Ficha do Proponente
Proponente
- Éri Ramos Sarmet dos Santos (USP)
Minicurrículo
- Érica Sarmet é roteirista, diretora e pesquisadora. Mestre em Comunicação e bacharel em Estudos de Mídia (UFF), é doutoranda no PPGMPA (ECA-USP), onde pesquisa a construção de sensação em roteiros cinematográficos. Dirigiu e roteirizou os curtas “Latifúndio” (2017) e “Uma paciência selvagem me trouxe até aqui” (2021). É co-autora dos livros “Explosão Feminista” (2018) e “Feminino plural: mulheres no cinema brasileiro” (2017), além de fundadora e curadora do cineclube Quase Catálogo.
Ficha do Trabalho
Título
- A escrita inútil: excesso no roteiro cinematográfico
Seminário
- Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual
Resumo
- A partir de análise de trechos do roteiro de Orlando (Sally Potter, 1992) e apoiada em autoras como Thompson (1977), Williams (1991, 2012) e Baltar (2012), buscarei apontar os distintos modos de manifestação do excesso no roteiro, com o objetivo último de refletir sobre as possibilidades de construção de sensação desde o roteiro cinematográfico.
Resumo expandido
- Campo acadêmico incipiente, os estudos de roteiro organizam-se em poucos eixos temáticos, prevalecendo pesquisas sobre adaptação, o roteiro como peça literária, processos de criação, estudos narratológicos, semióticos e historiográficos. Como aponta Pablo Gonçalo, de modo geral as pesquisas enfatizam mais os aspectos narrativos e dramatúrgicos do que a maneira como o roteiro deseja as imagens e sons, isto é, seu elemento estrutural primário, a referência integradora a uma potencial obra cinematográfica (PASOLINI, 1986). Assim, uma deficiência do campo consistiria em pesquisas que vislumbrem códigos, formas de fabulação imagética e ambientação visual já contempladas desde o papel (GONÇALO, 2017, p. 135).
Apesar dos esforços para separar conceitualmente as distintas formas do excesso, a palavra sobrevive através do tempo como um significante “flutuante”, labiríntico e incapturável, que “continua único e, na sua unidade paradoxal, assegura o vínculo ontológico entre todas as formas de excesso (DEMOULIÈ, 2007, p. 13). Neste trabalho, admito o excesso como uma forma de afeto que implica perda de controle, abundância de sensações e atravessamento de limites, especialmente corporais, e sua manifestação nas artes visuais e literárias como uma “poética do excesso”. Circunscrevo o campo do excesso com o objetivo último de refletir sobre as formas e possibilidades de construção do sensório no roteiro cinematográfico, entendendo o excesso como uma sensibilidade e uma operação estética dentre outras possíveis. Assim, algumas perguntas se colocam para nós: de que forma a poética do excesso se manifesta no roteiro cinematográfico? Afinal, pode o roteiro afetar o leitor, causar um arrebatamento subjetivo, corpóreo e sensorial, se o mesmo configura, na prática, uma etapa “pré-filme”? Como a escrita fílmica pode antecipar a sensação? Como tocar o corpo com palavras que querem virar imagens?
Se, como propõe Kristin Thompson (1977), o excesso é aquilo que escapa à narrativa, que é inútil, posto que desnecessário para a compreensão da trama, então um dos caminhos que se desenham pode ser o reconhecimento de elementos considerados inúteis segundo o modo de escrita mais amplamente difundido entre os profissionais, aquele advindo dos manuais. Subscritos à tradição ocularcêntrica da crítica e teoria cinematográfica, os manuais de roteiro salientam o imperativo de uma escrita “ativa”, destituída de figuras de linguagem, abstração e qualquer qualificação de substantivos e verbos:
Pobre do roteirista, pois ele não pode ser um poeta. Não pode usar metáfora e símile, assonância e aliteração, ritmo e rima, sinédoque e metonímia, hipérbole e mesóclise, os grandes tropos (…) O primeiro passo é reconhecer exatamente o que descrevemos – a sensação de olhar a tela. (…) Elimine os verbos ‘ser’, ‘estar’, ‘haver’, ‘existir’ (…) Evitando, como Hemingway, termos abstratos, adjetivos e advérbios, favorecendo os verbos mais ativos e específicos e os substantivos mais concretos (…) Elimine toda metáfora e símile que não passe por esse teste: ‘O que eu vejo (ou escuto) na tela?’ (…) “Como se”, por exemplo, é uma expressão que não existe na tela.” (MCKEE, 2013, p. 368-369)
Acredito que esse olhar para o roteiro e a função do roteirista favoreça o predomínio de uma escrita audiovisual descorporificada e sem desejo. Como Pasolini (1986), encaro o roteiro como uma estrutura em movimento, uma estrutura que deseja ser outra estrutura, que deseja forma, que deseja ganhar corpo, vivo e pulsante. Reconheço que uma análise do roteiro como técnica autônoma requer métodos que nem a crítica literária tradicional nem a tradição da análise fílmica dispõem, o que coloca para nós o desafio de imaginar novos códigos. Assim, a partir da análise de trechos do roteiro de Orlando (Sally Potter, 1992), buscaremos reconhecer as marcas do excesso nos níveis narrativo e poético, explorando taxonomias propostas por outros autores, notadamente Baltar (2019) e postulando novas.
Bibliografia
- BALTAR, Mariana. Realidade lacrimosa: o melodramático no documentário brasileiro contemporâneo. Niterói: Eduff, 2019.
_________________.Tessituras do excesso: notas iniciais sobre o conceito e suas implicações tomando por base um Procedimento operacional padrão. Significação, v. 39, n. 38, p. 124–146, 2012.
DUMOULIÉ, Camille. Tudo o que é excessivo é insignificante. Tempo Brasileiro, abr.-jun., n. 169, p. 11–30, 2007.
GONÇALO, Pablo. Quando filmes são palavras: uma introdução aos estudos de roteiro. Raído, v. 11, n. 28, p. 123, 2017.
PASOLINI, Pier Paolo. The screenplay as a “structure that wants to be another structure”. The American Journal of Semiotics, v. 4, n. 1-2, 1986, p. 53-72.
THOMPSON, Kristin. The concept of cinematic excess. Ciné-Tracts, n. 2, p. 54–67, 1977.
WILLIAMS, Linda. Film Bodies: Gender , Genre, and Excess. Film Quarterly, v. 44, n. 4, p. 2–13, 1991.
_________________.Mega-melodrama! Vertical and horizontal suspensions of the “classical”,Modern Drama, 2012