Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Iulik Lomba de Farias (PPGCINE/UFF)

Minicurrículo

    Doutorando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal da Grande Dourados e Bacharel em Cinema e Audiovisual pela UFF; tem interesse por Cinema Indígena, Cinema Decolonial, Antropologia Visual, Audiovisual Comunitário, Educação Escolar Indígena e Etnologia Ameríndia. Membro-idealizador do LADRAK (Laboratório de Dramaturgia e Kinopoéticas), núcleo de experimentação estética e política.

Ficha do Trabalho

Título

    As imagens nunca morrem: cinema Kaiowá e cosmopolítica no MS

Resumo

    Este trabalho apresenta a pesquisa de doutoramento recém-iniciada por mim no PPGCINE da UFF, que visa analisar a filmografia Kaiowá da ASCURI (Associação Cultural de Realizadores Indígenas de MS), a fim de investigar as relações cosmopolíticas entre as imagens cinematográficas e certa ecologia de práticas xamânicas, que forneceriam um mosaico multinaturalista da experiência pragmática das imagens e sua relacionalidade com alteridades cosmológicas, visto sob as lentes do perspectivismo ameríndio.

Resumo expandido

    Esta proposta de comunicação vislumbra socializar expectativas e impressões preliminares de minha pesquisa de doutoramento “As imagens nunca morrem: cinema Kaiowá e cosmopolítica no Mato Grosso do Sul”, desenvolvida sob orientação de Cezar Migliorin no PPGCINE (Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual) da UFF (Universidade Federal Fluminense).
    Nosso objetivo de modo geral é analisar a filmografia Kaiowá da ASCURI (Associação Cultural de Realizadores Indígenas de Mato Grosso do Sul), a fim de investigar relações cosmopolíticas entre as imagens cinematográficas e uma certa ecologia de práticas (STENGERS 2018) xamânicas, que nos forneceriam uma espécie de mosaico multinaturalista de circulação das imagens, visto sob as lentes do perspectivismo ameríndio (VIVEIROS DE CASTRO 2018).
    Nos parece que a relacionalidade entre a imagem e variadas categorias de alteridade não-humanas no pensamento Kaiowá, transborda a afetação das imagens para além do mundo humano, o que (re)posiciona os filmes em um multiverso habitado por entidades complexas como as cobras-com-cabeça-de-cachorro, os tamanduás-gigantes-comedores-de-gente e o espírito-guardião do milho; por exemplo, que atravessam e são atravessados pelas imagens.
    A terminologia ta’anga utilizada pelos Kaiowá para nomear uma ampla variedade de corpos imagéticos, sejam eles desenhos, mapas, fotografias ou imagens cinematográficas, por afetarem não-humanos de modo pragmático, produzem dobragens, permeabilidades e predações entre ontologias distintas, que nos interessam por fornecer uma leitura cosmopolítica da experiência dessas imagens.
    Segundo nossos interlocutores, além deles mesmos que são cineastas, os xamãs também seriam operadores bastante sofisticados de imagens, pois teriam a capacidade de disparar uma ação transcorpórea que lhes imprimiria uma forma-corpo-imagem-translúcida dotada de capacidades e afecções específicas, que lhes permitiria acesso a circuitos ontológicos alternativos.
    Percebemos que as ta’anga antes de conjecturarem uma espécie de episteme, constituem-se como forma-corpo esteticamente análoga ao que nomeia-se imagem, passível de ser vestida por variadas categorias de seres. Dito de outra maneira, menos que como conceito, a categoria ta`anga opera como avatar prototípico de diferentes sujeitos, e seria exatamente essa atualização de diversos corpos em forma-imagem, o que ampliaria exponencialmente as agências cosmopolíticas dos filmes realizados nesses contextos.
    A nosso ver o gesto filosófico do cinema para os Kaiowá, reside exatamente no fato de que um contínuo devir-imagem está à sombra de muitos corpos, o que agenciaria um latente “estar-imagem” atualizável e compatível com diferentes circunscrições corpóreas também manejadas via xamanismo. Tal condição imagética virtual disponível produziria, por assim dizer, um descentramento ontológico dos filmes dos domínios “do que se vê” em circuitos de ocularização, para (re)aloca-los em relação com ontologias “do que não se vê”, que por sua vez, multiplicam as afetações de corpos “invisíveis” sobre as imagens.
    Ao estar aberto a esse invisível-afetante, um filme ou um fazer-filme só poderia ser estabilizado no jogo de perspectivas em predação pelos xamãs, já que roubar imagens do mundo dos espíritos tem seu preço, e é com isso que cineastas e xamãs têm de lidar juntos.
    Por óbvio, várias linhas desse mosaico ainda serão complexificadas e sofisticadas. A continuidade de nossa interlocução com os cineastas Kaiowá e a intensificação das incursões etnográficas pós-pandemia, será mobilizada ao lado da análise dos filmes a serem elegidos dentre os mais de 40 curtas-metragens da ASCURI. Muito antes de nos indagarmos sobre o que são essas “imagens”, preferimos nos perguntar o que mais elas (não) podem.

Bibliografia

    BRASIL, André; BELISÁRIO Bernard. Desmanchar o cinema: variações do fora-de-campo em filmes indígenas. Revista Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro: UFRJ, v.6, 2016.
    BRASIL, André. Ver por meio do invisível. Revista Novos Estudos. São Paulo, v.35, 2016.
    DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
    DELEUZE, Gilles. A Imagem-Movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
    FARIAS, Iulik Lomba de. Ta’anga ymã: perspectivismo, cosmopolítica, e imagens kaiowá e mbya: o convívio entre a visualidade e a não-visualidade. Dissertação – Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, 2019.
    FARIAS, Iulik Lomba de.., & GRÜNEWALD, L. Aprisionando espíritos e fazendo imagens: por uma cosmopolítica das imagens Kaiowá. REMEA – Revista Eletrônica do Mestrado Em Educação Ambiental, 37(2), 08–27, 2020.
    STENGERS, Isabelle. A proposição cosmopolítica. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 69, 2018.
    VIVEIROS DE CASTRO. Metafísicas Canibais. São Paulo: Editora UBU, 2018.