Trabalhos Aprovados 2021

Ficha do Proponente

Proponente

    Rogério Ferraraz (UAM)

Minicurrículo

    Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP, 2003), com a tese O cinema limítrofe de David Lynch, orientada por Lúcia Nagib, e Mestre em Multimeios (Unicamp, 1998). É professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi desde 2006. Autor de diversos artigos e capítulos de livros, com ênfase em Cinema e Televisão. É líder do GP Estudos do Horror e do Insólito na Comunicação (UAM/CNPq) e membro do Conselho Deliberativo da SOCINE.

Ficha do Trabalho

Título

    O horror da bomba atômica como origem do mal em Twin Peaks: The Return

Mesa

    Perspectivas transversais sobre o Insólito: horror e política

Resumo

    Esse trabalho tem como objetivo compreender os elementos expressivos, narrativos e estilísticos do horror na série televisiva Twin Peaks: The Return (2017), criada por David Lynch e Mark Frost e dirigida por Lynch, através da análise do episódio Part 8, especialmente verificando as relações entre as configurações daquele universo ficcional e os aspectos históricos, políticos e culturais dos EUA, com ênfase na relação estabelecida entre a primeira detonação de uma bomba atômica e a origem do mal.

Resumo expandido

    O horror adquiriu novas faces e temáticas ao longo da história. Estudando particularmente a figura do monstro, Fernando Vugman (2018) observa que toda mitologia sofre mudanças a partir de eventos históricos de grandes proporções. Não foi diferente com a destruição em massa das cidades de Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial. O próprio Vugman (p. 36) observa que “é somente com o lançamento das bombas atômicas sobre o Japão que a ficção passa a introduzir o monstro num cenário de devastação planetária.” Vugman (p. 36) ainda completa que, a partir desse cenário, “o conceito de humano exige que se inclua a possibilidade de extinção de toda a raça humana.” É interessante refletir sobre essa questão ao nos debruçarmos sobre o oitavo episódio (intitulado somente como Part 8) da última temporada de Twin Peaks, considerada por muitos críticos como a obra mais política da carreira do diretor e roteirista David Lynch: é justamente ao local e ao momento históricos do primeiro teste nuclear feito pelos Estados Unidos (que ficou conhecido como Experiência Trinity), às cinco horas e vinte nove minutos do dia 16 de julho de 1945, em White Sands, no Novo México, que a narrativa, em uma espécie de flashback, leva o espectador para mostrar o que seria a origem do mal de todo aquele universo sombrio, estranho, angustiante e violento. Essa ideia se aproxima bastante do pensamento de Inácio Araújo (2017), que, em sua crítica Twin Peaks, ainda, escreveu: “Há universos alternativos, mas nenhum universo alternativo é tão real quanto o sonho. Real e diversificado. Bem, o que não é sonho: a bomba atômica. Sim, a fonte de todo o mal está ali. Ela está na base de Twin Peaks, de nosso mundo, de seu amor à autodestruição.” Esse trabalho, portanto, tem como objetivo compreender os elementos expressivos, narrativos e estilísticos do horror na série televisiva Twin Peaks: The Return (EUA, 2017), criada por Lynch e Mark Frost e produzida pelo canal Showtime, através da análise do episódio Part 8, especialmente verificando as relações das configurações daquele universo ficcional com aspectos históricos, políticos e culturais estadunidenses. Trata-se, aqui, de um recorte do projeto de pesquisa Horror na ficção televisiva contemporânea: o caso singular de Twin Peaks: The Return (2017), desenvolvido junto ao Grupo de Pesquisa Estudos do Horror e do Insólito na Comunicação (UAM/CNPq), que pretende verificar as relações que essa última temporada pode (ou não) estabelecer com outras narrativas seriadas contemporâneas de horror na ficção televisiva. Para tanto, o projeto recorrerá à revisão crítica de pesquisas e publicações anteriores sobre o cineasta bem como ao levantamento da fortuna crítica sobre o produto audiovisual e sobre o gênero em questão. No caso do recorte do artigo proposto para o XXIV Encontro SOCINE, a ideia é analisar como o episódio selecionado pode funcionar como um exemplo paradigmático da forma como o horror se materializa em The Return, se relacionando principalmente com o conceito que Freud, em 1919, definiu como inquietante, ou estranho familiar, fundamental para os estudos estéticos sobre o insólito e o horror artístico: nessa série, assim como em grande parte da obra lynchiana, o estranhamento e o medo são gerados pelo incômodo causado a partir de situações cotidianas e cenas decorridas em ambientes comuns e familiares que se revestem de um aspecto assustador. Como Eugênio Trías (2001, p. 39) definiu: “É, portanto, algo que talvez fosse familiar e se tornou estranho e inóspito. Algo que, quando revelado, é mostrado em sua face sinistra, apesar de ser, ou precisamente porque é, na realidade, em profundidade, muito íntimo.” De certa forma, como nos mostra The Return, reconfigurando o conceito freudiano, nada mais horrífico e amedrontador do que uma sociedade que banaliza o mal, tornando comum e familiar a destruição da humanidade simbolizada pela detonação de uma bomba atômica.

Bibliografia

    ARAÚJO, Inácio. Twin Peaks ainda. In: Canto do Inácio. [https://cantodoinacio.wordpress.com/2017/09/09/twin-peaks-ainda/]. 2017. Acesso em 30/04/2021.
    FERRARAZ, Rogério; MAGNO, Maria Ignês Carlos. O retorno a um mundo estranho e maravilhoso: Twin Peaks: The Return e o inquietante freudiano – uma análise focada no estilo individual e em certas estratégias recorrentes de David Lynch. In: ROCHA, S. M. e FERRARAZ, R. (org). Análise da ficção televisiva: metodologias e práticas. Florianópolis: Insular, 2019. p. 149-173.
    FREUD, Sigmund. O inquietante. In: Freud (1917-1920) Obras Completas, v. 14: “O homem dos lobos” e outros textos. SP: Companhia Das Letras, 2010, 329 – 376.
    LYNCH, David; MCKENNA, Kristine. Espaço para sonhar. Amadora: Elsinore, 2018.
    TRÍAS, Eugênio. Lo Bello y lo siniestro. Madri: Del Cardo, 2001.
    VUGMAN, Fernando. A invenção do monstro: do golem ao zumbi. RJ: Luva, 2018.