Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Coraci Bartman Ruiz (Unicamp)

Minicurrículo

    Coraci Ruiz é documentarista, diretora de fotografia e doutora em Multimeios (Unicamp). Seu primeiro longa-metragem, “Cartas para Angola” (75′, 2012), participou em mais de 30 de festivais em 16 países e foi premiado no Brasil, Angola, Portugal e Bélgica. Seu mais recente filme, “Limiar” (77′, 2020), recebeu diversos prêmios, estreou internacionalmente no Hot Docs 2021 e segue sendo exibido em festivais. Atualmente trabalha em seu terceiro longa-metragem, “Germino pétalas no asfalto”.

Ficha do Trabalho

Título

    Gestos de resistência no documentário autobiográfico de mulheres

Seminário

    Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva

Resumo

    Na realização de documentários autobiográficos de mulheres, o sujeito do discurso e a legitimação do conhecimento estão em disputa; o cinema, enquanto tecnologia de gênero, é uma potente estratégia de agenciamento no campo da representação. Analisando um corpus de dez filmes a partir das formas de enderec?amento em torno das quais eles se constituem, propomos uma categorização organizada em gestos essenciais pelos quais as diretoras se dirigem às espectadoras.

Resumo expandido

    A produc?a?o audiovisual realizada por mulheres e? repleta de obras de teor autobiogra?fico. Algumas delas estão mais ligadas a? teoria e/ou a? milita?ncia feminista do que outras, mas, via de regra, o ato de levar a pu?blico a pro?pria intimidade vem carregado de uma necessidade de narrar marcada pela experie?ncia de ge?nero das diretoras – ou seja, pelas formas como o ge?nero determina tanto suas relac?o?es sociais quanto a construc?a?o de suas subjetividades.
    Segundo Teresa Di Lauretis, o ge?nero e? fruto de diversas tecnologias sociais que o conformam (leis, sistemas de representac?a?o, teorias, etc.). O cinema faz parte delas e, portanto, tomado como uma estrate?gia de produc?a?o de ge?nero, se constitui como um importante elemento propositivo do feminismo no campo da representac?a?o. Sua incide?ncia se dá sobre aquilo que a sociedade consegue conceber como existências e relações possíveis – ou, nas palavras de Judith Bulter (2016, p.30-31), como domínio imaginável do gênero. Nesse sentido, a relac?a?o estabelecida entre cineastas e espectadoras é fundamental, pois, segundo Lauretis (1987, p.96), “a subjetividade de ge?nero na?o esta? apenas implicada no encontro do espectador com cada filme, mas tambe?m construi?da, reafirmada ou desafiada, deslocada ou transferida”.
    Assim, fazer um documentário autobiográfico na?o deixa de significar, sempre, colocar-se em embate – um embate no campo da representac?a?o no qual esta? em disputa o sujeito do discurso e as posic?o?es sociais de opressa?o e emancipac?a?o. A construc?a?o de novas possibilidades de relac?a?o e existe?ncia passa pela criac?a?o de imagens e narrativas, pois, como afirma bell hooks (2019, p.37), “abrir espac?o para imagens transgressoras, para a visa?o rebelde fora da lei, e? essencial em qualquer esforc?o para criar um contexto para a transformac?a?o”.
    Dessa maneira, tendo como pressuposto o cara?ter de agenciamento dos filmes, que implica simultaneamente os modos de fazer – produc?a?o – e os modos de olhar – recepc?a?o –, proponho uma perspectiva de análise de documentários autobiográficos de mulheres que focaliza os modos de enderec?amento dos filmes. Para dar corpo a esta proposta, aciono um corpus de dez filmes, realizados por mulheres entre 1972 e 2013: My father the doctor (1972), Living with Peter (1973) e Cal me mama (1976), de Miriam Weinstein; Elena (2012), de Petra Costa; She’s the boy I knew (2007), de Gwen Haworth; The alcohol years (2000), de Carol Morley; Susana (1980), de Susana Blaunstein; Os dias com ele (2013), de Maria Clara Escobar; The body beautiful (1991), de Ngozi Onwurah; e Janine (1990), de Cheryl Dunye. Sa?o documenta?rios que, seja em seus temas, seja em suas estruturas narrativas e concepc?o?es este?ticas, permitem ver e organizar as ac?o?es que os mobilizam e pelas quais se relacionam com a espectadora.
    Os filmes sa?o complexos, cheios de camadas, nuances e contradic?o?es; busco, pore?m, encontrar as linhas mestras de suas narrativas – os gestos essenciais, que sa?o si?nteses de estrate?gias desenvolvidas por estas mulheres cineastas para tomar a palavra. Apresento aqui cinco categorias: expor, inspirar, provocar, disputar, e decolonizar. Ao analisar outros filmes, outros gestos podem ser identificados, de modo que com eles não pretendo esgotar a categorização; muito pelo contrário, busco apontar um caminho de análise.
    Como estas mulheres organizam seus discursos e provocam suas espectadoras a colocar as experie?ncias de ge?nero em movimento? Os gestos descritos são gestos de resistência porque buscam, de alguma maneira, colocar em xeque as relac?o?es de poder e o discurso dominante – seja evidenciando-os, seja colocando-os sob suspeita ou inventando novas possibilidades de existe?ncia. Em cada um destes gestos mobilizam-se experie?ncias de ge?nero para transcender as normas que as conformam.

Bibliografia

    BUTLER, Judith. Problemas de Ge?nero: feminismo e subversa?o da identidade. Rio de Janeiro: Civilizac?a?o Brasileira, 2016.
    hooks, bell. Olhares Negros: rac?a e representac?a?o. Sa?o Paulo: Elefante, 2019.
    LAURETIS, Teresa de. A tecnologia de ge?nero. In: HOLANDA, Heloi?sa Buarque de. Tende?ncias e impasses: o feminismo como cri?tica cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
    MACDONALD, Scott. American ethnographic film and personal documentary: the Cambridge turn. Berckley: University of California Press, 2013.
    HOLANDA, Karla; TEDESCO, Mariana Cavalcanti (orgs). Feminino e Plural: mulheres no cinema brasileiro. Campinas, SP: Papirus, 2017.
    PIEDRAS, Pablo. El cine documental em primera persona. Ciudad Auto?noma de Buenos Aires: Paido?s, 2014.
    RENOV, Michael. The Subject of Documentary. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2004.
    WALDMAN, Diane; WALKER, Janet (orgs).Feminism and Documentary. London: University of Minnesota Press, 1999.