Ficha do Proponente
Proponente
- Gustavo dos Santos Ramos (UFPE)
Minicurrículo
- Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco com formação complementada na Universidade Nova de Lisboa, como bolsista do Programa Fellow Mundus da Erasmus. Atualmente é mestrando em Estética e Culturas da Imagem e do Som no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE e pesquisa sobre experiências de imersão virtual e novas subjetividades no cinema de ficção científica, com apoio da CAPES.
Ficha do Trabalho
Título
- Corpos permeáveis e aparatos de imersão virtual no cinema Sci-fi.
Resumo
- Breve percurso pelos aparatos tecnológicos de imersão virtual retratados nas obras fílmicas e seriadas de ficção científica, “eXistenZ” (1999) e “Striking Vipers” (2019), com foco na relação desses dispositivos com o corpo humano e a produção de novos modos de vida. A apresentação terá como pano de fundo um diálogo com o trabalho de Paula Sibilia sobre a compatibilização do homem “pós-orgânico” com as tecnologias digitais, em paralelo com o pensamento de Michel Foucault e Gilles Deleuze.
Resumo expandido
- Propomos observar como os modos de ser e estar estimulados pelos aparatos tecnológicos de imersão virtual são retratados em “eXistenZ” (1999) e em “Striking Vipers” (2019), episódio da série Black Mirror. Partimos do ponto de vista de que as narrativas de ficção científica são análogas à contemporaneidade, como propõe Tucherman (2004; 2006), uma vez que essas obras oferecem um campo de pensamento fértil sobre os processos tecnológicos em curso e a forma como eles atuam na construção de novas maneiras de viver e lidar com essas mudanças. Dessa forma, o cinema Sci-fi “seria o terreno adequado para a acolhida desta forma narrativa que fala de hibridações, misturas, outras experiências espaço-temporais, outras subjetividades, inteligências e mesmo anatomias” (TUCHERMAN, 2006, p. 85). No que tange às discussões sobre pós-corpo, tecnologia e imersão, lançamos como objeto de análise o filme “eXistenZ” (1999), do diretor David Cronenberg. No decorrer da trama somos apresentados ao videogame “eXistenZ”, cuja forma de acesso ao seu universo se dá através de um apetrecho biotecnológico, o biopod, que penetra o corpo do jogador por um cordão umbilical, conectado a uma pequena incisão no cóccix. A partir de estímulos táteis no controle o jogo é ativado no campo perceptivo e sensorial do usuário, que assume um avatar, um corpo virtual com o qual acessa diferentes cenários e interage simultaneamente com outros jogadores. Tomando como ponto de partida o paradoxo da dualidade e verossimilhança entre real e virtual, tema caro à outras obras do mesmo período, como o clássico Matrix (1999), Cronenberg dá um passo à frente, ao propor “uma realidade tricotômica de corpo, mente e máquina” (VIEIRA E COELHO, 2011, p. 94). No filme, tanto os aparatos tecnológicos quanto as experiências agenciadas por esses dispositivos são representadas de forma visceral e grotesca, uma clara substituição das influências da eletrônica pela biotecnologia, uma fusão entre orgânico e artificial, como uma analogia às transformações do corpo na era pós-biológica. Ao abordar a hibridez pós-humana em gestação naquele período histórico, “eXistenZ” explora também os estímulos sexuais em jogo no processo de compatibilização do corpo com as tecnologias de simulação. Já em Striking Vipers (2019) de Owen Harris, percebemos um desdobramento dessa experimentação erótica, os corpos dos personagens Danny e Karl apresentam menos resistência aos efeitos produzidos pelo aparato imersivo. O que suscita o desbloqueio de performances “desviantes” e anteriormente impensáveis por eles, de acordo com o enredo, como a relação homoerótica entre dois homens cisgêneros e heterossexuais a partir de seus avatares. O que acontece dentro do jogo de ação em realidade virtual toma proporções que atingem diretamente o “mundo real” dos dois amigos, revelando não só a alta permeabilidade desse “corpo-membrana” facilmente afetado pelo o que é vivido dentro do virtual, como também sua capacidade de possibilitar que novas corporeidades e performances sexuais coexistam e sejam motivadas além do desejo de realizar um fetiche. Quando eles interagem no campo físico é “mecânico e forçado”, mas no jogo o “sexo entre os avatares é orgânico, passional e voyeurístico” (SLADE, 2019, p. 242, tradução nossa). Sibilia observa que “as tecnologias de produção das almas e dos corpos, em todos os tempos, costumam conspirar contra as potências da vida”, mas destaca que “a vida opõe resistência aos dispositivos desvitalizantes, e ela é sempre capaz de criar novas forças” (2015, p.122). O que nos faz refletir também sobre as possibilidades dessas novas construções de corpos e subjetividades. Vale ressaltar que ambas obras de ficção científica citadas acima foram lançadas no intervalo de duas décadas. Ocorreu alguma ruptura durante esse período? Em quais aspectos se aproximam e em quais se distanciam? Quais subjetividades os aparatos imersivos retratados estimulam? Em suma, propomos uma apresentação dessas reflexões.
Bibliografia
- SIBILIA, Paula. O homem pós-orgânico: a alquimia dos corpos e das almas à luz das tecnologias digitais. Contraponto Editora, 2015.
SLADE, Darren M. Striking Vipers and Closed Doors: How Meaningful Are Sexual Fantasies?. Black Mirror and philosophy: Dark reflections, p. 239-250, 2019.
TUCHERMAN, Ieda. “Corpo e narrativa cinematográfica: ficção e tecnologia.” Compôs IX, 2004.
___________________. “Fabricando corpos: ficção e tecnologia.” Comunicação Mídia e Consumo 3, no. 7, p. 77-92, 2006.
VIEIRA, João Luiz; COELHO, Luiz Antonio L. Subjetividade virtual em “nova carne”: o fim do tempo, espaço e corpo orgânico no sujeito recriado. in: CAPISTRANO, Tadeu (org.). O cinema em carne viva: David Cronenberg. Rio de Janeiro: WSET Editora, p. 93-98, 2011.