Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    José Augusto Mendes Lobato (USJT)

Minicurrículo

    Doutor em Ciências da Comunicação (PPGCOM-USP), mestre em Comunicação (FCL), graduado em Jornalismo e pós-doutor em Comunicação Audiovisual (UAM). Docente e coordenador dos cursos de Comunicação e Artes da Universidade São Judas. Pesquisador das relações entre identidade e alteridade na cultura audiovisual contemporânea, com foco na produção documental e na ficção seriada. É sócio e consultor de conteúdo do grupo report. E-mail: gutomlobato@gmail.com.

Ficha do Trabalho

Título

    Fronteiras da alteridade na representação de refugiados no audiovisual

Resumo

    Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa sobre os modos de figuração da alteridade no audiovisual, tendo como foco a representação de refugiados e imigrantes no documentário e na ficção seriada. Para isso, exploramos noções de identidade, alteridade, representação e tradução aplicadas ao audiovisual e executamos a análise estrutural de cenas e entrevistas semiabertas com imigrantes e refugiados. Ao final, notamos uma recepção crítica e negociada das imagens do outro no audiovisual.

Resumo expandido

    Tradicionais campos de enunciação da alteridade, as narrativas audiovisuais, por força de sua conexão com o tempo histórico, têm sido gradativamente povoadas por histórias sobre deslocamentos forçados – uma questão geopolítica que se agravou nas primeiras décadas do século XXI. Dados da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) apontam que 79,5 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar no mundo até o final de 2019. Hoje, Síria (6,6 milhões), Venezuela (3,6 milhões) e Afeganistão (2,7 milhões) são os protagonistas da situação mais crítica em volume de refugiados e deslocados. No Brasil, em específico, o Observatório das Migrações em São Paulo (OBMigra) mapeou pouco menos de 1 milhão de imigrantes e refugiados.
    Ancorados no estudo da representação de universos socioculturais em diferentes registros de ficção e não ficção, buscamos compreender esta crise humanitária a partir de seus impactos nos processos midiáticos. Mais respectivamente, a intenção é entender como a cultura audiovisual e, mais especificamente, o televisual brasileiro representam os protagonistas de deslocamentos forçados, detalhando o contexto social e político de seus países de origem e sua adaptação e integração às nações que os acolhem.
    Para isso, nosso trajeto de pesquisa – vinculado a um estágio pós-doutoral realizado entre 2019 e 2020 – propõe um trabalho de campo centrado na análise de dois documentários sobre refugiados, exibidos nos programas Profissão Repórter e GloboNews Especial, com cerca de 1h40 de material audiovisual no total, e na realização de dez entrevistas semiabertas com imigrantes e refugiados de seis países hoje instalados no Brasil.
    Nossas reflexões sobre o fenômeno da representação de alteridade no audiovisual se iniciam com a discussão destes dois conceitos – desde a origem do ato de representar na Poética de Aristóteles até as reflexões de Durkheim (1996) e Moscovici (2003) sobre os fenômenos da representação social ou coletiva. Delas, destacamos as funções de rotinização e ancoragem propostas pelo segundo autor – cruciais para entendermos a redução de não familiaridade como o propósito central do representar em diferentes códigos e linguagens. Dos estudos culturais e pós-coloniais, evocamos a discussão sobre o duplo identidade-alteridade para, com Bhabha (1998), Woodward (2000) e Hall (2016), entender que os sistemas representacionais contemporâneos operam, sobretudo, em favor da interação entre discursos e narrativas identitárias e situam o outro como categoria inexorável no processo de experiência vicária da cultura audiovisual contemporânea – em um processo capaz de fragmentar e “descanonizar” (BHABHA, 1998, p. 313) construções consensuais da cultura e da vida coletiva.
    Da semiótica da cultura exploramos, ainda, a noção de fronteira, que, a partir de Iuri Lotman (1998), evidencia os ambientes midiatizados como espaços de potencial contato e tradução intersemiótica entre universos culturais. Acreditamos que é por meio das fronteiras erguidas pela linguagem que as narrativas audiovisuais de alteridade (LOBATO, 2017) se firmam como produtos destinados à experiência de contato com o outro, tornado legível e visível a partir de estratégias de representação.
    No trabalho de campo, as dez entrevistas nos levaram a identificar que o processo de construção de fronteiras entre o eu/nós e o outro é problemático na percepção dos refugiados, reforçando juízos de valor com designações negativas à alteridade e uma extrema redução de complexidade, que desconsidera a “alteridade do povo-como-um”, como nos diria Bhabha (1998, p. 213). Quanto à análise estrutural dos documentários e da telenovela, notamos, na segunda, tendência maior à estereotipia e, nas obras factuais, uma abordagem marcada pela retórica testemunhal-afetiva e pela ênfase em valores-notícia associados à crise humanitária, com menor ênfase em aspectos culturais e tratamento centrado nas pautas da integração profissional e da burocracia de registro dos refugiados e imigrantes.

Bibliografia

    BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
    DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
    ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos culturais: as margens de um programa de pesquisa. E-Compós, 2006, v. 9, n. 2, p. 1-16.
    HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Apicuri / PUC Rio, 2016.
    LOBATO, José Augusto Mendes. A alteridade na ficção seriada e na grande reportagem. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
    LOPES, Maria Immacolata. Memória e Identidade na Telenovela Brasileira. XXIII Encontro Anual da Compós, 2014.
    LOTMAN, Iuri. La semiosfera. Vol. 1. Madrid: Cátedra, 1998.
    MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de cartógrafo:. São Paulo: Loyola, 2004.
    SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes 2002.
    WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz. Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes, 2000.