Ficha do Proponente
Proponente
- camila machado garcia de lima (UNB)
Minicurrículo
- Camila Machado é mestra em Imagem, Som e Escrita pela Universidade de Brasília, mesma instituição em que se graduou em Comunicação/Cinema, e especialista em som pela EICTV (Cuba). Professora e pesquisadora de imaginário sonoro, criou a biblioteca sonora virtual “Sonário do Sertão”. Seus principais trabalhos com som de cinema são: Mariana não vai à Praia, Entre Parentes, Tekoha – o som da Terra, Ameaçados, Do Corpo da Terra, Valentina, Cadê Edson?, Chão, Ressurgentes e Branco Sai, Preto Fica.
Ficha do Trabalho
Título
- SONÁRIO – imaginário, patrimônio e territorialidade do acervo sonoro
Resumo
- A partir da noção de Sonário, palavra que reverbera as noções de imaginário, inventário e cenário (paisagem sonora), buscamos ouvir a produção de acervos sonoros (bibliotecas) – disponibilizados para produtos artísticos, principalmente audiovisual – como uma possibilidade de refletir sobre os territórios onde os sons são gravados, podendo assim entender as sonoridades como um inventário de importância afetiva, cultural e social, que pode ser considerado um patrimônio cultural imaterial.
Resumo expandido
- Essa pesquisa surge do projeto de formação de biblioteca virtual de sons para audiovisual (ou acervo), batizado de “Sonário do Sertão”, e que combina memória, patrimônio imaterial com tecnologias de registro e gravação. Partimos da ausência de biblioteca de sons brasileiras para uso em edição de som de filmes e, ao refletir sobre as sonoridades locais e suas importâncias culturais, afetivas, sociais, territoriais e temporais, criamos o termo “Sonário”. Ele é um neologismo que reverbera dentro de si as palavras imaginário, inventário e cenário. Na primeira possibilidade, há a troca de sua raiz de “imagin” para “son”, tensionando uma mudança de perspectiva a fim de instigar a reflexão do quanto a percepção de sons pode fazer parte do imaginário coletivo e individual. A segunda possibilidade se aproxima à noção de inventário e nos leva à formação de um acervo que compõe um arcabouço cultural, nos aproximando do patrimônio imaterial possível de ser inventariado quando nos debruçarmos nos sons. E a terceira leitura, a de cenário, vincula a sonoridade ao espaço: “a experiência acústica é de territorialidade, é uma experiência de situar-se no mundo” (REINALDO, 2005, pg 41). E essas noções todas permeiam nossa pesquisa e moldam nossa proposta de criação de bibliotecas de som.
O deslocamento no espaço, a vivência de escuta e experiência acústica são os principais alicerces da metodologia da pesquisa. Os sons são o encontro do ouvido e da percepção corporal com as ondas sonoras que só existem em um espaço-tempo específico, seja pela acústica do local, seja pela existência cultural desses sons, tornando assim a pesquisa uma relação corpórea sensível. Essa pesquisa ocorre numa sonosfera, noção trazida por Sloterdijk (SLOTERDIJK, 2016), que pensa comunidades ligadas pelo sonoro: “trata-se da comunidade auditiva constitutiva que integra os humanos em um anel não objetivo de mútua acessibilidade. A intimidade e a publicidade têm na audição, o órgão que as interliga.” (SLOTERDIJK, 2016, pg 470). Também o caminho da razão poética (CASTRO, 2014) ajuda a decifrar, ou perceber, o universo sonoro, não descartando sua realidade mágica, suas lendas, sonhos, espiritualidade, pensando assim criativamente a partir dos elementos sonoros trazidos pelo cotidiano, pela memória, nas práticas e evocações religiosas e ritualísticas, nas músicas. Assim também nos lembra a paisagem sonora de Schafer (SCHAFER, 1997) que nos traz a necessidade de perceber todos os seus elementos: sons de origem natural, humana, industrial ou tecnológica. Além de ser vinculado ao território ou a um espaço físico definido, os sons também são uma metáfora de experiência. De acordo com Oliveira, “a performance dos sons na vida cotidiana é constituída pela memória de uma tradição cultural e constitui performance sonora cultural pela memória restaurada e reprodução de sons simbolicamente compartilhados” (OLIVEIRA, 2019, pg 164). E, inspiradas no processo de inventário do IPHAN, as importâncias que são dadas por cada comunidade e seus membros na escolha dos sons para a biblioteca foram um aspecto da orientação metodológica, no que diz respeito a “aprender os sentidos e significados atribuídos ao patrimônio cultural pelos moradores (…), tratando-os como intérpretes legítimos da cultura local” (Manual do INRC, 2000, pg 8). A “situação de diálogo que necessariamente se estabelece entre pesquisadores e membros da comunidade propicia uma troca em que todos sairão enriquecidos” (Manual do INRC, 2000, pg 19).
A partir da pesquisa de campo e da criação de uma biblioteca de som com mais de 100 arquivos sonoros foi possível esboçar um painel do imaginário sonoro de determinados territórios e poéticas da experiência afetiva e intuitiva. E esse caminho metodológico e reflexivo propomos que seja levado em consideração ao pensar a territorialidade presente em cada biblioteca de som existente e/ou criada.
Bibliografia
- CASTRO, Gustavo e FRAVET, Florence. Comunicação e Poesia – Itinerários do aberto e da transparência. Brasília: Editora UnB. 2014.
FELD, Steven. Sound and Sentiment: birds, weeping, poetics and song in Kaluli expression. Durhan & London, Duke University Press, 2012.
Manual do INRC – Inventário nacional de referências culturais : manual de aplicação. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2000. – disponível em http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Manual_do_INRC.pdf
OLIVEIRA, Thais Rodrigues. Performances Sonoras: uma escuta do cotidiano goianiense. UFG, Goiânia, 2019.
REINALDO, Gabriela. Uma Cantiga de se Fechar os Olhos…: mito e música em Guimarães Rosa. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2005.
SCHAFER, R. Murray. A Afinação do Mundo. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,
1997.
SLOTERDIJK, Peter. Esferas – Volume I – Bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.