da disciplina Cinema e Feminismo, portanto por questões que envolvem a educação durante o ensino a distância, bem como o isolamento e suas frustrações, e a produção acadêmica e audiovisual nesse cenário.
Portanto, trata-se agora de olhar não apenas para os filmes, sejam eles ficções ou documentários, em suas formas fílmicas, mas o processo que levou essas alunas a filmar a mãe, a situação de confinamento. Nesse sentido, a apresentação se constitui por três camadas: 1) pensar a função da disciplina em sua dimensão remota e o afluir em uma produção que retoma o feminismo no contexto do confinamento; 2) refletir sobre a posta em cena do olhar para mãe como dispositivo que revela algo mais do que a intimidade no momento de pandemia; 3) analisar esses curtas de modo a destacar questões do feminismo interseccional e matricêntrico, bem como cruzá-los com filmes de circulação realizados por cineastas mulheres brasileiras que portem um gesto feminista.
Bibliografia
- BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. RJ: Nova Fronteira, 1985.
COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro. SP: Boitempo Editorial, 2019.
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FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa. São Paulo: Elefante. 2017.
hooks, bell. O feminismo é para todo mundo. São Paulo: Rosa do Ventos, 2018.
LORDE, Audre. Irmã Outsider: Autêntica, 2019.
MESQUITA, Claudia, e VEIGA, Roberta. O feminismo de Sarita: limiar, dialética e intersecionalidade em De cierta manera. Significação, SP: v. 48, n. 55, jan-jun. 2021
O’REILLY, Andrea. Matricentric Feminism: Theory, Activism and Practice. Paperback, Bradford: Demeter Press, 2016.
SCAVONE, Lucila. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos Pagu (16), 2001.
VEIGA, Roberta. Imagens que sei delas: ensaio e feminismo no cinema de Varda, Akerman e Kawase. In: HOLANDA, K. Mulheres de Cinema. RJ: Numa, 2019.