Ficha do Proponente
Proponente
- Leon Orlanno Lôbo Sampaio (UFPE)
Minicurrículo
- Leon Sampaio é graduado em Cinema e Audiovisual pela UFRB, mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, e atualmente faz doutorado em Comunicação na UFPE, cuja pesquisa tem como foco o legado colonialista no cinema brasileiro contemporâneo. Além do trabalho como pesquisador, Leon também realiza filmes, dentre eles os longas-metragens “Eu, empresa” e “Gente bonita”.
Ficha do Trabalho
Título
- DESEJOS COLONIAIS: articulações do erótico no cinema brasileiro
Resumo
- Se em Xica da Silva (1976, Cacá Diegues) o arsenal erótico de Gilberto Freyre é acionado para afirmar a luxúria do período colonial e a via de libertação da negra escravizada, em O Clube dos Canibais (2018, Guto Parente), a articulação do erótico remete ao sadismo das elites brancas e ao aniquilamento dos negros e mestiços. A partir dos escritos de Denise Ferreira da Silva (2006), pretendemos analisar a trajetória do desejo colonial no cinema brasileiro, especialmente na produção contemporânea.
Resumo expandido
- Na sua leitura crítica acerca da escrita do sujeito nacional brasileiro, Denise Ferreira da Silva (2006) aponta que as articulações do erótico de Freyre, descritas em Casa grande e senzala através das relações sexuais entre brancos e negras, bem como brancos e índias, estão marcadas todas elas por um desejo destruidor. Segundo a autora, a versão erótica freyreana promove o mestiço como um sujeito moderno, ao passo em que a particularidade dessa figura racial é “ser um objeto escatológico” (SILVA, 2006, p. 61). Para Silva, “a versão de Freyre sobre a democracia racial exemplifica como as narrativas da nação também desenvolvem os mecanismos políticos/simbólicos da sujeição social” (SILVA, 2006, p.62), já que, através da combinação do aspecto racial e sexual, produzem uma regulação tradicional (moral/patriarcal), que preserva o sujeito nacional privilegiado (branco/português) e apaga o sujeito social subalterno (mestiço/ negro e índio) (SILVA, 2006 p.62). Ainda para a autora, a miscigenação só é proposta por Freyre como um fator positivo da constituição social brasileira moderna porque “o excesso que ela produz, o perigoso fruto da relação sexual entre senhores e escravas”, é na verdade uma “sobra” (SILVA, 2006, pags. 62-63).
No entanto, segundo a autora, a versão erótica de Freyre não articula premissas básicas do texto clássico de Bataille sobre o erotismo. Para este, a atividade erótica pressupõe um dispêndio, ou seja, é contrária à produção regulada. Como sabemos, no contexto jurídico-econômico do colonialismo, o branco colonizador incorporava “a própria regulação (jurídica e econômica), como o regente soberano do latifúndio, de sua mulher, filhos, empregados e escravos” (SILVA, 2006, p.77). É, sobretudo, por este aspecto, que a autora diz que o texto de Bataille não norteia o erótico em Freyre, porque ao se apropriar dos corpos das escravizadas, os senhores não estariam infringindo o exercício da regulação.
No cinema brasileiro, a figura do mestiço tem uma vasta trajetória, assim como as narrativas fundadas nessa versão erótica freyreana. Orlando Senna (1979), num artigo diagnóstico sobre a representação racial no cinema brasileiro, aponta que as ideias sintetizadas por Freyre em Casa-grande e senzala tiveram influência na produção dos filmes desde a década de 1930. No entanto, segundo ele, por volta dos anos 50, na fase do “Cinema Mulato”, o negro ainda era enquadrado dentro de uma “concepção meramente epidérmica”, especialmente a mulher negra, “apresentada e oferecida como objeto de prazer” (SENNA, 1979, p.215), num evidente reflexo do machismo de nossa sociedade. Ainda nesse artigo, ele contextualiza sobre uma certa tendência de filmes “preocupados com uma investigação da Cultura Negra como fator substantivo” (idem, p.222) a partir de 1976, ano em que também são lançados Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos e Xica da Silva, de Cacá Diegues. As duas obras, voltadas à temática do nacional-popular e conciliadas com o mito da democracia racial, repercutem no cenário cultural da época. Alguns críticos, inclusive, acusam as obras de endossar a mestiçagem e reproduzir estereótipos grosseiros acerca dos negros.
Passado mais de quarenta anos, a fantasia erótica da branquitude segue viva no cinema brasileiro, consolidando-se como uma tradição, já que vem sendo atualizada desde muito tempo. Vazante (2017, Daniela Thomas), Açúcar (2017, Renata Pinheiro e Sergio Oliveira), Joaquim (2017, Marcelo Gomes), As boas maneiras (2017, Juliana Rojas e Marco Dutra), e O Clube dos Canibais (2018, Guto Parente) são alguns dentre os vários filmes recentes que encenaram relações sexuais inter-raciais, e que acionaram – uns mais, outros menos -, o arsenal erótico freyreano. Nesta comunicação, buscaremos mapear a trajetória desse desejo que persiste, e que vem ganhando formas cada vez mais complexas.
Bibliografia
- BATAILLE, G. O erotismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.
MBEMBE, Achile. Necropolítica. Rio de Janeiro: Revista do PPGAV/EBA/UFRJ, n.32, 2016.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
QUEEN, Mariana. As Xicas da Silva de Cacá Diegues e João Felício dos Santos: traduções e leituras da imagem da mulher negra brasileira. Dissertação (Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais) – USP. São Paulo, 2017.
RODRIGUES, J. Carlos. O negro brasileiro e o cinema. 4 ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2011.
SENNA, Orlando. “Preto-e-branco ou colorido: o negro e cinema brasileiro. Revista de Cultura Vozes, ano 73, v.LXXIII, n.3, p.211-26, 1979.
SILVA, Denise F. da. À brasileira: racialidade e a escrita de um desejo destrutivo. Florianópolis: Estudos feministas, 2006.