Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    KENIA CARDOSO VILACA DE FREITAS (Sem Vínculo)

Minicurrículo

    Pesquisadora, crítica e curadora de cinema. Fez estágios de pós-doutorado na UCB (2018) e na Unesp-Bauru (2020). Doutora pela Escola de Comunicação da UFRJ. Realizou a curadoria das mostras “Afrofuturismo: cinema e música em uma diáspora intergaláctica”, “Diretoras Negras no Cinema brasileiro”, entre outras. Escreve críticas para o site Multiplot!. Ministra cursos e oficinas sobre crítica, cinema negro, afrofuturismo e fabulações.

Ficha do Trabalho

Título

    PretEspaço: descorporificação e desaparição no cinema negro

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Resumo

    Propomos um exercício especulativo a partir das (im)possibilidades do cinema negro ter como elementos formais fundantes a imaterialidade, a abstração e a descorporificação. Propomos assim imaginá-lo fora da chave representação/representatividade. Em uma interlocução com as ideias de Sensível Negro (Gadelha), das Utopia Negras (Brown) e da fugitividade (Moten, Harney), especulamos sobre o que pode ser uma espacialidade negra (PretEspaço) encarnarda e assombrada nos filmes.

Resumo expandido

    Em “Film blackness: American cinema and the idea of black film”, Michael B. Gillespie lança uma série de perguntas para explorar o que (não) poderia e (não) deveria ser o filme preto: “E se o filme preto pudesse ser algo diferente de corporificação? E se o filme preto fosse imaterial e sem corpo? E se o filme preto pudesse ser especulativo ou apenas ambivalente?” (Gillespie, 2016, p. 157. Tradução nossa). Essas três perguntas sintetizam o desejo especultivo dessa comunicação: a de pensar um cinema negro caracterizado não pela presença (menos ainda pela representação) dos corpos negros, mas pela presença de espaços descorporificados e marcados pela desaparição imagética e/ou sonora negra. Espacialidade que denominamos PretEspaço e que se situa entre: “Espaço sideral & literal + (não) Espaço que está (sempre-já) em-todo-lugar” (Freitas, 2020, s/p). Nos interessa, então, criar uma aproximação com filmes negros contemporâneos que trazem a imaterialidade, a abstração e a desintegração (corporal e mental) como elementos formais fundantes.

    A presença corporificada negra, sobretudo via performance, é uma das marcas desse cinema no Brasil – do seminal “Alma no Olho” (Zózimo Bulbul, 1973), ao afrofuturista “Negrum3” (Diego Paulino, 2018), passando pelo menos comentado (mas não menos inventivo) “O rito de Ismael Ivo” (Ari Cândido, 2003), para ficarmos em apenas três exemplos, cada um de uma geração distinta. Para José Juliano Gadelha (2019, p. 11) o corpo é “a primeira terra devastada” e “a dimensão de mediação” infecciosa entre as opressões dos mais diversos eixos de poder (de gênero, de classe, de raça, etc.). Ao mesmo tempo, também concordamos com Gadelha de que “a afirmação da pretitude deve ser a de sua rota de fuga, a de escapar dos comandos do Mundo” (Idem, p. 13). Porque, como afirmam Fred Moten e Stefano Harney, “o conhecimento da liberdade é a (está na) invenção da fuga, roubar nos confins, na forma, de uma ruptura” (2019, p. 116). E se pensarmos em uma normatividade do campo Cinema (em sua hegemonia branca), um dos seus “comandos” é a representação do corpo negro (sobretudo subalternizado e violentado). Perguntamos então como pensar essa presença como fuga ou assombração e não reprodução hegemônica dos “comandos do Mundo” da arte?

    Nos perguntamos também o que pode significar falar de um cinema negro encarnado no lugar de um corporificado? Hortense Spillers (1987) considera a carne como o grau zero do corpo, sendo ela assim o corpo sem conceituação social, sem subjetividade e sem agência. Pensando nas experiências especulativas radicais de criação de utopias negras, Jayna Brown argumenta que esse grau zero não é sinônimo de captura e subjugação, mas de liberdade. Para a autora: “A carne pode ser rasgada, mas tem a capacidade de se revigorar, de alcançar uma condição de vivacidade. A carne (…) está livre da necessidade de subjetividade” (Brown, 2021, p. 11-12. Tradução nossa). Para Brown, a criação de utopias negras acontece fora da ideia de humanidade (na qual a pretitude nunca foi incluída). Mais do que isso, essa utopia acontece na descentralização do humano como referência, na passagem da ideia de “pessoa” para (uma) “entidade” (entre outras), no apagamento dos limites do individualismo, no fato da carne negra misturar-se com outras carnes e com outros elementos (orgânicos e inorgânicos).

    Nos questionamos nessa pesquisa de que formas o cinema negro contemporâneo está forjando (fora da ideia de representação) PretEspaços descorpoficados (mas encarnados) de desaparição (e assombrados)? Para tentar responder essas questões e formular novas incertezas, propomos uma conversa com conceitos de Sensível Negro (Gadelha), das Utopia Negras (Brown) e da fugitividade (Moten, Harney).

Bibliografia

    BROWN, Jayna. Black utopias: speculative life and the music of other worlds.Durham and London: Duke University Press, 2021.
    FREITAS, Kênia. “PretEspaço: as cidades não imaginadas”. In: Multiplot!. Publicado em 17 de novembro de 2020. Disponível em: http://multiplotcinema.com.br/2020/11/pretespaco-as-cidades-nao-imaginadas/
    GADELHA, José Juliano. O Sensível Negro: rotas de fuga para performances. Revista Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 9, n. 4, p. 01 – 24, 2019.
    GILLESPIE, Michael Boyce. Film blackness: American cinema and the
    idea of black film. Durham: Duke University Press, 2016.
    MOTEN, Fred; HARNEY, Stefano. Pretitude e governança. Arte & Ensaios, n. 37, março de 2019.
    SPILLERS, Hortense J. “Mama’s Baby, Papa’s Maybe: An American Grammar Book.” Diacritics, vol. 17, no. 2, 1987, pp. 65–81.