Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Natália Mendes Maia (UFC)

Minicurrículo

    Natália Maia é formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFC na linha de Fotografia e Audiovisual e professora de cursos livres em audiovisual. É também roteirista e diretora de cinema e televisão. Criou a série Lana & Carol (Canal Futura) e foi roteirista do filme “Pacarrete” (2019, dir. Allan Deberton).

Ficha do Trabalho

Título

    O fantasma palpável no cinema de Kiyoshi Kurosawa

Resumo

    Essa comunicação investiga o conceito ambíguo de “fantasma palpável” (KUROSAWA, 2008, p. 25, tradução nossa) na obra do realizador japonês Kiyoshi Kurosawa. Analisamos as presenças espectrais nos filmes Loft (2005) e Retribution (2006) para compreender como esse conceito elucida suas abordagens de encenação, que se inscrevem no chamado realismo fantasmagórico. Esse trabalho integra a pesquisa de mestrado “Tocar os Mortos: aparições de fantasmas no cinema de Kiyoshi Kurosawa”.

Resumo expandido

    No livro Mon Effroyable Histoire du Cinéma, o realizador japonês Kiyoshi Kurosawa (2008) fala sobre o “fantasma palpável”, uma forma objetiva que mostrar que o fantasma existe no quadro. “Eu acredito que aquilo que aparece em um filme existe, aquilo que não se mostra, não existe. Se um fantasma está na tela, ele existe” (Ibidem, p. 24, tradução nossa). Até 2021, Kiyoshi Kurosawa assinou 50 trabalhos como diretor, transitando entre diversos gêneros cinematográficos: pinku eiga, yakuza, ação, horror, ficção científica, romance, drama. Mesmo numa cinematografia tão múltipla, parece existir uma constância no seu interesse por olhar elementos forasteiros que causam estranhamento e tiram seus personagens e nós mesmos, como espectadores, de uma posição de conforto. Em entrevista concedida à revista Reverse Shot, ele fala que “através da injeção de um elemento estrangeiro na vida dos personagens, eles começam a ver suas vidas de forma diferente e reavaliar suas realidades. Esse é, de forma geral, o horror que mantém meus filmes unidos” (tradução nossa). Os fantasmas encarnam, em muitos de seus filmes, esse elemento fantástico que modifica a encenação.

    Nossa comunicação é focada no estudo da presença dos fantasmas nos filmes Loft (Rofuto, 2005) e Retribution (Sakebi, 2006), realizados no contexto do J-Horror, movimento que marcou as novas tendências do gênero do horror no Japão do final dos anos 1990 até a primeira década dos anos 2000, com obras que foram amplamente adaptadas como remakes (refilmagens) na indústria cinematográfica norte-americana (LOPERA, 2016). Analisaremos os elementos formais e narrativos da mise en scène nos planos, cenas e sequências em que os fantasmas aparecem nesses filmes. Ao falar sobre o conceito de presença, Gumbrecht (2010) invoca um desejo de ultrapassar um mundo cotidiano amplamente cartesiano e historicamente específico. Erick Felinto (2008) expressa o desejo do fantasma se comunicar conosco. “Como o cinema de horror demonstra claramente, ela provoca arrepios, sensações, prazeres físicos ou mal-estar – é material, ao mesmo tempo que imaterial. (Ibidem, 2008. p.129)

    Nos interessa também aprofundar o pensamento sobre os fantasmas a partir do “realismo fantasmagórico”, (MELLO, 2015), uma designação que nasce do desejo de aliar o realismo baziniano com a imaginação, medo e mitos presentes em algumas produções do cinema contemporâneo do leste asiático.

    Como nos dizem Fernando Guerreiro e José Bértolo (2019), os fantasmas de Kurosawa são aparições corporalizadas de uma reivindicação da vida pela morte. Na entrevista à Reverse Shot, Kurosawa também afirmou que, para ele, os fantasmas do cinema japonês são muito mais assustadores do que os fantasmas do tradicional horror americano, pois quando um fantasma ataca violentamente ou vai atrás de você, há uma chance de lutar contra ele. E o que você está lutando é pela ideia de que você pode vencer o mal e voltar à sua vida normal, um maniqueísmo que simplifica as relações. Mas se eles não atacam, e só se pode coexistir com eles. “Eu acho a ideia de viver com isso muito mais assustadora. Você não tem chance de fugir ou combater esse fantasma, você está preso a ele para sempre”.

    As presenças de Kurosawa deslocam seus corpos nas sombras, modificam o quadro e exigem que nos comuniquemos. Aqui, não precisamos nos preocupar o excesso de luz. Na sociedade ocidental contemporânea que postula um projeto negacionaista diante da morte e dos mortos, Kurosawa nos convoca a nos aproximarmos das sombras e deixarmos que elas também nos habitem.

Bibliografia

    DU MESNILDOT, Stéphane. Fantômes du Cinema Japonais – Les Métamorphoses de Sadako. France: Rouge Profond, collection Raccords, 2011.
    FELINTO, Erick. A Imagem Espectral: Comunicação, Cinema e Fantasmagoria Tecnológica. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008.
    GUERREIRO, Fernando; BÉRTOLO, José. Morte e espectralidade nas artes e na literatura. Vila Nova de Famalicão, Húmus, 2019.
    GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: O que o Sentido Não Consegue Transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC do Rio, 2010.
    KUROSAWA, Kiyoshi. Mon effroyable histoire du cinéma: entrétetiens avec Makoto Shinozaki. France: Rouge Profond, 2003.
    MELLO, Cecília (org). Realismo fantasmagórico. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária – USP, 2015.
    Entrevista com Kiyoshi Kurosawa na revista Reverse Shot, realizada por Paul Matthews em 2005. Disponível em: http://www.reverseshot.org/interviews/entry/1503/kiyoshi-kurosawa. Consultada em 29 de abril de 2020.