Ficha do Proponente
Proponente
- Albert Elduque (UPF)
Minicurrículo
- Albert Elduque é professor leitor de cinema na Universitat Pompeu Fabra (Barcelona, Espanha). Suas areas de pesquisa incluem cinema político, cinema e outras artes e documentários musicais, com foco na Espanha e no Brasil. Tem publicado artigos e capítulos de livro sobre cineastas como Júlio Bressane, Leon Hirszman, Pier Paolo Pasolini, Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog e Marta Rodríguez, assim como sobre censura e cinema folklórico na Espanha. É coeditor da revista Comparative Cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- Matando em série: os assassinatos em Memórias de um Estrangulador de L
Resumo
- Realizado durante o exílio londrino, ‘Memórias de um Estrangulador de Loiras’ condensa elementos dos filmes anteriores de Júlio Bressane com a paródia de recursos estéticos do thriller hollywoodiano. Nesta comunicação quero analisar a representação dos crimes para estudar como essa dialética entre o próprio e o estrangeiro permete sugerir reflexões sobre a expressão estética da condição do exílio.
Resumo expandido
- Realizado por Júlio Bressane durante seu exílio em Londres, depois da experiência radical da produtora Belair, ‘Memórias de um Estrangulador de Loiras’ (1971) aborda a quotidianidade de um assassino em série. Sem uma motivação aparente, o protagonista, interpretado por Guará, perambula solitário pela capital inglesa, executando crimes, retocando continuamente seu bigode e passando as mãos pelo rosto, como mudando de identidade. Em casa, realiza atividades banais como descansar na cama, cozinhar ou fazer cocô. Sem som direto nem diálogos, a trilha sonora do filme combina sons de animais (elefantes, cachorros, patos), ópera, uma canção de ‘The Jazz Singer’ (Alan Crossland, 1970), música rock, gritos de mulheres e melodias próprias do gênero do thriller.
‘Memórias de um Estrangulador de Loiras’ apresenta semelhanças e diferenças com os filmes anteriores de Bressane, realizados no Brasil. As tramas criminais e a profusão de mortes eram temas importantes em ‘O Anjo Nasceu’ (1969), ‘Matou a Família e Foi ao Cinema’ (1969), ‘Cuidado Madame’ (1970) e ‘Barão Olavo, o Horrível’ (1970). Em ‘Memórias de um Estrangulador de Loiras’, esses elementos estão explicitamente articulados dentro da lógica do thriller, que é ao mesmo tempo homenageada e parodiada. Assim, apropria-se de recursos dos filmes de Fritz Lang e Alfred Hitchcock, como a ênfase nos planos detalhe, a tematização do olhar, as composições em espiral, o uso dos disfarces como ferramentas criminais e a exploração das fronteiras entre a quotidianidade e o assassinato, e brinca com eles.
Dentro da matriz genérica do thriller, o filme articula-se como um laboratório sobre como filmar uma estrangulação: de perto e de longe, dentro e fora de quadro, de modo direto e através de um reflexo, com e sem música… Nesta combinatória, tomam especial relevância aqueles casos em que o protagonista mata várias mulheres no mesmo plano, seja num mesmo lugar ou se deslocando pelo espaço. Esses planos apresentam composições muito ricas que estabelecem um leque de relações entre o assassino e as vítimas através de elementos cênicos como paredes, panos e bancos, assim como o uso criativo da profundidade de campo. Em geral, Londres caracteriza-se como um espaço racionalmente organizado, formado a partir de séries nas quais o assassino executa seus crimes. Nessas cenas, a maioria das vezes em plano geral, o suspense narrativo é ao mesmo tempo reforçado e transgredido, num jogo instigante com as expectativas do espectador.
Além disso, enquanto os filmes anteriores de Bressane eram generosos em referências à cultura popular brasileira, especialmente à chanchada e ao samba, ‘Memórias de um Estrangulador de Loiras’ elimina qualquer referência ao seu país e condensa as raízes culturais em três elementos: a matriz literária de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ (1881), de Machado de Assis, que dá nome ao filme e marca o seu trecho final; a inserção de fotografias ou trechos de filmes anteriores de Bressane, como ‘O Anjo Nasceu’ e ‘A Família do Barulho’ (1970); e a visão carnavalesca sobre os referentes estéticos estrangeiros. Configura-se, assim, um filme de exílio geográfico, temporal e estético.
Nesta comunicação quero analisar a representação dos assassinatos em ‘Memórias de um Estrangulador de Loiras’ a partir das dinâmicas singularidade/multiplicidade e espera/consumação, estabelecendo comparações com os filmes anteriores de Bressane e com obras-chave do thriller como ‘Strangers on a Train’ (Alfred Hitchcock, 1951) e ‘The Boston Strangler’ (Richard Fleischer, 1968). Meu objetivo é estudar em que medida o cineasta conservou os procedimentos das obras anteriores, por um lado, e como os referentes estrangeiros e a paisagem londrina influíram nas escolhas visuais, pelo outro. Essa análise vai dialogar com as citações diretas de filmes anteriores de Bressane, servindo assim para refletir sobre a expressão estética da condição de exílio.
Bibliografia
- Bordwell, David. 2005. ‘Figures traced in light: On cinematic staging’. Berkeley: University of California Press.
Bressane, Júlio. 1996. ‘Alguns’. Rio de Janeiro: Imago.
Ferreira, Jairo. 2016. ‘Cinema de invenção’. Rio de Janeiro: Beco do Azougue.
Gardnier, Ruy. ed. 2002. ‘Retrospectiva Júlio Bressane: Cinema inocente’. São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil.
Garin, Manuel. ‘El gag visual’. Madrid: Cátedra.
Pérez, Xavier. ‘El suspens cinematogràfic’. Barcelona: Pòrtic.
Teixeira, Francisco Elinalado. 2012. ‘O cineasta celerado. A arte de se ver fora de si no cinema poético de Júlio Bressane’. São Paulo: Annablume.
Wood, Robin. 1969. ‘Hitchcock’s Films’. Londres: A. Zwemmer, A. S. Barnes.
Xavier, Ismail. 2012. ‘Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal’. São Paulo: Cosac Naify.