Ficha do Proponente
Proponente
- Ilma Carla Zarotti Guideroli (Unifesp)
Minicurrículo
- Doutoranda em História da Arte pela Universidade Federal de São Paulo com a pesquisa “Arte e política da imagem e da montagem: um percurso no cinema de arquivo de Angela Ricci Lucchi e Yervant Gianikian”. Mestre em História da Arte pela mesma instituição com a dissertação “Natureza Morta, de Susana de Sousa Dias: políticas e ritornelos da imagem” (2020, bolsa Capes). Mestre em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Campinas (2010). Graduação em Educação Artística (Unicamp, 2008).
Ficha do Trabalho
Título
- A CÂMERA ANALÍTICA NO CINEMA DE ARQUIVO DE RICCI LUCCHI E GIANIKIAN
Seminário
- Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas
Resumo
- Este trabalho busca expor aspectos da obra do casal de diretores italianos Angela Ricci Lucchi e Yervant Gianikian, sob a perspectiva da câmera analítica, dispositivo criado para a análise de filmes de arquivo da primeira metade do século XX. Ao se apropriarem de tais imagens, trazem questões do passado colonialista europeu, mobilizando problematizações éticas, políticas e estéticas, e atualizando a condição do cinema de arquivo. Nessa direção, comentaremos trechos de algumas produções.
Resumo expandido
- Os diretores italianos Angela Ricci Lucchi e Yervant Gianikian têm uma trajetória singular nos chamados filmes de arquivo, com obras que transitam entre o cinema e as artes visuais. O cerne de suas produções é tomado por variações ligadas a processos de violência, sobretudo nos primeiros cinquenta anos do século XX, os quais reverberam e estão ainda presentes em nossa contemporaneidade – as guerras, os conflitos inerentes aos processos de colonização, os autoritarismos, o mito da civilização, a suposta soberania do homem branco europeu, o exotismo, a exploração e a domesticação. Os métodos de trabalho e os tipos de imagens nos quais se debruçam revelam dimensões éticas, estéticas e políticas indissociáveis entre si, segundo modulações de uma perspectiva crítica bastante aguda.
Ao adquirir os filmes de arquivo, Lucchi e Gianikian se deparavam com inúmeras dificuldades para manuseá-los e consequentemente visualizá-los. Isso porque estes encontravam-se muitas vezes já em estado avançado de deterioração pela ação do tempo, pelo mau armazenamento e sobretudo pelo processo de autodecomposição inerente ao nitrato de celulose. O nitrato é um material autodestrutivo e sua degradação é inevitável com o passar do tempo – ou seja, ele de algum modo carrega seu próprio desaparecimento. Este processo autodestrutivo do nitrato tem uma importância fundamental nos filmes dos diretores, pois ao utilizarem trechos repletos de falhas e lacunas, esta ação pode ser compreendida enquanto processo irônico que traz no bojo certa carga dramática, conformando uma espécie de vingança do próprio material.
Para que fosse possível analisar os quadros de forma mais detalhada, a dupla construiu uma impressora ótica com partes de um projetor 35 milímetros e de uma impressora de contato, que nomearam câmera analítica. Com este aparato, tornou-se possível fotografar, quadro a quadro, os filmes originais, permitindo-lhes trabalhar com uma grande variedade de formatos e com materiais bastante deteriorados, efetuando-se o processo via cuidadoso manuseio, dada a fragilidade das películas. Indo na contramão dos avanços tecnológicos da indústria cinematográfica, eles inauguram um dispositivo artesanal de fabricação e observação das imagens, em um desvio radical.
A câmera analítica refere-se a um tipo de olhar mais detido que resta assim facultado, promovendo “[…] um mergulho em apneia no ventre das imagens” (AZOURY, 2001, p. 49). Examinar os filmes de arquivo quadro a quadro lhes permitia “descer na profundidade do quadro do filme, aprimorar detalhes e intervir na velocidade e nas cores das imagens” (GIANIKIAN, 2020). Assim, eles conseguiam ter total controle e consequentemente acesso a detalhes que, no modo usual de reprodução, seguramente passariam despercebidos. De acordo com a dupla, com a câmera analítica eles podiam “congelar e reproduzir o material do arquivo de maneiras incomuns” (GIANIKIAN; LUCCHI, 2017, p. 08).
Uma questão fundamental para os diretores diz respeito à ética envolvida no manuseio das imagens de arquivo, pontuando que “[…] a câmera analítica não é apenas um dispositivo mecânico – ela também envolve uma ética substancial no processo de re-fotografia do material existente” (GIANIKIAN; LUCCHI, 2017, p. 09-10). As extensas e múltiplas variações temporais que podem ser obtidas através deste processo de registro permitem a decomposição de movimentos e o congelamento de rostos imperceptíveis até então. Com isso, as imagens são revistas e repensadas, trazendo à tona interrogações de ordem ética e, mesmo, política. O que os procedimentos com a câmera analítica dão a ver nas imagens? Seria então a câmera analítica, além de tudo, uma máquina de problematização e produção de pensamento?
Analisaremos alguns trechos de filmes da dupla, focando sobretudo nos aspectos relacionados às falhas e lacunas presentes nas imagens, e de como são por eles reeelaboradas, dando a ver possíveis usos e apropriações singulares em relação aos materiais originais.
Bibliografia
- AZOURY, Philippe. Sobre “certas radiações ainda longe de estarem claras”. In: Yervant Gianikian & Angela Ricci Lucchi. Org.: Nuno Sena. Lisboa: Cinemateca portuguesa – Museu do cinema, 2001. Catálogo de exposição, 9–20 out. 2001, p. 45-68.
BELLOUR, Raymond. O segundo mundo. In: Yervant Gianikian & Angela Ricci Lucchi. Org.: Nuno Sena. Lisboa: Cinemateca portuguesa – Museu do cinema, 2001. Catálogo de exposição, 9–20 out. 2001, p. 23-30.
GIANIKIAN, Yervant. Entrevista de Yervant Gianikian concedida a Jordan Cronk em 24 de Abril de 2020. Disponível em Acesso em 18 nov. 2020.
GIANIKIAN, Yervant; LUCCHI, Angela Ricci. Notre caméra analytique: Mise en catalogue des images et objets. Paris: Ed. Post-éditions/ Centre Pompidou, 2015a.
GIANIKIAN, Yervant; LUCCHI, Angela Ricci. Our analytical camera. In: Found Footage Magazine (Special Issue on Yervant Gianikian & Angela Ricci Lucchi). Ed.: César Ustrarroz, n.3, Mar. 2017, p. 8-11.