Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Diego de Jesus Santos (UT Austin)

Minicurrículo

    Cineasta e pesquisador. Possui mestrado em Comunicação e Cultura (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e graduação em Cinema e Audiovisual (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), com graduação sanduíche através do programa Ciência sem Fronteiras (University of California, Los Angeles). É doutorando do programa Iberian and Latin American Languages and Cultures na The University of Texas at Austin. Idealizou o projeto Escola de Cinema Olhares da Maré na instituição Redes da Maré (RJ).

Ficha do Trabalho

Título

    Balas perdidas, escolas violadas: as imagens da linha de tiro

Seminário

    Cinemas pós-coloniais e periféricos

Resumo

    O texto analisa mortes de crianças e adolescentes vítimas da violência no Rio de Janeiro entre os anos 2017 e 2020 para pensar a atuação da mídia e do sistema judicial na investigação e representação dos casos. O espaço-tempo da violência nos discursos produzidos por estas duas instituições é desafiado pela autorrepresentação elaborada por moradores de favelas, vítimas dos confrontos armados que levam à realidade de violência nas imediações das escolas públicas localizadas nesses territórios.

Resumo expandido

    O termo bala perdida é constantemente utilizado pelo meio jurídico e pela mídia para denominar situações onde não se sabe a origem de um projétil de arma de fogo que atinge uma pessoa ou animal. As balas perdidas alcançam corpos presentes “por acidente” na “linha de tiro” ou fora dela. Neste texto, busca-se investigar duas questões: 1) O que compreende a “linha de tiro” e de que forma essa denominação desumaniza indivíduos atingidos pelas chamadas “balas perdidas”? e 2) Como podem as imagens produzidas nesse território onde a lei é suspensa provar a existência de um Estado fora dos limites da legalidade, que provoca o assassinato de pessoas pobres cotidianamente?

    A mídia e a Justiça são instituições produtoras de discursos que, em muitos casos, fortalecem e propagam os estigmas dos territórios de favelas. A morte de pessoas faveladas, seus corpos abatidos pelas chamadas balas perdidas, geralmente está marcada pelo não reconhecimento de suas vidas como “passíveis de luto” (Butler, 2015). Um dos problemas gerados por esse processo de exclusão física e simbólica dos moradores de favelas e periferias à ideia de cidade é a problemática da atuação das polícias nesses locais. A política de Segurança Pública do Rio de Janeiro tem sua essência na aplicação de métodos de atuação que pensam o confronto como o único procedimento possível para a resolução do fenômeno da violência no estado, mas é evidente que essa forma de atuar nas favelas produz diariamente a morte de inocentes.

    A lógica de desumanização dos moradores das favelas cariocas é revelada por vídeos e fotografias realizados durante confrontos armados que expõem a forma como o Estado tem atuado historicamente. Essas imagens são produzidas em situações onde as práticas policiais cruzam os limites da legalidade e têm como objetivo denunciar a violência policial nas favelas – elas se diferem daquelas produzidas pelos meios de comunicação tradicionais, pois são registros do ato de luta pela sobrevivência e, ao mesmo tempo, de denúncia da violência.

    Parte da mídia representa o espaço da favela como território da violência. A produção de uma “terra sem lei” é um dos principais sintomas na forma como estão representados os casos de mortes causadas por balas perdidas ou por projéteis de armas de fogo que têm sua fonte identificada. Segundo Tal Morse (2016), nosso envolvimento com o outro e sua realidade está associado ao trabalho da mídia. A partir do conceito de “vida passível de luto”, de Judith Butler (2015), Morse levanta questões sobre o que chama de “luto midiatizável”, são elas: i) A construção da pessoa morta como humana; ii) A constituição de um espaço-tempo comum para espectadores e outros distantes e iii) A produção de um relato testemunhal. É através destas provocações que Morse pretende compreender as condições da vulnerabilidade como uma motivação na representação da violência construída pela mídia.

    Duas questões são essenciais ao desenvolvimento deste estudo: i) Como as imagens da violência produzidas por quem circula na favela criam o contraponto para a representação desses territórios como espaços de “figuração da violência” (Ferreira da Silva, 2009)? e ii) De que forma a não elaboração de um “espaço público midiatizado” (Morse, 2016) molda os discursos e representações desses territórios a partir do que Achille Mbembe (2018) chama de “formação peculiar do terror”?

    As imagens que insurgem do movimento de elaboração de uma narrativa contra-hegemônica através da produção audiovisual são elementos essenciais na denúncia das violações de direitos praticadas pelo Estado que violentam territórios empobrecidos do Rio de Janeiro habitados predominantemente por pessoas pretas e pardas. A situação das escolas públicas em meio às cotidianas operações policiais denuncia o projeto político que financia a morte de crianças e adolescentes inocentes e nega seu direito ao acesso à educação.

Bibliografia

    BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto?. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

    FERREIRA DA SILVA, Denise. No bodies: law, raciality and violence. Griffith Law Review, Vol. 18, nº 2, p. 212-236, 2009.

    KIMO, Paula; VEIGA, Roberta. Como insurgir no acontecimento pelas imagens: notas sobre uma modalidade de regime estético. Revista ECO-Pós, v. 20, nº 2, p. 32-52, 2017.

    MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: N-1 edições, 2018.

    MORSE, Tal. The construction of grievable death: toward an analytical framework for the study of mediatized death. European Journal of Cultural Studies, Vol. 21, nº 2, p. 242-258, 2016.

    SANTOS, Diego de Jesus. Narrativas periféricas: testemunhos e imagens insurgentes na Favela da Maré. 2018. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Escola de Comunicação (ECO-Pós), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.