Ficha do Proponente
Proponente
- Erly Milton Vieira Junior (UFES)
Minicurrículo
- Erly Vieira Jr é Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (2012). Professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa em Pós Graduação em Comunicação (POSCOM) da UFES, também é coordenador do grupo de pesquisa Comunicação, Imagem e Afeto (CIA). Autor dos livro Realismo sensório no cinema contemporâneo (2020) e Rasuras – 40 anos de vídeo experimental no Espírito Santo (2021), entre outros
Ficha do Trabalho
Título
- O háptico no Tríptico elementar da Espanha de José Val de Omar
Seminário
- Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas
Resumo
- Este trabalho busca investigar as conexões entre os filmes experimentais do espanhol José Val de Omar, seus escritos e suas inovações técnicas (a diafonia, a visão tátil e o transbordamento apanorâmico da imagem) para pensar a dimensão multissensória de sua proposta de uma “neopercepção audiovisual” como uma antecipação das atuais reflexões teóricas em torno da dimensão háptica do cinema. Para isto, abordaremos os filmes que compõem seu Tríptico elementar da Espanha, realizado entre 1952 e 1963.
Resumo expandido
- José Val del Omar foi um importante nome dentro do cinema experimental espanhol no século XX, mantendo seu atelier de imagens em constante atividade durante muitas décadas. Em 1928, numa entrevista ao semanário espanhol La Pantalla, ele já externava ”seu incorformismo técnico e sua vontade de transgressão expressiva” (GUBERN, 1995). Desde então, ele concebeu uma série de inventos e técnicas que pudessem, de alguma forma, ampliar a experiência sensória dos meios audiovisuais, dentro de uma concepção que compreendia a investigação tecnológica e a experimentação estética como instâncias inseparáveis.
Assim, realizava seus filmes experimentais com base em seus inventos e produzia uma série de escritos, nos quais teorizava sobre questões perceptivas inerentes a esse processo criativo. Ele chegou a cunhar o termo “Plat”, para designar a arte picto-lumínica-áudio-tátil que desenvolvia, e a reivindicar para si o termo “cinemista”, mistura de cineasta com alquimista, que propunha fundar uma “neopercepção audiovisual”, que, para Gubern, era alimentada por uma perspectiva filosófica global e mística, a “mecamística” (outro de seus neologismos).
Para concretizar sua proposta de neopercepção, ele desenvolveu diversas inovações técnicas, como a “diafonia”, um sistema de sonorização diferente do estereofônico, criando um efeito de estranhamento em moldes brechtianos; o ‘transbordamento apanorâmico da imagem”, que buscava estimular a visão periférica dos espectadores com projeções de imagens abstratas no teto, chão e paredes, simultâneas àquela projetada na tela; e a “visão tátil”, encadeada por um sistema de iluminação com pulsação variável em ritmo e intensidade, conferindo à imagem uma dimensão palpável – partilhando da lógica de colisão de estímulos sensórios distintos e divergentes já presente na proposta diafônica.
Esses inventos foram utilizados na série de curtas que ficou conhecida como Tríptico elementar da Espanha, em que cada curta-metragem era ligado a um elemento da natureza e uma região de seu país natal – a água (Granada), o Fogo (Castela) e o ar (Galícia). Aguaespejo granadino (1952-55) explorava os dois primeiros inventos, enquanto que Fuego em Castilla (1955-59) mergulhava nas possibilidades da visão tátil, em especial o efeito ilusionista de tridimensionalidade causado pela mobilidade luminosa, como se desse vida à matéria inanimada das esculturas filmadas – nas palavras de Val Del Omar,“ensaio sonâmbulo na noite de um mundo palpável”. Acariño galaico (de barro) (1961/1981-82) é o mais místico dos três e aplica suas técnicas hápticas nas esculturas de Arturo Baltar, com ênfase nos dinamismos e modulações rítmicas de luz e som.
A atualidade das questões propostas por Val del Omar no conjunto de seus filmes, inventos e escritos, aliando teoria e prática experimental, evidencia-se diante do debate contemporâneo sobre a dimensão sensória da experiência audiovisual, seja na concepção do espectador como um sujeito cinestésico proposta por Vivian Sobchack (em especial na imbricação entre sinestesia, cenestesia e cinestesia) quanto nas investigações acerca das potências hápticas/táteis da imagem (Marks, Barker) e do som (Quinlivan). A obra do artista/cinemista já antecipa uma concepção da imagem audiovisual como experiência presentificada, um acontecimento (évenement) experimentado espectatorialmente por todo o corpo, como se ela nos tocasse e envolvesse completamente. Ao mesmo tempo, há uma filiação a reflexões e experimentações fílmicas da tradição vanguardista européia, como a noção de fotogenia proposta por Epstein.
Este trabalho se propõe a buscar, na tessitura fílmica do Tríptico Experimental da Espanha, elementos que tracem a conexão entre essas reflexões acerca da imagem audiovisual, a partir das especificidades dos cinemas não-narrativos e do convite sine/cene/cinestésico que essa obra, que só recentemente começa a ser redescoberta e reavaliada criticamente, nos faz.
Bibliografia
- BARKER, Jennifer. The Tactile Eye: Touch and the cinematic experience. Berkeley: University of California, 2009
ELSAESSER, THOMAS e HAGENER, Malte. Teoria do cinema: Uma introdução através dos sentidos. Campinas: Papirus, 2018
HERRERA, Mª Ángeles Jiménez. “El pensamiento de José Val del Omar: claves de su mecamística”. In: Monograma. Revista Iberoamericana de Cultura y Pensamiento, n. 1, 2017
GUBERN, Román. “La neopercepción de Val Del Omar”(1995). Disponível em , acesso em 01/05/2021
MARKS, Laura. The Skin of Film. Londres/Durham: Duke University Press, 2000.
OMAR, José Val de. “Teoria de la visión tactil” (1955). Disponível em , acesso em 01/05/2021.
QUINLIVAN, Davina. The place of breathe in cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2012.
SOBCHACK, Vivian. Carnal Thoughts: Embodiment and Moving Image Culture. Berkeley: University of California Press, 2004