Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Camila Dutervil (Unespar)

Minicurrículo

    Camila Dutervil é documentarista antropóloga e professora de cinema da Unespar. Começou estudando na Escuela Internacional de Cine y TV em Cuba, se especializou em montagem no Ateliers Varan, em Paris, onde também concluiu o o Mestrado em Cinéma – Réalisation et Création, na Universidade Paris VIII. A pesquisadora é doutora em cinema pela Università Roma Tre, onde defendeu uma tese sobre as fronteiras entre o Cine-Transe e o cinema de poesia.

Ficha do Trabalho

Título

    Coletivo Audiovisual Munduruku nas redes de resistência e autonomia

Resumo

    A presente comunicação trata da gênese do coletivo audiovisual Munduruku e da atuação das mulheres realizadoras indígenas na luta por autodeterminação e direito à terra e na defesa da floresta amazônica. O trabalho se aprofunda na análise de suas redes de resistência – onde o audiovisual se revela como um importante instrumento de afirmação da autonomia ameríndia – e no percurso que levou suas vozes e imagens a ocuparem espaços políticos e culturais hegemônicos no Brasil e no mundo.

Resumo expandido

    Como estratégia para adiar o fim do mundo, o pensador indígena Ailton Krenak nos provoca a sempre poder contar mais uma história. O Coletivo Audiovisual Munduruku, formado por jovens indígenas do Médio Tapajós, tem buscado meios para contar suas próprias histórias desde que tomaram consciência do poder do audiovisual para afirmar a resistência do povo Munduruku e para denunciar as ameaças à seu modo de vida na bacia do Rio Tapajós.
    Diversas oficinas de audiovisual foram oferecidas por parceiros do movimento indígena no intuito de reafirmar a autonomia do Coletivo Audiovisual Munduruku.
    Em 2014, os Munduruku deram início a um ato inédito de regularização do território, a autodemarcação de Sawré Muybu, que se tornou um ícone da autonomia e resistência Munduruku em defesa do território. A necessidade de fazer os próprios vídeos surgiu, segundo as jovens Munduruku, nesse processo de autodemarcação. As jovens mulheres do Médio Tapajós sentiram a necessidade de registrar a autodemarcação sem depender da presença de jornalistas no local e realizaram o filme “Autodemaracação Daje Kapap Eypi”. Beka Munduruku conta sobre a experiência: “Nós, guerreiras da aldeia Sawré Muybu, nos dedicamos a fazer um filme da autodemarcação para mostrar que não estamos de braços cruzados esperando o governo”
    O filme “Autodemaracação Daje Kapap Eypi” foi exibido em Chiapas, na ocasião de uma expedição das guerreiras Alessandra Korap e Maria Leusa Munduruku ao território Zapatista, onde compartilharam suas experiências de resistência e assinaram o manifesto Tecendo resistências e encontrando mundos em defesa da vida e do território ”.
    O material bruto do filme sobre a auto-demarcação foi utilizado no documentário “Amazonia Sociedade Anônima”, dirigido por Estevão Ciavatta e co-produzido pelo Coletivo Audiovisual Munduruku. O documentário que retrata a luta de indígenas e ribeirinhos para defender a floresta das máfias de grilagem e desmatamento ilegal, teve sua estreia no Festival do Rio de 2019.
    O audiovisual desponta também como um dos dispositivos de vigilância do território Munduruku. Mais uma vez cansados de esperar pela intervenção do Estado, guerreiros e lideranças organizaram uma expedição para expulsar os garimpeiros ilegais, que foi registrada pelo Coletivo Audiovisual Munduruku. Aldira Akay, uma das integrantes do Coletivo, relata ter sentido medo de enfrentar os invasores, por estarem câmera em punho, na linha de frente com os guerreiros.
    O Coletivo Audiovisual Munduruku é formado em sua maioria por jovens mulheres, entre elas, se destaca Beka Munduruku. O filme “Em nome de que?”, narrado em primeira pessoa por Beka foi enviado à Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática. Numa demonstração explícita de eurocentrismo, a mídia estrangeira tratou a jovem guerreira Beka Munduruku como a Greta Thunberg brasileira. Embora nos últimos tempos, a Articulação dos Povos Indigenas do Brasil venha tentando mobilizar apoio da opinião pública internacional, é importante ressaltar que a luta indígena pela ecologia não se inspira na Europa. Desde a periferia colonizada devemos nos questionar constantemente se estamos endossando ou não um olhar europeu sobre o que deve ser essa periferia colonizada.
    Tendemos a valorizar um cinema feito para o olhar do sujeito europeu, já que os principais festivais de cinema do mundo, como Cannes e Berlinale, acontecem na Europa. Nesse ponto, evocamos a “Crítica da Imagem Eurocêntrica” ( 2012), livro em que Ella Shohat e Robert Stam apontam para a emergência de visualidades produzidas por povos originários no século XXI, acompanhando o giro decolonial. Sob risco de não ser compreendido ou bem aceito pela espectatorialidade ocidental, o cinema indígena vem reafirmando suas temporalidades e perspectivas diversas, num exercício do olhar e da escuta como atos de resistência.

Bibliografia

    CORDOVA. Amalia Estéticas Enraizadas: Aproximações ao vídeo indígena na América Latina In: “Catálogo Olhar Um ato de Resistência- forumdoc.bh” , Filmes de Quintal. Belo Horizonte 2015
    KORAP Munduruku, A., e Chaves, K. A. (2020). “Precisamos estar vivos para seguir na luta”: pandemia e a luta das mulheres Munduruku. Mundo Amazónico, 11(2), e88662
    KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2019.
    SALES, M e al.Cinemas pós-coloniais e periféricos / organização: . – Guimarães : Nós por cá todos bem – Associação Cultural; Rio de Janeiro: Edições lCV, 2019.
    SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
    WORTHAN, E. “Between State and Indigenous Autonomy: Unpacking Video Indígena in Mexico.” American Anthropologist. No 2, Vol. 106. pp. 363-367. (2004, junho).