Ficha do Proponente
Proponente
- José Augusto Mendes Lobato (USJT)
Minicurrículo
- Doutor em Ciências da Comunicação (PPGCOM-USP), mestre em Comunicação (FCL), graduado em Jornalismo e pós-doutor em Comunicação Audiovisual (UAM). Docente e coordenador dos cursos de Comunicação e Artes da Universidade São Judas. Pesquisador das relações entre identidade e alteridade na cultura audiovisual contemporânea, com foco na produção documental e na ficção seriada. É sócio e consultor de conteúdo do grupo report. E-mail: gutomlobato@gmail.com.
Ficha do Trabalho
Título
- Fronteiras da alteridade na representação de refugiados no audiovisual
Resumo
- Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa sobre os modos de figuração da alteridade no audiovisual, tendo como foco a representação de refugiados e imigrantes no documentário e na ficção seriada. Para isso, exploramos noções de identidade, alteridade, representação e tradução aplicadas ao audiovisual e executamos a análise estrutural de cenas e entrevistas semiabertas com imigrantes e refugiados. Ao final, notamos uma recepção crítica e negociada das imagens do outro no audiovisual.
Resumo expandido
- Tradicionais campos de enunciação da alteridade, as narrativas audiovisuais, por força de sua conexão com o tempo histórico, têm sido gradativamente povoadas por histórias sobre deslocamentos forçados – uma questão geopolítica que se agravou nas primeiras décadas do século XXI. Dados da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) apontam que 79,5 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar no mundo até o final de 2019. Hoje, Síria (6,6 milhões), Venezuela (3,6 milhões) e Afeganistão (2,7 milhões) são os protagonistas da situação mais crítica em volume de refugiados e deslocados. No Brasil, em específico, o Observatório das Migrações em São Paulo (OBMigra) mapeou pouco menos de 1 milhão de imigrantes e refugiados.
Ancorados no estudo da representação de universos socioculturais em diferentes registros de ficção e não ficção, buscamos compreender esta crise humanitária a partir de seus impactos nos processos midiáticos. Mais respectivamente, a intenção é entender como a cultura audiovisual e, mais especificamente, o televisual brasileiro representam os protagonistas de deslocamentos forçados, detalhando o contexto social e político de seus países de origem e sua adaptação e integração às nações que os acolhem.
Para isso, nosso trajeto de pesquisa – vinculado a um estágio pós-doutoral realizado entre 2019 e 2020 – propõe um trabalho de campo centrado na análise de dois documentários sobre refugiados, exibidos nos programas Profissão Repórter e GloboNews Especial, com cerca de 1h40 de material audiovisual no total, e na realização de dez entrevistas semiabertas com imigrantes e refugiados de seis países hoje instalados no Brasil.
Nossas reflexões sobre o fenômeno da representação de alteridade no audiovisual se iniciam com a discussão destes dois conceitos – desde a origem do ato de representar na Poética de Aristóteles até as reflexões de Durkheim (1996) e Moscovici (2003) sobre os fenômenos da representação social ou coletiva. Delas, destacamos as funções de rotinização e ancoragem propostas pelo segundo autor – cruciais para entendermos a redução de não familiaridade como o propósito central do representar em diferentes códigos e linguagens. Dos estudos culturais e pós-coloniais, evocamos a discussão sobre o duplo identidade-alteridade para, com Bhabha (1998), Woodward (2000) e Hall (2016), entender que os sistemas representacionais contemporâneos operam, sobretudo, em favor da interação entre discursos e narrativas identitárias e situam o outro como categoria inexorável no processo de experiência vicária da cultura audiovisual contemporânea – em um processo capaz de fragmentar e “descanonizar” (BHABHA, 1998, p. 313) construções consensuais da cultura e da vida coletiva.
Da semiótica da cultura exploramos, ainda, a noção de fronteira, que, a partir de Iuri Lotman (1998), evidencia os ambientes midiatizados como espaços de potencial contato e tradução intersemiótica entre universos culturais. Acreditamos que é por meio das fronteiras erguidas pela linguagem que as narrativas audiovisuais de alteridade (LOBATO, 2017) se firmam como produtos destinados à experiência de contato com o outro, tornado legível e visível a partir de estratégias de representação.
No trabalho de campo, as dez entrevistas nos levaram a identificar que o processo de construção de fronteiras entre o eu/nós e o outro é problemático na percepção dos refugiados, reforçando juízos de valor com designações negativas à alteridade e uma extrema redução de complexidade, que desconsidera a “alteridade do povo-como-um”, como nos diria Bhabha (1998, p. 213). Quanto à análise estrutural dos documentários e da telenovela, notamos, na segunda, tendência maior à estereotipia e, nas obras factuais, uma abordagem marcada pela retórica testemunhal-afetiva e pela ênfase em valores-notícia associados à crise humanitária, com menor ênfase em aspectos culturais e tratamento centrado nas pautas da integração profissional e da burocracia de registro dos refugiados e imigrantes.
Bibliografia
- BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos culturais: as margens de um programa de pesquisa. E-Compós, 2006, v. 9, n. 2, p. 1-16.
HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Apicuri / PUC Rio, 2016.
LOBATO, José Augusto Mendes. A alteridade na ficção seriada e na grande reportagem. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
LOPES, Maria Immacolata. Memória e Identidade na Telenovela Brasileira. XXIII Encontro Anual da Compós, 2014.
LOTMAN, Iuri. La semiosfera. Vol. 1. Madrid: Cátedra, 1998.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de cartógrafo:. São Paulo: Loyola, 2004.
SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes 2002.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz. Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes, 2000.