Ficha do Proponente
Proponente
- IVAN CAPELLER (UFRJ)
Minicurrículo
- Ivan Capeller é técnico de som direto para cinema e televisão e professor e pesquisador da ECO/UFRJ. É co-coordenador do Grupo de Pesquisa sobre “Cinema, música, som e linguagem” da Associação Imagem Movimento (A.I.M.).
Ficha do Trabalho
Título
- O ANJO EXTERMINADOR NO MUNDO DE 2020: DE UM FILME A OUTRO
Mesa
- SONS E AURAS DO ESTRANHO: ALIENS, MULHERES E ANJOS
Resumo
- A presente proposta de mesa temática congrega três filmes do gênero fantástico realizados na última década. Nestes filmes, certos temas caros aos filmes de ficção-científica e horror passam por uma releitura que reflete as diversas tensões civilizacionais que explodiram recentemente, em 2020, na maior crise jamais vista na história da humanidade. Três pesquisadores do som no cinema – os três de língua portuguesa, sediados em países distintos (Brasil e Portugal) – analisam estes filmes.
Resumo expandido
- De todos os filmes de ficção científica distópicos e apocalípticos que já foram feitos, há um que se destaca pela sombria previsão contida em seu próprio título – ao menos na versão brasileira. Trata-se de Soylent Green (1973), uma produção norte-americana que ficou conhecida entre nós como No Mundo de 2020. Esta agourenta previsão não precisa ser considerada apenas como obra fortuita do mero acaso, pois este filme é um “who done it” típico do gênero policial que se situa em um futuro, não muito distante, em que as contradições provocadas pela desigualdade social e econômica geradas pelo capitalismo atingem um grau máximo de intensidade, provocando simultaneamente a miséria generalizada da população e a destruição ambiental do planeta. À sinistra presciência deste filme falta apenas o elemento histórico concreto da pandemia viral, pois suas consequências mais funestas também estão presentes no abominável desfecho da história, em que se fazem presentes elementos (ainda) nazistas de extermínio e destruição em massa e métodos (já) neoliberais de gestão “humanizada” do suicídio coletivo.
Pode o cinema de ficção prever a história da humanidade, ao menos em suas linhas mais gerais? Assim como “a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco” (Marx), podemos afirmar que certas tendências históricas mais ou menos marcantes encontram-se presentes em certos filmes, de forma embrionária, parcial ou mesmo metafórica, antes mesmo de emergirem na cena histórica de forma autônoma e consciente. De forma inversa, certos fatos históricos conferem, retroativamente, o sentido potencial de certos filmes de ficção capazes de se conectar, subterraneamente, às tendências históricas subjacentes a fatos e eventos ainda não ocorridos.
É assim que, em pleno mundo de 2020, já pressentido pelo sci-fi Soylent Green, a emergência da pandemia provocada pela COVID-19 mostra-se capaz de nos revelar o conteúdo histórico concreto de outro filme clássico em seu gênero – O Anjo Exterminador (1963), de Luis Buñuel. Nesta obra, Buñuel trabalha o huis-clos como tendência (então) oculta da burguesia enquanto classe social dominante. À época de lançamento do filme, tal tendência mal aparecia nos discursos e ações patrocinadas por esta mesma classe – ainda às voltas, em 1963, com o último ciclo de prosperidade e crescimento econômico proporcionado pelo capitalismo fordista dos anos do pós-guerra. Com o passar das décadas, porém, o caráter classista do auto-isolamento imposto pela burguesia a si mesma – isolamento este que assume o caráter quase sacro de um interdito religioso no filme de Buñuel – torna-se cada vez mais evidente, desvendando o verdadeiro sentido histórico deste filme e permitindo que as suas tradicionais leituras exegéticas – a simbólica e a alegórica – sejam definitivamente superadas por uma leitura metabólica do filme que leve em conta as relações entre a história e a história do cinema.
Na leitura simbólica, inevitavelmente baseada em um simbolismo sexual legitimado pelas estreitas relações entre o surrealismo e a psicanálise freudiana, O Anjo Exterminador ilustra a contradição civilizacional inerente à necessária renúncia pulsional presente em qualquer processo de socialização. Nesta leitura, a classe social dos personagens do filme só importa na medida em que ressaltaria a universalidade abstrata contida na ideia de uma condição humana absurda e irremediável. A mesma limitação se encontra na leitura alegórica do filme, estabelecida a partir de paralelos, inseridos no seu enredo, com alguns elementos messiânicos da tradição teológica católica, evocados de forma blasfema. Apenas a leitura classista desvela o caráter metabólico desta crítica cinematográfica à civilização: o anjo exterminador como emblema do medo burguês ao contágio com o povo, medo este que provoca uma série de fobias irracionais e acirra as contradições civilizacionais ao ponto da ruptura iminente. 58 anos após o filme, a pandemia demonstra historicamente essa leitura.
Bibliografia
- Cesarman, Fernando (1976). El Ojo de Buñuel, Psicoanálisis desde una
butaca. Barcelona. Editorial Anagrama.
Chion, M., & Brewster, B. (1991, Autumn). Quiet Revolution… And Rigid
Stagnation. Rendering the Real
Chion, M. (2003). Film: A Sound Art. (C. Gorbman, Trans.) New York, NY, USA:
Columbia University Press.
Cooper, S. (2016). Narcissus and The Lobster (Yorgos Lanthimos, 2015). Studies in European Cinema, 13(2), 163-176. https://doi.org/10.1080/17411548.2016.1216373
Dodman, Benjamin. (2015) “‘The Lobster’ ridicules society’s date-or-die mentality.” Accessed 15 April 2021. http://www.france24.com/en/20151027-cinema-lobster-couples-singles-yorgos-lanthimos-farrell-weisz-cannes
Genette, G. (1983). Narrative Discourse: An Essay in Method. (J. E. Lewin, Ed.,
& J. E. Lewin, Trans.) Ithaca: Cornell University Press.
Hughes, H. C. (2001, June 13). Responses of Human Auditory Association
Cortex to the Omission of an Expected Acoustic Event.