Ficha do Proponente
Proponente
- Daniela da Silva (UFRGS)
Minicurrículo
- Doutoranda em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), bolsista do CNPq; Mestre em Educação e Graduada em Jornalismo pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Possuí experiência em apresentação e produção de TV universitária; como cineclubista e em projetos de extensão. Entre suas principais publicações, temas que versam sobre a sensibilização audiovisual, a arte e a educação.
Ficha do Trabalho
Título
- Das poéticas que irrompem: notas para pensar a educação
Resumo
- Neste texto, as aproximações entre arte, filosofia e educação movimentam um debate voltado ao processo de criação de cineastas e artistas visuais, como um cuidado e uma escrita de si (FOUCAULT, 2010), capazes de oferecer um olhar poético e afetuoso para a educação, senão para a vida. No compasso do pensamento filosófico, ensaio uma escrita de travessia entre o artístico e o teórico (KILOMBA, 2019; LOPONTE, 2019), em busca de “ideias para adiar o fim do mundo” (KRENAK, 2019).
Resumo expandido
- Como falar de arte quando passamos os dias a observar uma vida que passa tão longe do belo? Os espaços e o tempo reconfigurados: a casa, pequeno espaço de uma cidade, se torna a totalidade do mundo; lugar onde nos sentimos seguros, mas não alheios. Convocados pelas imagens universais da televisão e da internet, que expõem realidades tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas, rapidamente vemos o nome de um vizinho estampar a identidade de uma notícia de contágio. No momento em que escrevo este texto, 392 mil pessoas no Brasil nos deixaram, contaminadas pelo vírus Covid-19. Diante de tamanho genocídio, como manter firme a atenção nos livros? Viajar por uma ideia de argumentação?
Ao mesmo tempo, recorrer a arte, talvez, nunca tenha sido tão necessário. Lembro da pintora colombiana, Beatriz González, que mesmo interessada pela estética e pelos temas populares, a criar em superfícies nada tradicionais, nunca se identificou com a Pop Art americana: “[…] afinal, como ela poderia falar sobre consumo enquanto seu país passava por momentos tão violentos” (GERMANO, 2019, p. 143). Evoco a imagem desta mulher latino-americana, mas poderia citar tantas outras que pela estética nos imprimem limites éticos.
Cabe dizer, assim, que este texto é ambientado no universo de uma tese em curso, com a qual me proponho a pensar o que a educação tem a aprender com a arte e os processos de criação de cineastas e artistas visuais. Que há nos seus ateliês de pintura e de roteirização, visto em suas entrevistas deixadas em vídeo ou nos trechos de seus livros autobiográficos? Para Nietzsche, há muito esquecemos da nossa capacidade de inventar, esquecemos que somos sujeitos da criação artística, por isso da “vontade de verdade”, vamos em busca de uma “vontade de criação” (LOPONTE, 2019, p. 489). Uma discussão que vislumbra aproximar a ciência, a filosofia e a educação do mundo dos poetas e dos artistas; de seus modos de tratar questões da vida, de criar a si, e assim, nos ensinar algo sobre desobedecer a verdade e a linguagem (KILOMBA, 2019).
Foucault nos movimenta a olhar a criação artística como um cuidado e escrita de si: pintar um quadro, fazer um filme, inscrever seu corpo numa exposição. Exercício ascético, necessário para se compor uma tékhne tou biou (uma arte de viver) e um pensamento de si. Nessa forma de aprendizagem dos antigos, a ideia é dedicar-se a uma série de exercícios, como a abstinência, as memorizações, os exames de consciência, as meditações, o silêncio e a escuta dos outros. É a liberdade de fazer da própria vida a mais bela e boa obra, sem a qual não há “aperfeiçoamento da vida” (FOUCAULT, 2010, p. 513).
A arte produz nestes sujeitos-artistas existências e encontros singulares com o outro, na escuta de muitas vidas além das suas. A exemplo do cinema, quando assistimos um filme estamos diante de uma história, mas também a testemunhar um processo de vir-à-ser daquele que cria. A jornada de um herói; não o do roteiro, mas aquele de Burckhardt apresentado por Foucault, em que: “o herói é sua própria obra de arte” (Foucault, 2014, p. 236).
Sem adotar certo otimismo enfadonho, a perspectivar nossos interlocutores teóricos pouco filiados a tal prática, jogamos com este desejo de olhar mais filosoficamente para as coisas – como certa vez sugeriu Foucault a Mathieu, quando na ausência do filosofo o amigo deixa morrer um de seus cactos (LINDON, 2014); ou como escreve Krenak: “Vi as diferentes manobras que os nossos antepassados fizeram e me alimentei delas, da criatividade e da poesia que inspirou a resistência desses povos” (2019, s/p).
É na companhia de Krenak, que expõe a relação afetiva e preciosa dos povos originários do Brasil com a natureza, em oposição a toda a destruição; e na singeleza filosófica de que dispunha Foucault para olhar os movimentos da vida, das estruturas institucionais ao cuidado com as plantas, que resulta este olhar sobre a educação e a arte como uma linha de força capaz de “adiar o fim do mundo” (KRENAK, 2019).
Bibliografia
- FOUCAULT, Michel. A Hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
FOUCAULT, Michel. Sobre a genealogia da ética: um resumo do trabalho em curso. In: FOUCAULT, Michel. Genealogia da ética, subjetividade e sexualidade. Ditos & Escritos IX. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.
GERMANO, Beta. Espaços de Trabalho de Artistas Latino-Americanos. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
KILOMBA, Grada. Desobediências Poéticas. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2019. Disponível em: http://pinacoteca.org.br/wpcontent/uploads/2019/07/AF06_gradakilomba_miol_baixa.pdf
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
LINDON, Mathieu. O que amar quer dizer?. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
LOPONTE, Luciana Gruppelli. Arte, verdade e pesquisa em educação. ETD – Educação Temática Digital, v. 21, n. 2, p. 479-494, 30 abr. 2019. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/8651387